Você já ouviu e expressão «no tempo do Caprandanda?»
É provável que sim, apesar do seu erro crónico. O correcto seria grafar
Kapalandanda, pois não temos «R» na língua Umbundu, ao passo que o «C» é
pronunciado [t∫i], e como tal diferente de «K».
Como veremos mais adiante, a história de
Angola pode estar a cometer uma injustiça por omissão, relativamente ao papel heróico
da figura do sul que atende pelo nome de Kapalandanda. A dúvida académica que
fica é: que critérios foram usados para enaltecer Mandume, Lueji, Njinga,
Ekwikwi e entretanto nada se dizer oficialmente de Kapalandanda? É que para além
de ser personagem de um tema de evocação no cancioneiro Umbundu, de si muito
explorado até 1991 enquanto trilha sonora pela Vorgan [Voz da Resistência do
Galo Negro], rádio da Unita [então forças rebeldes na guerrilha], pouco ou nada
da figura de Kapalandanda se passava de geração em geração.
A minha adolescência foi marcada por um
quadro complexo no Lobito, onde a residência se confundia com dependências das
administrações comunais da Equimina e Kalahanga (não ao mesmo tempo). Como a
circulação de pessoas e bens era mediante guias de marcha, “trabalhei” como
dactilógrafo do meu pai, na sua condição de Comissário e/ou Administrador Comunal,
mas sobretudo como pombo-correio da correspondência familiar entre Lobito,
Catumbela e Benguela, na maioria destes casos até… a pé.
A exposição à propaganda despertou cedo o
meu interesse de observador da política (talvez se deva a isso o facto de me
ser hoje inócua). Evidentemente, havia parentes que (às escondidas) não
alinhavam com o Mpla. Estamos a falar entre 1988 e 1991. Calhava encontrar este
ou aquele a ouvir a Vorgan, com o volume baixinho. A trilha
sonora dizia: «Kapalandanda walila / walilila ofeka yaye/ kapalandanda
walila /eh/ walilila ofeka yaye» (Kapalandanda chorou / chorou pela
sua Terra/ Kapalandanda chorou / oh/ chorou pela sua Terra). Mas quem foi ele e
chorou porquê? GP
2.
AGORA O PERFIL DE KAPALANDANDA
E SUAS FAÇANHAS:
Reproduzimos a seguir, com pequena
adaptação do blog www.ombembwa.blogspot.com,
o valioso contributo de Carlos Duarte, publicado no «Jornal o Chá», da Chá de
Caxinde, Nº 10 - 2ª série, Luanda, Abril/Maio 2014:
«Kapalandanda era sobrinho do Soba
Kulembe, da Catumbela. Ia ser Soba. Agiu de 1874-1886. Adolescente, ganhou
fama por ter morto sozinho um leopardo que andava a comer as cabras (…) Ainda
jovem, inconformado com a passagem e estadia de caravanas de (…) comércio,
levando panos e sal para o Huambo – Bailundos – e trazendo borracha, cera, mel
e marfim – sem pagamento, pediu uma audiência ao Soba, seu tio, e aos sekulus,
onde tentou convencê-los a que fosse cobrada uma taxa – «Onepa» - a essas
caravanas. O Soba, acomodado e com medo da reação dos colonos, não concordou. Kapalandanda então
reuniu um grupo de guerreiros e foi para o mato, armar emboscadas e assaltar as
caravanas, cujo produto, confiscado, era em parte distribuído pelos kimbos do
sobado.
Quando os colonizadores tomaram
conhecimento, foram falar com o Soba para que tomasse providências e acabasse
com essa resistência. O Soba reuniu os melhores guerreiros e ordenou-lhes que
fossem pegar Kapalandanda. Mas o resultado foi o contrário do previsto. O grupo
de Kapalandanda dominou e derrotou fácil os guerreiros de Kulembe. Os
colonizadores resolveram então fornecer armas de fogo o Kulembe, acreditando
que, com essa vantagem, acabariam com o grupo guerrilheiro.
Mas Kapalandanda, agindo como um
Robin Hood angolano, tinha já granjeado a simpatia de grande parte dos kimbos
do sobado; então, emissários dos kimbos saíam para avisá-lo da movimentação das
forças de Kulembe, o que lhe deu condições de espera-las para o confronto, em
local que lhe era propício, anulando assim a vantagem das armas de fogo.
Uma vez mais a tropa de Kulembe foi derrotada, e Kapalandanda ficou
melhor armado. Os colonizadores resolveram então enviar uma companhia de tropa
portuguesa, comandada por um capitão de nome Almeida, para submeter Kapalandanda. O encontro deu-se no Sopé do Passe. O
grupo de Kapalandanda saiu derrotado
e ele levado preso, primeiro para o Forte da Catumbela, e depois para S. Tomé.»
Ao ler este relato de
Duarte, evidente se torna que a história de Kapalandanda merecia ser mais divulgada,
o que representaria um importante precedente pelo levantamento de mais bravos
filhos que deram a vida para chegarmos a Angola independente.
Gociante Patissa, Benguela,
24.12.15
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