Foto de autor desconhecido |
Aos
21 anos, o curso de operador de computador levou-me a sair de casa. Corria o
ano de 1999, e não era seguro caminhar depois das 20h30, altura em que as aulas
terminavam, entre a zona comercial e o bairro Santa Cruz, na cidade do Lobito.
Havia rusga para o serviço militar obrigatório, havia a guerra civil no seu
pior, havia, obviamente, o risco de assalto.
O
horário de serviço ia das 7h00 às 18h00, compreendendo dez horas úteis. No próximo
quarto de hora, acontecia a caminhada para o centro de formação. No fim do mês, colhia 120 dólares americanos, metade dos quais cobria o arrendamento. Olhando em reverso, foi um sofrimento que ajudou a
amadurecer enquanto jovem em busca do saber e crescimento profissional.
Beneficiei também da solidariedade de uma família oriunda do Moxico, em cuja
arca conservava meus bens, sem contar as vezes que me ofereceu jantar, com
pena da minha intensa rotina.
Da
primeira experiência em viver sozinho, carrego o trauma da correcção colectiva
que recebi certa vez dos meus vizinhos no terraço de um dos prédios do centro
da cidade.
No
anexo ligado à minha parede vivia um casal, na faixa dos 35-45 anos, pouca escolaridade, e dado ao excesso de álcool. Seus rostos, curiosamente, nunca fixei. Ele devia
dedicar-se a pequenos biscates. Ela devia ser doméstica. Acontece que, pelo
menos por mais de duas vezes, ouvi gritos por espancamento. Ele trancava a
porta e, pelo que se presumia do som, agarrava a mulher pelo braço a passos
acelerados, embatendo violentamente a cabeça dela contra a parede, uma vez,
duas, três, enfim, até perder-se a conta. Ela, não sei por que receios, dorida, implorava: "Ai,
ai, pode me bater, mas não me enxota só de casa".
Dei por mim a bater-lhes à porta um dia, na vã tentativa de demover o agressor. Para a
minha surpresa, outros vizinhos repreenderam em uníssono (um pouco mais ou menos),
já que, defendiam, aquele era malandro.
E
como toda a força humana tem limites, mesmo quando movida pela impossibilidade
de conter a dor física, os gritos da mulher perdiam-se na noite. O silêncio
seria, provavelmente, a confirmação do pedido aceite. Ele espancaria ao ponto
de matar, se tivesse de ser, conquanto não a mandasse embora de casa. E para a minha
terrível impotência, outra sessão viria a caminho, naquela semana, mês, ou ano,
mas era certa.
O
que me traumatizou foi a proibição velada dos demais vizinhos (entre casados,
separados, divorciados, ou reatando) quanto a
mover uma palha que fosse em jeito protesto, pois o vizinho, legitimado no seu
status de malandro, estava apenas a espancar a sua própria mulher.
No
ano seguinte, mudei de bairro. Nunca mais quis saber do casal (nem da postura da plateia).
Gociante
Patissa, Lobito Agosto 2013
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