Até há coisa de dez anos, só o Estado se
dirigia ao país por tu, naquelas chamadas para o serviço militar
obrigatório. A linguagem de toda a restante publicidade era formal, salvaguardando
o distanciamento que a cultura da língua impõe na relação com desconhecidos. A
indústria publicitária já roça o nível da banalização e abuso, ao procurar
tratar o destinatário da mensagem por “tu”, como se fôssemos crianças ou de
status inferior ou ainda pessoas da confiança das empresas.
Já agora, excelência que está a ler este
texto, se uma pessoa se dirigisse a si dizendo “você vais casar comigo”, estaria
gramaticalmente falando sério? Ou por outra, quando um cantor se dirige ao
público dizendo “batem palmas”, estaria ele a afirmar ou a pedir/mandar? Calmex,
excelências, são apenas provocações para reflectirmos sobre a grande confusão
no português falado em Angola (sei que não só, mas pretendemos delimitar a
abordagem), quando o assunto é o modo imperativo.
Na linguagem familiar, estamos autorizados
a cometer os deslizes inofensivos, um dos quais sendo tratar um mesmo
interlocutor por você (modo formal) e por tu (informal). O problema é que aspectos
de natureza até cultural acabam sendo atropelados quando trazemos a língua na
sua função mais formal e pedagógica. Ao contrário do inglês, em português o
pronome pessoal varia de acordo com o status. Ou seja, para alguém de nível
inferior ou igual ao nosso, usamos o TU, mas quando é de um nível superior ou
alguém que não é da nossa confiança, usamos VOCÊ. Ora, por assim ser, tal
característica influencia o sentido de correcção no modo imperativo (o de
pedir, mandar, dar ordem).
Para o contexto de tratar o interlocutor
por VOCÊ, os verbos cujo tempo infinitivo termine em “er” e ir passam para “a”.
Exemplo: corra; fuja; Em verbos que terminam em “ar” passam para “e”. Comece;
chegue cá;
Para o contexto de tratar o interlocutor
por TU, em frases positivas, o modo imperativo faz-se usando a forma verbal que
seria a da conjugação da terceira pessoa do singular. Exemplo: Sai daqui; vem
cá; começa; fala comigo. Faz isso.
Já em frases negativas, se o tempo
infinitivo do verbo termina em “ir” e em “er”, faz-se a construção aproveitando
a estrutura da terceira pessoa do singular + “as”. Exemplo: Não saias daqui; não
fujas. Em verbos que terminam em “ar”, a mesma estrutura + “es”. Exemplo: Não
grites; não comeces; não reclames.
Portanto, não é correcto dizer “não entram
ainda na sala” se a intenção é pedir/mandar. O certo é “não entrem"… Também é
incorrecto dirigir-se a um superior hierárquico nos termos “fala mais alto por
favor”, diga-se antes “fale mais alto”. Antes era só um fenómeno da oralidade, que
logo saltou para as letras de música, para a literatura. Tende a confusão a agigantar-se
tendo como factores principais a “confiançudez” dos peritos de publicidade e
marketing, nas suas campanhas dirigidas a um público com já tão débil formação
no que respeita ao domínio da língua de Camões.
Resumindo, há diferença entre afirmar e
pedir/mandar, que leva em conta se nos estamos a dirigir a alguém que deve ser
tratado por “tu” ou então por “você”. A matéria é chata, né? Eu que o diga. Aprendi
em 2005 com a professora Ainda Baptista, então leitora do Instituto Camões em
Benguela, no curso básico de jornalismo, mas só mais tarde apanhei. E pronto, ainda
era só isso. Obrigado.
www.angodebates.blogspot.com | Gociante
Patissa | Catumbela, 29.06.2018
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