Penso que o teu Não Tem Pernas o Tempo, que devorei
com agrado em pouco tempo (repartido por duas noites antes de dormir), tem mais
características de novela que de romance, não só ou sobretudo pela extensão,
mas mais pelo ritmo narrativo, pouca descrição, pouco aprofundamento
psicológico das personagens. O narrador facilita, pela sua necessidade (que
revejo como influência das narrativas orais), o trabalho ao leitor, como se
dispusesse de um tempo algo limitado para contar a sua estória.
Na tua passagem para um género narrativo mais
extenso e complexo, de certo modo, pelo número de personagens, situações, linha
temporal e espacial, creio que foste muito bem sucedido, conseguiste dar
consistência à narrativa, tecendo bem as tramas, indo buscar os fios soltos,
para os colocar no sítio justo, no tempo justo. O ritmo é fluído, acelerado,
mas constante, o que nesta dimensão mais curta, achei importante, funcionou
bem.
Penso que estás em busca da tua voz narrativa na
prosa, mais do que na lírica. E contudo, a tua melhor prosa é a lírica. Não,
não significa de modo algum que escrevas tão somente poesia. A tua melhor prosa
é liricamente cantada. É muito notório no final do livro. O último capítulo
distingue-se, naturalmente, de todos os anteriores. É ali que te movimentas,
que comunicas com mais beleza.
A escrita é fortemente influenciada pela tradição
da literatura oral, como julgo ser tua intenção (consciente?). Acredito que neste ponto, te exercitas ainda,
e que terias a ganhar com um uso da pontuação e estruturação frásica que possa
moldar de forma mais consistente o teu estilo, que só a ti pertencerá. Penso
que mesmo com esse fio precioso que leva à raiz da oralidade, a leitura que
teimas em adiar iria ajudar muito. Muita leitura. Mas como fazer se não te
apetece e se ainda assim realizas – e bem - teus intentos? J Talvez então o teu
trilho seja outro, um trilho estranho para um escritor, que geralmente lê
muito.
O protagonista é um amálgama complexo. É o jovem
escritor, és tu em momentos, até nos detalhes da passagem pela profissão de
fotógrafo. É o angolano sonhador e honesto. É o angolano imaturo, também, o que
não resiste em abusar da posição que obtém. Ao contrário do que sucede na
realidade, porém, não resististe tu em castigá-lo. É a própria Angola, um emaranhado
tremendo, tão denso e profundo, com o bom, o mau, o maravilhoso, o horrendo,
que ora se apresentam distintos ora, como parte do emaranhado que são, se
confundem e nos confundem, continuamente…É o angolano que se reinventa à
força. É, também…a Angola minada, que
perde membros, e ainda assim caminha.
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