domingo, 28 de fevereiro de 2016

[Oficina] Conto | “Eu não fazi nada mamã, só tirí”

Texto de Felisberto
Ndunduma Sakutchatcha

Depois do chamamento iroso e arrogante dela, todos ficaram sentados (numa única cadeira que havia no jango lá em Kalweyo), a madrasta perguntou com toda energia:
Quem tirô o cem que tava na banca?
Não sabo, mamã! respondia assim o tímido enteado Cornelinho, um novinho irmão vindo do Etaholwa!
Eu também nô vi quem tirô, tia replicou o orelhudo Kahiva, primo por excelência.
Vou perguntar di novo: quem tirô o cem que deixi na banca?
Mãe, na banca? Dentro ou fora? respondi com ironia por ser filho legítimo e também por coincidir com uma aula de localizações das coisas que tive naquele dia.
Ó cabrão, vô ti matar com purrada! Estava na banca eu também não mi lembro bem se tinha ficar na cima ou na baixo. Só quero o cem que estava na banca!
hahahahahahahahahahahahah As meninas (Rosália e Laurinda) morriam de gargalhadas, porque ainda tinham a energia voraz da gramática que a professora Júlia da Escola 10 lhes transmitira, embora com seus dentes podres que às vezes confundem a fonética.
Pufa! Pufa!  Pufa! Os dois enteados mais um sobrinho levaram logo de primeira umas palmatórias do cassetete do mano Ernesto Kamwele, coitado!, que sua alma descanse em paz e Deus o tenha…!
Lá no meu cantinho eu tremia de susto (ao mesmo tempo mijando nos calções como era de hábito para esvaziar o medo) e dali continuou a sova aos três azarados da nossa casa, por sinal os mais crescidos, em fase própria de furtoszinhos domésticos.
Pufa! Puh!Puh!Puh! Páh!Páh!
Aiué! Aiué! Vô na minha mãe! Vô na minha mãe! Eu sô órfão! Aqui me odeiam! gemiam assim as vítimas dos açoites do dia.
Eu não vi o cem, mas era só cinquenta! Gritou o Tchipepe.
Então, era mesmo este dinheiro cem de cinquenta-cinquenta! disse ela.
Mas não sou eu que tiri, fali que só vi. Estava na mão do Cornelinho.
Eu também não vi, mamã. Só o Cornelinho me mostrou um cinquenta roto que colamos com tchimbungú para comprar califi doce! Assim clamou o Kahiva.
Então foi você que tirô nem? Só estás a deixá batê os otros! Não, pensei bem, todos vocês são culpados porqui cumeram o dinhero juntos.
Eu só comi califi e assistimos filme do Jerry e Avô Nombo no Dinis que mi pagarom lá!
E você Cornelinho onde tiraste o dinheiro?
Então se a mamã já sabe onde estava o dinheiro, porque pergunta onde tiraram? questionei.
Pufa! Pufa! Me deram umas bofetadas mais dolorosa e cai chorando.
Mamã, encontri dois cinquentas no chão e não na banca, só tiri dinheiro do chão, mas  mesmo eu não fazi nada, mamã, só tirí.  concluiu o Cornelinho, quando já havia acabado a sova. 
___________
Nota do Blog Angodebates: No ano em que completa o 10.º aniversário, o nosso Blog lançou um desafio de crescer junto com os seus leitores, abrindo para o efeito uma oficina para a divulgação de contos, crónicas e poesia de autores com ou sem livros. Como é natural, teremos colaboradores principiantes, pelo que lá onde for necessário, a gestão editorial do Blog fará ou sugerirá arranjo. O que esperamos é no futuro olhar para o primeiro texto de cada colaborador e festejarmos o progresso que for alcançando. Caso queira participar, pode mandar textos (crónica, poesia, conto) para patissagociante@yahoo.com
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