Estava
tenso, um misto de incompetente com impotente. Tinha a manifestar 14
passageiros, mas pareciam 14 mil, até para mim, que escrevo rápido à mão. O meu
primeiro dia foi um trauma. Imagine você o que é ser lançado para um cenário de
atendimento público sem treinamento ao menos sobre as ferramentas em uso.
Para
além do colete reflector, do lugar ao balcão e dos 60 minutos planificados para
a tarefa, nada mais dominava. Tive de ser ajudado a preencher a papelada, à frente
de todo o mundo, por um dos candidatos que derrotei nos exames de admissão
(escritos e orais). Há como esquecer a nobreza de tal gesto? Sem que lho pedisse,
estava ele a tutorar precisamente quem ficou com o emprego com que há muito
vinha sonhando.
Eu
desde pequeno que sonho com muita coisa nesta vida. Com aeroportos é que não me
lembro. De sorte que a minha relação com o sector, que no próximo dia três de
Março assinala o nono aniversário, dá-se mais no espírito piloto-automático. Tenho,
sempre tive, dos aeroportos a mesma percepção sombria que me ocorre dos
cemitérios. Talvez pelas emoções de rotura entre quem parte e quem fica; talvez
pela natureza “pronto a explodir” dos aviões; talvez pela vocação autoritária
dos sistemas de segurança, enfim, há qualquer coisa de potencialmente lúgubre na
aura dos aeroportos.
Em
2006, ao cabo de sete anos exercendo um pouco de tudo no ramo das ONG’s, acolhi
com certo entusiasmo a ideia de trabalhar para um ente para-estatal. Aspirava,
finalmente, curtir uma praia ao domingo e, ainda mais excitante, usufruir
fins-de-semanas prolongados. Engano. Começava a odisseia de oficial de tráfego
aéreo. “Como vai a vida? Continuas naquele
emprego? Espero bem que não!”, escreveu-me uma ex-chefe um ano depois. E
eu continuava. Ironia.
Não
há nada de comparável entre o sector da sociedade civil e o serviço de terra em
aviação, desde logo porque no primeiro imperam a criação, a fertilidade dos
debates e a natureza horizontal das estruturas hierárquicas, ao passo que no
segundo, tudo gira em torno da lei da rotina. Para as mesmas coisas, nas mesmas
circunstâncias, as mesmas reacções. Hoje, sou testemunha de grandes progressos na
história da aviação cá, com realce ao rigor do Instituto Nacional da Aviação
Civil na certificação de operadoras, o que levou à extinção de várias, mas
também à redução de casos de acidentes. Louvo ainda a transição dos sistemas de
check in, do manual para o electrónico.
Certa
vez, tivemos um passageiro a mais na classe executiva. Tinha talão de embarque,
mas não o manifestei. Escapou-me. Nestes casos, infelizmente, a reacção do
pessoal de bordo, colegas por sinal, é a enxovalhar, sem ter em conta a tensão natural
do balcão. O passageiro era o deputado Akwá. Tive de o mobilizar para ir na económica.
Garanti que restituiria do meu salário a diferença. O deputado relevou sem o
estrebuchar previsível de gente poderosa. Só aumentou a minha admiração por
aquela estrela do futebol.
Já
vai quase uma década de ambivalências. Empregador generoso, emprego nem tanto. Possibilidades
de alicerçar o capital de prestígio, dando aulas ou integrando redacções jornalísticas
não faltam, pelo que não me queixo da sorte. Prevalece a esperança de vir algo
melhor dentro da casa, nem que seja até um dia antes da aposentadoria.
Gociante Patissa, Aeroporto Internacional da
Catumbela, 27 Fevereiro.2016
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