O
músico Kyaku Kyadaff volta a estar no centro de uma polémica. Desta vez,
segundo denúncia do jornal Nova Gazeta, edição de 15/12, Eduardo Fernandes,
que de profissão é também professor de psicologia, tem levado para a sala de
aulas um guarda-costas, que ele chama de “agente”. O palco da cena é o Instituto
Superior Politécnico Internacional de Angola (ISIA), em Luanda. Seria menos
polémico se, no lugar de músico, o professor fosse um general com direito
orgânico a guarda-costas?
Compositor
e trovador de mão cheia, Kyaku vive o segundo ano a fio de uma carreira no auge
e muito premiada. No ano passado, foi acusado de má-fé pela cantora Dircy Sil,
por ter cedido o tema “paga que paga” à cantora Ary, que o regravou. Embora os
arranjos fossem de Kyaku e Kamané, a música retrata, segundo a queixosa, as
mágoas de uma relação amorosa pessoal. Talvez já o previssem, a versão de Ary
viria a ter mais êxitos, vencendo até o Top dos Mais Queridos 2014, da Rádio
Nacional.
Mas
o que faria o professor levar uma pessoa estranha às aulas? Consta que não se
trata de um guarda. Assim sendo, até onde vai o papel de um agente musical?
Estas e outras questões impõem-se, no exercício dual de nos colocarmos no lugar
do outro. Tentamos, sem êxito, ouvir a versão de Kyaku. Por outra, o que dizer
da postura, digamos intrigante, dos estudantes? Pelo que se relata, não foi
coisa de um dia apenas. Foi preciso esperar por um conflito com a direcção escolar
para explodir via jornal?
Já
diziam Steinberg and Sciarin que o espaço físico chamado sala de aulas, no qual
são esperados o professor e os estudantes, está, por definição, isolado do
resto da vida social. E porque é de gestão escolar que falamos, vale acrescer que
a observação de uma aula planifica-se e tem roteiro próprio. Pelo que a
presença de um intruso, mesmo que calado, mudo ou inominável, interfere na
espontaneidade do estudante.
A
direcção escolar, citada como condescendente, aparece ao mesmo tempo a demarcar-se.
Mas o jornal vai mais longe.
“A
irregularidade foi confirmada pelo próprio músico, mas que desvaloriza,
explicando que nunca encarou a presença do seu agente musical na sala como
‘incómoda’, porque os estudantes nunca se manifestaram e que só passou a
fazê-lo por imperativos da sua profissão de músico.” Surreal! Parece a cena de
um outro artista que levou a filha e um fotógrafo particular ao jantar da sua
agremiação.
Sublinhemos
esta passagem: “só passou a fazê-lo por imperativos da sua profissão de
músico.” O que quer isto dizer? Que a profissão de músico sobrepõe-se à de
professor, que o músico e seus acompanhantes gozam de imunidades no dia-a-dia,
a ponto de subverter as boas práticas pedagógicas?
O
autor destas linhas, que se opõe a determinados sinais de ostentação passíveis
de beliscar o bem-comum, não tem entretanto problemas em reconhecer a grandeza
de Kyaku (carácter, personalidade), natural de Mbanza Congo, província do
Zaire, cujo talento atestou durante a convivência no Brasil, pela 6.ª Bienal de
Jovens Criadores da CPLP 2013. O tímido Kyaku monopolizava a atenção da
imprensa local, contrariando a própria direcção da delegação angolana, cuja noção
de riqueza cultural ficava-se pelo oco dançante, com honras ao ku-duro de
Madruga Yoyo e Cabo Snoop.
Parece-nos
mais um quadro de incompatibilidades entre os holofotes do showbiz e a discrição e decoro do professorado. A sociedade tem de
recordar que um músico não está acima do professor. Logo, defender como “normal”
a presença de um “agente musical” numa sala em que se é professor de psicologia
(e não música), chame-se a cidade Luanda ou Hollywood, só pode ser ingenuidade.
O sensato seria suspender a docência e dar vez à agenda musical, que vai bem e
se recomenda. E fica a questão de retórica: é possível viver-se só de música em
Angola?
Gociante Patissa,
Benguela, 17 Dezembro 2015
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