“Sim,
é da TV Zi-mbo. Em que podemos ajudar?”
“Bom
dia. Sou o cidadão Domingos. Quero falar com o senhor Salú. Não sei se posso…”
“Às
suas ordens! O telespectador é a nossa razão de ser… Exponha, por favor. Já
agora, se me puder desculpar, escapou-me. O senhor como se chama?”
“Com
a boca ou com gestos mesmo, assobios é que nem sempre. Espera aí. Mas assim você
que me atendeu neste momento já é mesmo o senhor Salú?”
“Por
acaso, não. Somos colegas. Sou o Constantino Pereira… Pode falar…”
“Não
vai dar. O Salú disse Fala Comigo. Ou será que estou a inventar?”
“É
o nome do programa para ser chamativo. Não tenha receios, garanto que o senhor
está bem encaminhado. Sou da produção do programa, praticamente é assim que
funciona…”
“Mas
no meu fraco entender – não sei no vosso, né? –, quando se diz Fala Comigo, significa
diálogo pessoal; não entram terceiros. Eu contigo, tu comigo. Ou não é assim?”
“Caro
cidadão, isto é televisão. A produção cozinha tudo e ele, o pivot, marca golo…”
“MAS
O SALÚ DISSE FALA COMIGO, CAMARADA!!! COM ELE! Não disse fala com a produção! LHE
PASSA SÓ O TELEFONE, NÃO VAMOS PERDER TEMPO.”
“Sendo
assim, senhor, lamento informar, mas o Salú ainda não chegou…”
“O
quêêê?! Oh, o senhor Salú afinal também tem a má conduta de atrasar no trabalho?”
“Não,
não se trata de atraso. Ele é colaborador liberal, só vem aqui no horário dele…”
“Quer
dizer, por fora é uma coisa, por dentro é outra? Então fica o recado: ele
quando chegar, lhe digam que ligou um senhor com um problema caterpillar de
vida ou morte.”
“Problema
caterpillar de vida ou morte? Fica como?”
“Me
falaram lá um dermatologista cubano. Tipo tem a ver com o cabelo ou o quê…”
“Ah,
problema capilar. OK. Se bem percebi, você tem problema com o seu cabelo,
certo?”
“Eu
não tenho problemas com ninguém. Ele é que tem…”
“Hum…
Neste caso o senhor tem problemas capilares. E são de vida ou morte porquê?…
“Estás
a ver?! Por isso é que eu já não queria falar no começo… Acho que o Salú, como
é curtinho, entende mais corta-mato. Mas vou ver se resumo: meu camarada, o
estado tem que me arranjar uma casa urgente para eu morar longe da família…
enquanto é cedo.”
“Mas
porquê o receio?”
“Como
porquê?! Você não está a ver que estou a ficar calvo?”
“Como
estamos ao telefone, né?… Avancemos. Calvície é normal, é coisa da genética…”
“Aié?!
Genética, né? Porque é com o outro! Olha, também eu com a preocupação alheia
durmo bem. Ah porque é normal, problema genético. É tudo que tinhas para
falar?!”
“Bem…”
“Assim
mesmo achas que falaste bem, caro jornalista ou produção?! Meu irmão, no fim do
dia, chegas à casa a dizer que cumpriste bem o teu trabalho? Tanta gente nos
lugares errados neste país, pá! É assim que vocês matam os cidadãos por causa
do deixa-andar…”
“Mas
eu disse alguma coisa que seja passível de lesar o senhor?”
“Você
não sabe que na comuna, um careca vira logo feiticeiro? E se os sobrinhos adoecerem,
não acusarão o tio é que nos bruxou? E são bwé. Vou lutar como com todos?”
“Não
me leve a mal, caro telespectador, mas onde é que o governo entra? Qual é a
quota-parte de responsabilidade das autoridades para terem de arranjar casa
para si?”
“Porque
isso é injusto! Então os verdadeiros feiticeiros, aqueles que roubam o que é do
povo, por exemplo aquele casal que desviou os milhões de dólares da malária,
estão aí, cabelos crespos e fartos. Logo eu é que tinha de ficar calvo ou
careca? Isso se faz?!”
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Patissa | Benguela, 21.06.2018
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