Rua nua, viu-se, até fechar o portão. Escuro, bem escuro, como ficam os
bairros de gema anárquica e que já só com o luar podem contar. Por sua vez,
como também preza a saúde, foi a poeira às toneladas alojar-se nos esguios
galhos da árvore do meu quintal, de poeira tingida. Há água na torneira,
finalmente, como sempre, só de noite, como se fugisse do sol de sanzala,
ausências mais do que presenças, a mesma cobrança no final do mês. Menos pouco
para meia-noite. Não guardes para amanhã o que hoje podes fazer. Mas o quê?
Jactos de água com a mangueira, para devolver o verde às folhas da árvore, do
lado de fora do quintal plantada. Do nada, qual fantasma, ouve-se um masculino
protesto: “não, meu kota, assim também, não!” Que protesto mais fora de hora!
“Agora que há água, estou a lavar a árvore. Aqui acumula-se muita poeira”. E
segue o protesto apócrifo: “Está a nos molhar”. Caramba! “Vai você lavar a
árvore?”. Até porque, eu cá não sei porquê, ou talvez por não existir senão no urgente improviso das libidos, por acaso não me lembrava da inscrição "árvore para todos; sombraria de dia, namoradoria de noite". Ouve-se
qualquer coisa de insulto e a voz desaparece. Já sei que me resta recolher pela
manhã cacos de preservativos ou desses afrodisíacos chineses. E não é que tenha
algo contra o dia dos namorados.
GP. 14 Fevereiro 2014
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