quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Diário | Fala já: mas perdoas ou não?!
“Ouve, vizinho! Eu vim a bem. Estou aqui
para falar contigo, porque, é assim… na igreja, falaram uma coisa que até agora
não consigo dormir bom sono.”
“Outra vez, vizinha?! Mas você não me
deixa só em paz porquê?”
“É mesmo a paz que me trouxe, homem!
Falaram tudo o que não está perdoado na face da Terra, no céu também não. Se eu
morrer amanhã, não tenho direito ao paraíso.”
“Isso é problema teu!”
“Problema meu? Disseste quê?! O vizinho
está a brincar comigo. Só pode!”
“Não, é engraçado que não estou. As
feridas que me ofereceste ainda não curaram. Volta quando eu tirar o gesso e
continuamos esta conversa.”
“Esperar mais o quê?! Mas o vizinho não
ouviu aquele jovem na televisão, hã, português já não é português na ponta da
língua, engravatado, que falou que o limite de vida do angolano é só 46 anos?
Com 50 anos nos cornos, você pensa que estamos a comer para crescer mais?
Estamos mais é a viver para morrer. Fica já saber!”
“O gesso sai daqui a 45 dias. Nessa
altura você aparece e te digo se já estou em condições de falar de perdão, ou
não.”
“E se eu cair amanhã aí na rua,
atropelada como um cão? Já viste o risco de perder o reino dos céus, só porque
o torto do meu vizinho não me quer perdoar? Afinal esta tortice vai-te levar
aonde? É por essa coisa de complicar já muito que se lutamos…”
“Desculpa, não lutamos. Com mulher não
luto. Foi mais uma agressão histérica tua. E porquê? Por ter dito que não era
correcto a vizinha levar para a casa um vaso de flores que todos os vizinhos
contribuíram para enfeitar a rua no dia de Natal”.
“Eu só levei porque não tinha árvore de
Natal em casa… Aliás, mesmo até desde que plantamos a árvore no vaso, como eu
até era a pessoa que mais regava… né?”
“Sim, mas a ideia não era essa. O que é
de todos deve ser decidido por todos.”
“Eu também, se tivesse marido que me
comprasse árvore de Natal, não ia levar para casa o vaso… mesmo a minha prima,
que mora noutro bairro, também construiu quintal e cercou o chafariz do bairro
em casa. Como é solteira, ninguém lhe chateou. O vizinho já como é que tem boca
comprida, viu que sou mulher, queria se meter comigo. Você pensa que a tal
mulherice está espalhada em todo o corpo ou quê? Eu te parto os cornos, ouviu? Agora
estás ali com o braço no gesso.”
“Vizinha, agora, se faz favor, vai tomar
banho, que eu vou descansar, ya?”
“Mas é preciso ressuscitar Mahatma Gandhi
para o vizinho entender? Já naquele tempo ele dizia que o perdão é dos fortes,
os fracos não sabem perdoar.”
“Ah, também chegaste a agredir o coitado
do Mahatma Gandhi?”
“Eu já falei, vizinho. A bem ou a mal, vais
ter que me perdoar. Se for necessário vou lutar outra vez contigo. Daqui é que não
saio sem perdão. Fala já: mas perdoas ou não?!”
GP. Benguela, 30.12.15
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
domingo, 27 de dezembro de 2015
“A mais profunda diferença entre o animal irracional e o homem é que para manter o animal cativo, você precisa de lhe fechar as portas todas (senão ele escapa na mínima hipótese que tiver), ao passo que para manter o homem no cativeiro, você precisa de deixar uma porta entreaberta (se perceber que está totalmente fechado, ele quebra a prisão e liberta-se)”. – citando de memória autor desconhecido.
Divagações a Facebook | "Porque é que a fama de figuras públicas, com realce para músicos e escritores, em Angola é instantânea?"
Estendeu-me
a pergunta o amigo Horácio
Dos Reis. E trago para cá o que eu acho. Mano, acho que partimos de
uma premissa errónea quando esperamos que o escritor tenha fama, precisamente
pela natureza intemporal do consumo do seu trabalho. Ao contrário da música, a
literatura não é de efeito imediatista. Era suposto conhecermos a obra muito
mais do que a banga do obreiro. Aqui em Angola é que se confunde literatura com
espectáculo, de sorte que a pessoa pode não gostar de ler, pode não dominar a
língua (a principal ferramenta de trabalho) mas terá a coragem de se chamar
"poeta" disso e daquilo, pelo simples facto de saber gritar um texto
com espasmos. A humanidade já deu exemplos paradigmáticos. Em Portugal, Camões
só ficou conhecido pela sua obra depois de morrer. Espero ter ajudado.
sábado, 26 de dezembro de 2015
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
Recortes do arquivo
Nadir
Ferreira: "Foi professor?"
Cardeal Alexandre do Nascimento: "Sim, da casa das Beiras."
Cardeal Alexandre do Nascimento: "Sim, da casa das Beiras."
Nadir Ferreira: "Há pessoas, hoje na sociedade, de quem se lembre e que
foram seus alunos?"
Cardeal Alexandre do Nascimento: "Sim, muitas."
Nadir Ferreira: "Quais?"
Cardeal Alexandre do Nascimento: "Não, não digo."
Nadir Ferreira: "Não?"
Cardeal Alexandre do Nascimento: "Não me quero dar uma importância que eu
não tinha."
In
«Caras e Vidas», TPA 1, Luanda. 25/12/13
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
Oratura | KAPALANDANDA, um herói injustamente esquecido?
Você já ouviu e expressão «no tempo do Caprandanda?»
É provável que sim, apesar do seu erro crónico. O correcto seria grafar
Kapalandanda, pois não temos «R» na língua Umbundu, ao passo que o «C» é
pronunciado [t∫i], e como tal diferente de «K».
Como veremos mais adiante, a história de
Angola pode estar a cometer uma injustiça por omissão, relativamente ao papel heróico
da figura do sul que atende pelo nome de Kapalandanda. A dúvida académica que
fica é: que critérios foram usados para enaltecer Mandume, Lueji, Njinga,
Ekwikwi e entretanto nada se dizer oficialmente de Kapalandanda? É que para além
de ser personagem de um tema de evocação no cancioneiro Umbundu, de si muito
explorado até 1991 enquanto trilha sonora pela Vorgan [Voz da Resistência do
Galo Negro], rádio da Unita [então forças rebeldes na guerrilha], pouco ou nada
da figura de Kapalandanda se passava de geração em geração.
A minha adolescência foi marcada por um
quadro complexo no Lobito, onde a residência se confundia com dependências das
administrações comunais da Equimina e Kalahanga (não ao mesmo tempo). Como a
circulação de pessoas e bens era mediante guias de marcha, “trabalhei” como
dactilógrafo do meu pai, na sua condição de Comissário e/ou Administrador Comunal,
mas sobretudo como pombo-correio da correspondência familiar entre Lobito,
Catumbela e Benguela, na maioria destes casos até… a pé.
A exposição à propaganda despertou cedo o
meu interesse de observador da política (talvez se deva a isso o facto de me
ser hoje inócua). Evidentemente, havia parentes que (às escondidas) não
alinhavam com o Mpla. Estamos a falar entre 1988 e 1991. Calhava encontrar este
ou aquele a ouvir a Vorgan, com o volume baixinho. A trilha
sonora dizia: «Kapalandanda walila / walilila ofeka yaye/ kapalandanda
walila /eh/ walilila ofeka yaye» (Kapalandanda chorou / chorou pela
sua Terra/ Kapalandanda chorou / oh/ chorou pela sua Terra). Mas quem foi ele e
chorou porquê? GP
2.
AGORA O PERFIL DE KAPALANDANDA
E SUAS FAÇANHAS:
Reproduzimos a seguir, com pequena
adaptação do blog www.ombembwa.blogspot.com,
o valioso contributo de Carlos Duarte, publicado no «Jornal o Chá», da Chá de
Caxinde, Nº 10 - 2ª série, Luanda, Abril/Maio 2014:
«Kapalandanda era sobrinho do Soba
Kulembe, da Catumbela. Ia ser Soba. Agiu de 1874-1886. Adolescente, ganhou
fama por ter morto sozinho um leopardo que andava a comer as cabras (…) Ainda
jovem, inconformado com a passagem e estadia de caravanas de (…) comércio,
levando panos e sal para o Huambo – Bailundos – e trazendo borracha, cera, mel
e marfim – sem pagamento, pediu uma audiência ao Soba, seu tio, e aos sekulus,
onde tentou convencê-los a que fosse cobrada uma taxa – «Onepa» - a essas
caravanas. O Soba, acomodado e com medo da reação dos colonos, não concordou. Kapalandanda então
reuniu um grupo de guerreiros e foi para o mato, armar emboscadas e assaltar as
caravanas, cujo produto, confiscado, era em parte distribuído pelos kimbos do
sobado.
Quando os colonizadores tomaram
conhecimento, foram falar com o Soba para que tomasse providências e acabasse
com essa resistência. O Soba reuniu os melhores guerreiros e ordenou-lhes que
fossem pegar Kapalandanda. Mas o resultado foi o contrário do previsto. O grupo
de Kapalandanda dominou e derrotou fácil os guerreiros de Kulembe. Os
colonizadores resolveram então fornecer armas de fogo o Kulembe, acreditando
que, com essa vantagem, acabariam com o grupo guerrilheiro.
Mas Kapalandanda, agindo como um
Robin Hood angolano, tinha já granjeado a simpatia de grande parte dos kimbos
do sobado; então, emissários dos kimbos saíam para avisá-lo da movimentação das
forças de Kulembe, o que lhe deu condições de espera-las para o confronto, em
local que lhe era propício, anulando assim a vantagem das armas de fogo.
Uma vez mais a tropa de Kulembe foi derrotada, e Kapalandanda ficou
melhor armado. Os colonizadores resolveram então enviar uma companhia de tropa
portuguesa, comandada por um capitão de nome Almeida, para submeter Kapalandanda. O encontro deu-se no Sopé do Passe. O
grupo de Kapalandanda saiu derrotado
e ele levado preso, primeiro para o Forte da Catumbela, e depois para S. Tomé.»
Ao ler este relato de
Duarte, evidente se torna que a história de Kapalandanda merecia ser mais divulgada,
o que representaria um importante precedente pelo levantamento de mais bravos
filhos que deram a vida para chegarmos a Angola independente.
Gociante Patissa, Benguela,
24.12.15
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Utilidade pública | Livros do escritor Adriano Botelho de Vasconcelos para download gratuito em PDF
Livros grátis do escritor Adriano Botelho de
Vasconcelos e algumas antologias de poesia e conto - do tempo em que o autor
era secretário-geral da União dos Escritores Angolanos - estão disponíveis para
download (descarga). Era só isso. Obrigado
7. Tábua
8. Adivinhas
11. Laços de Memória
12. Olímias
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
Diário | Vá lá, este alambique é de quem é?
"Mais-velho, a pátria está muito triste
com a vossa sabotagem, pá!"
"Sim, filho?..."
"NÃO ME INTERROMPE, ESTÁS A OUVIR?!"
"Perdão, chefe."
"Sim, filho?..."
"NÃO ME INTERROMPE, ESTÁS A OUVIR?!"
"Perdão, chefe."
"Vá lá, este alambique é de quem é?"
"É só meu e da tua tia ainda, meu filho."
"Quer dizer, a guerrilha ameaça tudo quanto é
fronteira, nós andamos para cima e para baixo na rusga dos abrangidos para as
FAPLA [Forças Armadas Populares de Libertção de Angola]. E você, em vez de
colaborar, fica aí na kazukuta do kaporroto?"
"É porque não tem trabalho, chefe. Trabalhava
na Câmara, agora já está velho..."
"Mas 'velhice' como, se estás ali a fabricar
no alambique toneladas de kaporrroto para enganar o nosso povo?"
"É porque a tal vida mata com fome,
chefe..."
"Assim a nossa vida já é que está fácil? Você
sabe o que custa esta farda, o peso da arma e o tacão desta bota? Hã?!"
"Perdão, chefe."
"Quantos garrafões por semana?"
"Depende só, filho, do farelo, do açucar, do
fermento, da lenha e dos tais bêbados..."
"Isso dá cadeia! Cela sem visitas. Caramba,
pá, ó compatriota! Quer dizer, a pátria esforça-se com as importações para ter
um pouco para cada um nas lojas do povo, e o camarada vai lá com cartão de
abastecimento, avia e gasta o produto a produzir aguardente caseiro? Vá, arruma
as evidências, que o camião Kamaz está a caminho para ir à procuradoria."
"Bem, chefe..."
"Isso, só entre nós, mais-velho, porque o teu
crime é contra a pátria, arranja só já dois litros de primeira, eu vou ver o
que posso fazer por ti."
"Desculpa lá, ó filho. Você afinal veio em
nome do trabalho ou para se aproveitar da minha bebida a enganar o tal
povo?"
GP. Katombela, 22.12.15
Nota solta
Estive a pensar quão coerente seria se as
campanhas eleitorais de todo o mundo, para qualquer que fosse o cargo,
ocorressem todas num único dia, o dia 1 de Abril. Era só isso. Obrigado
domingo, 20 de dezembro de 2015
Crónica | Nicki Minaj e o soft porno conveniente
Foto do portal Platinaline |
O mercado capitalista, que se baseia no postulado da
liberdade de mercado, costuma no espírito e na forma acabar sendo o oposto do
que apregoa: a liberdade. Porque ela, a liberdade, é música dissonante quando
pelo seu lado da vontade individual parece pôr em causa o outro lado, o da obra
do sonho colectivo.
No nosso caso, a partir do momento em que uma marca
comercial, por força da sua publicidade e presença na vivência da maioria, se
torna representativa, ela passa a figurar no campo dos afectos telúricos. Passa
a ser um património de uma determinada sociedade, mesmo sem o ser
materialmente. A Unitel é nossa. Não devia valer, por esta lógica, o argumento
do "posso, logo faço", alheando-se de todo um conjunto de sistema de
valores do meio em que está inserida.
É certo que neste campo, há uma espécie de dois países em
um só, estando num lado um meio urbano ultra-liberalista (entretanto sem
pilares como tal) e noutro uma desesperada tentativa de salvar e resgatar
valores positivos de matriz identitária africana. As políticas de Estado, que
não tinham como ser acutilantes em épocas de guerra, seriam o necessário
capital de contra-poderes. Enquanto isso, o debate é insuficiente em quantidade
e profundidade. O espectro do medo e da conotação é omnipresente.
Como pensador não subscrevo a visão radical que
qualifica de bosta o que a academia convencionou chamar "arte
moderna/urbana", por ela representar uma montra de pura anarquia em termos
de conceitos estéticos e rigor, bastando apenas um pouco de ousadia argumentativa
para qualquer "nada" elevar-se ao estatuto de arte ou olhar estético.
Também não posso concordar com paralelismos relativistas
e descontextualizados, só para defender os deslizes que ocorrem na publicitação
de produtos. No outro dia, perante um outdoor (que suscitaria polémica pela
nudez explícita na imagem da modelo) em Luanda, não tardou alguém dizer que não
via diferença entre aquilo e a forma tradicional de vestir dos mucubais, no sul
de Angola, que se apresentam geralmente de tanga e peito desnudo. Mas seria
intelectualmente honesta a comparação que arranca uma etnia do seu contexto
cultural? Enfim.
Voltando ao título deste apontamento, parece que é à
Unitel que devíamos torcer o nariz em repulsa à imagem da sua convidada, a
americana Nicki Minaj, que entretanto não pode ser responsabilizada, uma vez
que o seu mercado encoraja aquela forma escandalosamente sensual de vender
música. Quem paga (e nestes casos nunca é pouco) pode sempre influenciar.
Consta que foi por isso que o nosso Yuri da Cunha (não que alguma vez apostasse
no culto ao corpo) teve de se vestir de maneira mais "comedida"
aquando da sua jornada com o italiano Eros Ramazzoti pela Europa, talvez para
não destoar a imagem de simplicidade em palco como marca.
Não fazendo apologia da censura, não podemos por outro
lado deixar de assinalar que grandes corporações influenciam opiniões e
modelos. Para uma juventude já com tão débil noção de distinguir fantasia de
vida real, talvez o soft porno não seja tanto o que mais ajuda enquanto modelo,
mesmo o conveniente, como parece ser o caso. Não reclamemos, pois, se amanhã as
nossas irmãs cantoras enveredarem pelo sof porno como forma mais frutífera de
conseguir um cachet alto em palco.
A Unitel, que tem a responsabilidade tanto de estar perto
dos seus clientes do meio rural como dos da cidade, tem outras formas de
encher os angolanos de orgulho, das quais sublinho a contínua melhoria da
qualidade e a expansão do seu serviço na conquista de outros países... com
Angola no coração.
Gociante Patissa, Benguela 20 Dezembro 2015
Diário | Quer dentro ou quer fora?
“Mas o vizinho? Por aqui? De alegria também não é. Ou é?”
“Adivinhou, vizinho. Coração está na mão. Podemos conversar?”
“Quer dentro ou quer fora?”
“Dentro mesmo! Me assaltaram quando saí para a
sentina. Isso até, a pessoa, se não é homem, chora… Tanto rico com carro de
casa e carro de saída; jogador a acender cigarro da vela p'ra boca com dólar...
vão roubar logo um filho do suor?!”
“AJUDANTE!”
“Pronto, mestre!”
“ANUNCIA!”
“Entrada é cinco mil, consulta é dez.”
“Está certo. Aqui estão os quinze mil Kwanzas."
“Roubaram o quê?”
“Roubaram duas escalças sociais de saída…”
“Escalças?”
“Sim, de vestir com a camisa.”
“Só?”
“Também maço de cigarros, dois pães com chouriço metido, litro de
quente e uma sexta de cerveja que era para o Natal, saiote da tua cunhada.”
“AJUDANTE!”
“Pronto, mestre!”
“ANUNCIA!”
“Se olha no espelho.”
“Já está!”
“O que acha do sonho?”
“O sonho tem alguma coisa a ver com o roubo?”
“Aqui é saber responder!”
“Bem, o sonho… são fantasias… geralmente erróneas…”
“CALA A BOCA, IRMÃO! O SANTO TOMÉ NÃO ADMITE FALAR MAL DO SONHO. O
SONHO É A MÚSICA DA VIDA!”
“Pronto, vizinho, deve ser isto mesmo!”
“AJUDANTE!”
“Pronto, mestre!”
“ANUNCIA!”
“O Santo Tomé está a ver o gatuno a correr no espelho. Passou mesmo com
tuas coisas.”
“Yaló! Obrigado, vizinho. Eu sabia, eu sabia que o mestre não
desconsegue nada! Mas diga, quem é o gajo? Qual o nome dele, que é p’ra lhe
partir já no focinho?”
“AJUDANTE!”
“Pronto, mestre!”
“ANUNCIA!”
“Ah, o Santo Tomé manda avisar que já sabemos quem foi, mas não dá para
falar nome. O mano sabe que isso, no bairro, costuma dar inimizades, não sabe?”
GP. Benguela, 20.12.15
sábado, 19 de dezembro de 2015
Citação
"É preciso respeitar o autor. A nossa juventude não faz isso; ela acha-se o 'salvador'. Já me fizeram isso com duas músicas."
(Elias Dya Kimwezu, veterano músico angolano. In TPA, programa Kutonoka. 19.12.15)
(Elias Dya Kimwezu, veterano músico angolano. In TPA, programa Kutonoka. 19.12.15)
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
Memórias da pólio
Entre 2002 a 2005, três vezes ao ano e mais de três dias por semana, se não me engano, servi voluntariamente como inquiridor de indicadores de qualidade nas jornadas de vacinação contra a poliomielite. Na prática, foi um trabalho de campo de vários quilómetros a pé no Lobito, Baía Farta, Katombela, Dombe-Grande, Benguela e Kanjala, sob coordenação da CRS. A nossa missão de fiscais não podia ser mais desapreciada pela outra parte, no caso os próprio vacinadores. O ponto de maior tensão consistia em flagrar vacinadores, também eles voluntários, sobretudo em zonas montanhosas (e periferia), a entornar a gota ao chão e ficticiamente preencher a estatística, o que representava a exclusão de moradias de relativamente difícil acesso. Fartávamo-nos de reportar à entidade parceira do Ministério da Saúde, mas o quadro se repetia ano após ano. As causas para tal sabotagem, se me permitem o termo, resumiam-se na desmotivação, depois de esfriada a emoção de receber a T-shirt, o boné, e algum lanche à base de gasosa, sandes, maçã importada e frango frito. Para quem andou nos bastidores durante este tempo, fica difícil soltar-se do cepticismo quanto à erradicação da poliomielite em Angola.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
Diário | Então vou-lhe chamar mais como?
"Assim,
o miúdo vai ficar um ano sem estudar, só porque a escola não consegue passar o
certificado... para se matricular noutro nível?"
"Mas vocês, os jovens de hoje, não sabem esperar afinal por causa de
quê?"
"Mas, senhor contínuo, já estive aqui há duas semanas..."
"Sim, mas já te disse que o camarada director ainda não tinha assinado o certificado... Ele só assina dez documentos por dia. Depois houve feriado de fim-de-semana prolongado."
"Três semanas e um simples certificado não sai?! Mas vocês esqueceram que o período de matrículas só tem duas semanas? Sinceramente, ó senhor contínuo..."
"Aliás, o termo 'tio', ainda aceito, mesmo sem ser família; agora, o verbo 'contínuo' é que não! Faço-me entender?!"
"Então vou lhe chamar mais como? 'Secretário'?"
"A secretária está de repouso. Se cortou na mão em casa ao preparar a salada, levou um ponto no posto médico."
"Mas se o tio não é professor, não é guarda, não é da limpeza, nem é secretária..."
"Eu sou elemento dos serviços de apoio à administração, rapaz! ESAA, nomeado pelo camarada director, entendeu, ó aprendiz de encarregado?"
"Seja como for, tenta entender o problema. É o futuro de uma criança que está ameaçado. Então se o certificado já está assinado, porquê que não entregam, quando as matrículas encerram já amanhã, sexta-feira?"
"Porque o certificado não está carimbado! Já disse que a secretária está de repouso. Meus Deus, nos ajuda! Que tipo de vacina é que essa juventude precisa para aprender um pouco a esperar?"
"Isso é meu azar!!! O tio acha que esperar resolve sempre? Mas o carimbo não é só aquela coisa de borracha que está agarrada numa coisinha de madeira, ó tio? Não é só mesmo fazer 'tá!´na almofada da tinta e 'tá!' em cima da assinatura?"
"Mas, senhor contínuo, já estive aqui há duas semanas..."
"Sim, mas já te disse que o camarada director ainda não tinha assinado o certificado... Ele só assina dez documentos por dia. Depois houve feriado de fim-de-semana prolongado."
"Três semanas e um simples certificado não sai?! Mas vocês esqueceram que o período de matrículas só tem duas semanas? Sinceramente, ó senhor contínuo..."
"Aliás, o termo 'tio', ainda aceito, mesmo sem ser família; agora, o verbo 'contínuo' é que não! Faço-me entender?!"
"Então vou lhe chamar mais como? 'Secretário'?"
"A secretária está de repouso. Se cortou na mão em casa ao preparar a salada, levou um ponto no posto médico."
"Mas se o tio não é professor, não é guarda, não é da limpeza, nem é secretária..."
"Eu sou elemento dos serviços de apoio à administração, rapaz! ESAA, nomeado pelo camarada director, entendeu, ó aprendiz de encarregado?"
"Seja como for, tenta entender o problema. É o futuro de uma criança que está ameaçado. Então se o certificado já está assinado, porquê que não entregam, quando as matrículas encerram já amanhã, sexta-feira?"
"Porque o certificado não está carimbado! Já disse que a secretária está de repouso. Meus Deus, nos ajuda! Que tipo de vacina é que essa juventude precisa para aprender um pouco a esperar?"
"Isso é meu azar!!! O tio acha que esperar resolve sempre? Mas o carimbo não é só aquela coisa de borracha que está agarrada numa coisinha de madeira, ó tio? Não é só mesmo fazer 'tá!´na almofada da tinta e 'tá!' em cima da assinatura?"
GP. Benguela, 17.012.15
Crónica | Músico Kyaku Kyadaff dá aulas com guarda-costas?
O
músico Kyaku Kyadaff volta a estar no centro de uma polémica. Desta vez,
segundo denúncia do jornal Nova Gazeta, edição de 15/12, Eduardo Fernandes,
que de profissão é também professor de psicologia, tem levado para a sala de
aulas um guarda-costas, que ele chama de “agente”. O palco da cena é o Instituto
Superior Politécnico Internacional de Angola (ISIA), em Luanda. Seria menos
polémico se, no lugar de músico, o professor fosse um general com direito
orgânico a guarda-costas?
Compositor
e trovador de mão cheia, Kyaku vive o segundo ano a fio de uma carreira no auge
e muito premiada. No ano passado, foi acusado de má-fé pela cantora Dircy Sil,
por ter cedido o tema “paga que paga” à cantora Ary, que o regravou. Embora os
arranjos fossem de Kyaku e Kamané, a música retrata, segundo a queixosa, as
mágoas de uma relação amorosa pessoal. Talvez já o previssem, a versão de Ary
viria a ter mais êxitos, vencendo até o Top dos Mais Queridos 2014, da Rádio
Nacional.
Mas
o que faria o professor levar uma pessoa estranha às aulas? Consta que não se
trata de um guarda. Assim sendo, até onde vai o papel de um agente musical?
Estas e outras questões impõem-se, no exercício dual de nos colocarmos no lugar
do outro. Tentamos, sem êxito, ouvir a versão de Kyaku. Por outra, o que dizer
da postura, digamos intrigante, dos estudantes? Pelo que se relata, não foi
coisa de um dia apenas. Foi preciso esperar por um conflito com a direcção escolar
para explodir via jornal?
Já
diziam Steinberg and Sciarin que o espaço físico chamado sala de aulas, no qual
são esperados o professor e os estudantes, está, por definição, isolado do
resto da vida social. E porque é de gestão escolar que falamos, vale acrescer que
a observação de uma aula planifica-se e tem roteiro próprio. Pelo que a
presença de um intruso, mesmo que calado, mudo ou inominável, interfere na
espontaneidade do estudante.
A
direcção escolar, citada como condescendente, aparece ao mesmo tempo a demarcar-se.
Mas o jornal vai mais longe.
“A
irregularidade foi confirmada pelo próprio músico, mas que desvaloriza,
explicando que nunca encarou a presença do seu agente musical na sala como
‘incómoda’, porque os estudantes nunca se manifestaram e que só passou a
fazê-lo por imperativos da sua profissão de músico.” Surreal! Parece a cena de
um outro artista que levou a filha e um fotógrafo particular ao jantar da sua
agremiação.
Sublinhemos
esta passagem: “só passou a fazê-lo por imperativos da sua profissão de
músico.” O que quer isto dizer? Que a profissão de músico sobrepõe-se à de
professor, que o músico e seus acompanhantes gozam de imunidades no dia-a-dia,
a ponto de subverter as boas práticas pedagógicas?
O
autor destas linhas, que se opõe a determinados sinais de ostentação passíveis
de beliscar o bem-comum, não tem entretanto problemas em reconhecer a grandeza
de Kyaku (carácter, personalidade), natural de Mbanza Congo, província do
Zaire, cujo talento atestou durante a convivência no Brasil, pela 6.ª Bienal de
Jovens Criadores da CPLP 2013. O tímido Kyaku monopolizava a atenção da
imprensa local, contrariando a própria direcção da delegação angolana, cuja noção
de riqueza cultural ficava-se pelo oco dançante, com honras ao ku-duro de
Madruga Yoyo e Cabo Snoop.
Parece-nos
mais um quadro de incompatibilidades entre os holofotes do showbiz e a discrição e decoro do professorado. A sociedade tem de
recordar que um músico não está acima do professor. Logo, defender como “normal”
a presença de um “agente musical” numa sala em que se é professor de psicologia
(e não música), chame-se a cidade Luanda ou Hollywood, só pode ser ingenuidade.
O sensato seria suspender a docência e dar vez à agenda musical, que vai bem e
se recomenda. E fica a questão de retórica: é possível viver-se só de música em
Angola?
Gociante Patissa,
Benguela, 17 Dezembro 2015
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
MEMÓRIAS (a pedido do amigo e colega TULA)
Durante três meses, fizemos o trajecto
Lobito-Benguela de autocarros públicos, o colega Antonio Firmino Antonio e eu, frequentando o curso básico de jornalismo (Rádio, TV,
Imprensa) ali na Biblioteca do Instituto Camões em Benguela, ao lado do IMNE,
na Kambanda, no ano de 2005. No dia do encerramento, entrevistaste-me logo a
seguir à entrega de certificados. Estávamos felizes, tu mais ainda, pois tinhas
o encaminhamento melhor definido, ou não acabasses de receber o convite para ingressar como
colaborador na Rádio Lobito, editoria de Língua Umbundu, equipa que tinha,
entre outros, nomes célebres como os mais-velhos Joaquim Viola, Evaristo
Kakulete, Emiliana Nasoma. Os demais colegas (entre os quais eu e outros com
afinidade à inoperante Rádio Ecclesia) ficaram com a esperança de concorrer a
eventual vaga na Direcção Provincial da Comunicação Social, talvez fruto de
alguma má interpretação no calor do discurso do seu titular. Era só
isso. Obrigado.
Sugerindo filmes | "O TÉDIO"
O título deste post é enganador, vindo de
alguém com muitíssimo poucos conhecimentos e hábitos de consumo em matéria de
filmes. Seja como for, vem na sequência do post esta manhã quanto à existência
de DVD ao preço de cento e cinquenta kwanzas (mais barato que uma cerveja) numa loja ao extremo sul da cidade
de Benguela. Ora, indo directo ao ponto. Dos que tive a possibilidade de ver, a
sugestão vai para o filme "O TÉDIO", do original em francês
"L'ennui". É um romance que se destaca pelo elevado nível de diálogos inspiradores, às vezes com
discreto humor, com óbvio realce entre os dois protagonistas: Martin (Charles Berling), o professor de Filosofia, e a jovem Cecilia (Sophie Guillemin), uma estudante e modelo de
pintura. As cenas são simples, os cenários naturais e lindos. Gravado em 1998 e realizado por Cédric Kahn,
o filme é erótico e um interessante e permanente debate sobre a vida, os sentimentos, as
convenções e, sobretudo, o próprio amor. Para quem "tiver peito" (Internet) de o ver online, aqui vai o link . Era só isso.
Obrigado
Utilidade pública
Na pesquisa transversal e permanente a que me dedico por imposição da missão de ler/escrever, e quando passava pela secção de livros de uma loja grande que no extremo sul da cidade de Benguela costumava comercializar livros meus também, topei com uma campanha interessante. Há lá diversos DVD de filmes estrangeiros, eróticos e não só, traduzidos e legendados em português naturalmente, que valem sobretudo pelo preço: cento e cinquenta kwanzas cada. Sem desvalorizar a necessidade de poupança na conjuntura da crise, ainda assim aconselho o investimento na cultura geral, desta feita, comprando um filmezinho, que até sai ao preço da cerveja. Era só isso. Um abraço
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Nota solta
1. Apanhando boleia de uma publicação no mural de Reginaldo Silva, que citava de memória uma passagem captada de uma rádio, considerando que "o crioulo das Antilhas é um francês mal falado, tal como o de Cabo-Verde será um português todo à toa.", o que ele vê como deselegância...
2. Não deixa de representar mais um ponto de reflexão para os desleixos crónicos que temos enquanto sociedade angolana a lidar com o dossier das identidades (olhando mais atentamente para as idiossincrasias dos grupos étnicos que compõem a grande identidade do projecto de nação), pelo seguinte: Cabo-Verde, Guiné Bissau, entre outros, dão valor ao seu crioulo, pejorativamente visto como corrupção com base na língua portuguesa,
3. Já nós, que até temos línguas só mesmo nossas, como o Kimbundu e Umbundu, sem falar das línguas fronteiriças, assobiamos para o lado, perpetuando a secundarização daquilo que é nosso património. Não admiraria, pois, que num futuro breve tenhamos de priorizar o Mandarim, a língua dos nossos "irmãos" chineses, com cursos de licenciatura em Linguística deste idioma oriental.
GP, Benguela, 15.12.15
Outubro de 2005, cerimónia de entrega de certificados aos formandos do curso básico de Jornalismo (Rádio, TV e Imprensa), parceria da ONG APHA com o Instituto Camões de Benguela, beneplácito da Direcção Provincial da Comunicação Social
A senhora na foto é a professora Maria Aida Baptista, Leitora (representante) do Camões em Benguela na ocasião, autora do livro de crónicas "Passaporte Inconformado". Na verdade, a senhora, que tem também raízes familiares em Benguela, foi determinante para o meu aperfeiçoamento no género crónica. Bons tempos, quando a Biblioteca do Instituto Camões, plantada no antigo Magistério Primário da Kambanda, era muito mais apelativa ao público.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
Diário | Só que o posto dele é na cama, estás a ouvir?!
“Mas que vozes são essas, meu Deus?!”
“Não são vozes, patroa, é uma senhora só… Está bem frustrada a tal senhora, patroa. O guarda inclusivéé não consegue lhe segurar…”
“Mas qual é o problema para tanta histeria afinal?”
“Não são vozes, patroa, é uma senhora só… Está bem frustrada a tal senhora, patroa. O guarda inclusivéé não consegue lhe segurar…”
“Mas qual é o problema para tanta histeria afinal?”
“Patroa, falo mesmo?”
“Claro! Que pergunta mais parva, homem!”
“Ela diz que veio discutir os direitos dela…”
“Mas que direitos são esses?”
“O mano Sentado. É isso… é mulher do mano Sentado. Ela falou que tem certeza que o marido dela está ali dentro de casa…”
"Ai, o problema dela é só mesmo esse?”
“Parece, patroa…”
“Manda entrar a gaja.”
“A SENHORA DEVIA TER VERGONHA! ROUBAR MARIDO, COM TANTO HOMEM DISPERSO?!…”
“Muito prazer em conhecer. Eu sou Nasesa. A senhora como se chama?”
“A SENHORA NÃO ME ENGANA COM ESSES TEUS MODOS, MAZÉ, PÁ…”
“Qual é mesmo o assunto?”
“O MEU ASSUNTO É DA VOSSA POUCA VERGONHA! FICAS ALI, FELIZ DA VIDA, MAS AS CRIANÇAS QUASE ESQUECEM A CARA DO PAI! QUE TIPO DE MULHER É VOCÊ, QUE NÃO CONHECE A DOR DAS OUTRAS? HÔKO, OLHA A CARA DELA... ATÉ PARECE NÃO MENSTRUA!”
“Minha senhora, parece haver aqui uma confusão.”
“CONFUSÃO DE QUÊ, PÁ?! AGORA ENTENDO O PORQUÊ QUE O PADRE, NA CERIMÓNIA DO MEU CASAMENTO, ME DISSE ‘ORAI E VIGIAI’… ERA MESMO A CONTAR JÁ CONTIGO, MINHA BANDIDA!”
“Já que procuraste, agora vou-te responder à medida. Está a ver esta pala de sombra? É o lugar do guarda. Ali onde estás, se faz favor, estás a atrapalhar o lugar do jardineiro. Ah, é uma pena que tenhas os pés empoeirados, senão te mostrava o meu quarto. O senhor Sentado, teu marido, aqui é trabalhador, como os outros. Só que o posto dele é a cama, estás a ouvir?!
GP. Katombela, 14.12.2015
domingo, 13 de dezembro de 2015
A FIGURA (Texto e foto do jornal A CAPITAL, sábado, 12/12/2015, Luanda. Pág. 2)
EDDY TUSSA. Por mais que se pense o contrário é de estranhar
um caso de estudo a forma abusada, useira e vezeira com que este músico se
serve de criações alheias para fazer sucesso. É salutar que as músicas
populares que marcaram um antigamente na vida sejam resgatadas para que as
novas gerações tenham contacto com tudo quanto se produziu num período áureo da
música angolana. É também normal que qualquer um se sinta empurrado a
interpretar alguma música que o tenha marcado de um cantor doutra geração. Mas,
é bem verdade, que tudo tem o seu limite. E a forma como este jovem cantor
tem-se servido de criações alheias para marcar a sua carreira musical revela
uma forma grotesca de facturar ao menor custo. É actualmente um dos mais
solicitados cantores da praça, mas os seus contratantes esquecem que o ‘menino’
vive, maioritariamente, daquilo que é a inspirações doutros criadores que,
estranhamente, não recebem um chavo pelos seus ‘produtos’. Consta, por exemplo,
que ao obter o terceiro lugar da edição 2014 do Top dos Mais Queridos
esperava-se que o antigo ‘rapper’ beneficiasse também os legítimos herdeiros do
músico Tony do Fumo, cuja composição (Monami) levou-o à distinta consagração.
Qual não foi o espanto: os herdeiros directos de Do Fumo sequer viram um
‘vintém furado’. E agora, o ‘rapaz’ regressou à baila com novo disco e com uma
maioria de músicas doutros músicos. A pergunta que se coloca é: já não haverá
por aí compositores no mosáico musical angolano de forma a suprir este jovem
músico de ‘nutrientes’? É que, quer queiramos, quer não, o ‘miúdo’ tem cá uma
forma abusada de fazer sucesso!... Isto até dá dó.
Diário | O filho não acha que tem fuso horário errado?
"Boa noite a todos."
"Boa noite."
"Ó mãe, é ele..."
"Boa noite."
"Ó mãe, é ele..."
"Finalmente! Afinal é você?..."
"Cóf, cóf!"
"Pode ir-se acalmando, filho. Aqui não temos pressa. Quer um copo de água para a tosse?"
"Não, minha senhora, obrigado. Só me engasguei um pouco."
"Tens sorte. Nós andamos engasgados esse tempo todo. É demais! Eu não sei o que o filho faz, mas que a minha filha está com a cabeça no ar, está muito mesmo..."
"Ó prima, repara que ela já tem 24 anos, uma mulher feita, mas nunca na vida se comportou tanto como adolescente sem educação de berço..."
"Estás a ouvir o que diz o tio dela?"
"Cóf, cóf! Estou a acompanhar a explanação, sim, sim."
"Basta só escurecer, a menina sai. Sem despedir. Sem preparar o jantar. Chega de madrugada. Descalça. Pela ponta dos dedos. O filho acha isso correcto? E se fosse tua filha?"
"Eh, isso até..."
"Você, a tal mulher sem juízo, estão a namorar desde quando?"
"Já vai um ano, mãe..."
"E o que é que o filho tem a dizer?"
"Bem, na verdade, digo, quer dizer, é só que, por acaso, não é?, estou atrás dela; ainda não me aceitou..."
"O quê?! Então uma mulher que já dormiu contigo de trás p'ra frente, de frente p'ra trás, você ainda tem a coragem de dizer que não te aceitou?! O filho não acha que tem o fuso horário errado?!"
GP, Benguela. 12.12.15
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
Ano 2000, estaleiro da Sonamet Lobito, trabalhador n.º LOB 020 (função ajudante de soldador)
uma espécie de prémio de consolação para formandos com mau aproveitamento na escola de queimar eléctrodos)
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
Crónica | Nós e a coisificação do outro no lugar do debate
Precisava
urgentemente de um computador portátil. O meu, a caminho de quatro anos, fartava-se
de emperrar. Já na aloja, chamou-me a atenção um computador, pela benevolência
do preço, poupança superior a trinta mil kwanzas, ainda mais em tempos de
crise. Com alguma sorte, fui a tempo de o não comprar. O rótulo dizia made in
Angola. É que se a pessoa leva em conta a qualidade do nosso ensino (ou a falta
dela), do ponto de vista do rigor, apostar na fiabilidade de determinados
produtos “nossos” leva a pensar duas vezes. É um voo complexo de embarcar.
Afro-pessimismo?
Não
se trata propriamente de amar mais ou menos a pátria. Trata-se, isso sim, de
assumir os defeitos que estamos com eles. Escusado é falar do ainda débil e não
representativo sistema de controlo de qualidade. Já se diz que o primeiro passo
para resolver um problema é assumir a sua existência. Se negamos, adiamos, e o
mal cresce.
Sou
dos que alimentam alguma “inveja positiva” relativamente àqueles que tiveram
oportunidade de se formar no exterior do país. Falo naturalmente de
instituições com boa reputação pela consistência. Como lá chegar daria outro
texto. Que tal vai o nosso ensino universitário? O desafio é grande, tanto mais
que temos professores licenciados nos cursos de licenciatura. Então devíamos
parar? Claro que não! O país precisa de aproveitar os recursos que tem,
potenciando-os de mãos em serviço, não cruzadas.
Até
lá, há que aproveitar de forma transversal momentos de enriquecer a cultura
geral, tirando proveito da imprensa convencional e das novas tecnologias de
informação e comunicação. E por falar nisso, dentro da fatia de contributo
social que lhes cabe, a TPA e a TV Zimbo têm na sua grelha de programação
espaços de partilha de ideias com um formato híbrido, entre o debate e a
mesa-redonda, se quisermos. E os intervenientes?
Ora,
já alguém repugnou a tendência da bipolarização, tanto das visões dos
convidados, como o debate pós-programa nas redes sociais, tendência que taxa a
coisa entre os pró e os anti-governo. Mas a rotulação, que agora assume um
nível mais mediático, não será na verdade o mesmo espectro que coarcta e não
sabe diferenciar adversário de inimigo no dia-a-dia? Ainda bem que já se
assumiu a necessidade de combater a intolerância.
Gostaria
de chamar à liça outro mal, o da megalomania. É natural que como cidadão,
algumas vezes me simpatizo mais com a ideia defendida por um do que pelo outro,
mas só posso esperar de todos elevação e contenção na forma. É com alguma
desilusão que “engolimos” alguns deslizes, a título de exemplo, de três compatriotas
formados na Europa: o jurista João Pinto, o sociólogo João Paulo Ganga e o
jurista Juvenis Paulo.
Depois de “ordenar” na TV Zimbo ao académico
Fonseca que lesse mais e que os livros não eram para se guardar em casa, Ganga
não se coibiu de esta semana usar do mesmo tom pouco cortês e afirmar que o seu
contendor estava a delirar. Já no debate de ontem na TPA, disse Juvenis, no
alto do seu podium em relação ao colega de painel e mais-velho: "temos de
dar prioridade a licenciados". Do jurista Pinto já se sabe o que vem …
Como diria Graça Machel, «temos de formar jovens
que saibam ter o sentido de humildade. Os nossos jovens, hoje, saem "muito
doutores"; doutores disso, daquilo.»
Gociante
Patissa. Katombela, 10 Dezembro 2015