"Ia na quinta morte, quando o tipo aportou a cidade.
Sim, porque divórcio não é senão outra forma de morrer. Basta ver que, por lei,
só divórcio e morte dissolvem a instituição universal chamada matrimónio. Mas
não vou discorrer sobre a aura maniqueísta que envolve a morte mundana. Quero
olhar para um outro aspecto da questão, apenas como o fim de uma vida e início
de outra. Em certas existências, o divórcio, como a própria morte, no fim das
contas, só peca por tardar.
Fátussengóla passava dos quarenta anos, que pareciam vinte e
oito, de tão franzino. As únicas referências que transportava de outros
lugares, observáveis como tal num primeiro contacto, eram os dados do bilhete
de identidade. Nem uma palavra sobre o seu passado, muito menos aquelas
fotografias na carteira de documentos (que tornam os humanos um pouco mais
humanos longe de casa). Bem, tinha a companhia inseparável do seu rádio do
tamanho de um tijolo que, de tão rijo, devia ter sido fabricado no antigo Bloco
Soviético.
Uma vez formalizada a separação, vendia os haveres que lhe
coubessem e se entregava à estrada, em busca de outro lugar para renascer,
invariavelmente uma capital de província. O resto era estabelecer contactos,
com o já previsível titubear de quem aprende a caminhar, se bem que em Benguela
acabou logo bafejado pela sorte
(...)
Pouco falava de seus divórcios, talvez por lhe ter marcado a
última relação, com a kambuta Rodé, tão dócil quanto rija, a quem acusa de
violência literalmente doméstica. Certa vez, ela foi procura-lo ao bar em que
ele se costumava esquecer de si próprio. Com insuspeita calma, acertou a cabeça
do homem com panela de pressão. E saiu tal como chegou, calada e vagarosa nos
passos."
Aguarde.
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