“Ouve, vizinho! Eu vim a bem. Estou aqui
para falar contigo, porque, é assim… na igreja, falaram uma coisa que até agora
não consigo dormir bom sono.”
“Outra vez, vizinha?! Mas você não me
deixa só em paz porquê?”
“É mesmo a paz que me trouxe, homem!
Falaram tudo o que não está perdoado na face da Terra, no céu também não. Se eu
morrer amanhã, não tenho direito ao paraíso.”
“Isso é problema teu!”
“Problema meu? Disseste quê?! O vizinho
está a brincar comigo. Só pode!”
“Não, é engraçado que não estou. As
feridas que me ofereceste ainda não curaram. Volta quando eu tirar o gesso e
continuamos esta conversa.”
“Esperar mais o quê?! Mas o vizinho não
ouviu aquele jovem na televisão, hã, português já não é português na ponta da
língua, engravatado, que falou que o limite de vida do angolano é só 46 anos?
Com 50 anos nos cornos, você pensa que estamos a comer para crescer mais?
Estamos mais é a viver para morrer. Fica já saber!”
“O gesso sai daqui a 45 dias. Nessa
altura você aparece e te digo se já estou em condições de falar de perdão, ou
não.”
“E se eu cair amanhã aí na rua,
atropelada como um cão? Já viste o risco de perder o reino dos céus, só porque
o torto do meu vizinho não me quer perdoar? Afinal esta tortice vai-te levar
aonde? É por essa coisa de complicar já muito que se lutamos…”
“Desculpa, não lutamos. Com mulher não
luto. Foi mais uma agressão histérica tua. E porquê? Por ter dito que não era
correcto a vizinha levar para a casa um vaso de flores que todos os vizinhos
contribuíram para enfeitar a rua no dia de Natal”.
“Eu só levei porque não tinha árvore de
Natal em casa… Aliás, mesmo até desde que plantamos a árvore no vaso, como eu
até era a pessoa que mais regava… né?”
“Sim, mas a ideia não era essa. O que é
de todos deve ser decidido por todos.”
“Eu também, se tivesse marido que me
comprasse árvore de Natal, não ia levar para casa o vaso… mesmo a minha prima,
que mora noutro bairro, também construiu quintal e cercou o chafariz do bairro
em casa. Como é solteira, ninguém lhe chateou. O vizinho já como é que tem boca
comprida, viu que sou mulher, queria se meter comigo. Você pensa que a tal
mulherice está espalhada em todo o corpo ou quê? Eu te parto os cornos, ouviu? Agora
estás ali com o braço no gesso.”
“Vizinha, agora, se faz favor, vai tomar
banho, que eu vou descansar, ya?”
“Mas é preciso ressuscitar Mahatma Gandhi
para o vizinho entender? Já naquele tempo ele dizia que o perdão é dos fortes,
os fracos não sabem perdoar.”
“Ah, também chegaste a agredir o coitado
do Mahatma Gandhi?”
“Eu já falei, vizinho. A bem ou a mal, vais
ter que me perdoar. Se for necessário vou lutar outra vez contigo. Daqui é que não
saio sem perdão. Fala já: mas perdoas ou não?!”
GP. Benguela, 30.12.15
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