O senhor já tem o cartão da nossa loja? Abordou-me certa funcionária de
uma cadeia de hipermercados na Namíbia. A pergunta soava-me familiar. Respondi que não, que estava ali em
gozo de férias e não faria, pois, sentido despenderem custos para um cartão que
não seria usado. Dona de um subtil poder de persuasão, a moça convenceu-me,
ainda assim, a tratar um. São as tais decisões induzidas num cada vez mais
frenético e ardiloso marketing globalizado.
Você não sai de casa com a intenção inequívoca de tratar um cartão de
loja. Ouvimos falar dele no convívio social ou, na maioria dos casos, por
aquele profissional de boa aparência e verbo, devidamente treinado para o
papel. Descontos, bónus, acumulação de pontos. Todos falam de benefícios. E da
desvantagem? Será que as lojas se tornaram instituições de caridade, deixaram
de perseguir o lucro?
Façamos um pouco de contas. Você já parou para pensar que o cartão de
fidelidade (dado aparentemente de graça) é feito tão-só do mesmo material que o
cartão multicaixa (obtido mediante desconto de quase mil Kwanzas pela entidade
bancária)? Você já pensou que o seu cartão de loja é feito do mesmo material
usado na produção de passes de identificação em muitos estabelecimentos? Já agora,
quanto é que você ou a entidade patronal paga pela impressão do cartão mesmo? Dou
o meu exemplo a contas largas. A emissão normal do passe de acesso custa ao meu
patrão anualmente dez mil Kwanzas (ao câmbio de USD 100). A perda implica uma penalização
de 40 mil Kwanzas (USD 400).
Alguma vez a loja lhe cobrou pela emissão (normal ou segunda via) do
cartão? A resposta é, certamente, NÃO! E já que estamos em maré de
generosidades, que tal converter o valor do custo de produção do cartão em bens
de consumo? Seria interessante saber quantos consumidores angolanos aderiram
aos cartões de fidelidade. Mas, como já é sabido, no campo das estatísticas
temos ainda um longo trabalho a fazer. Façamos ao menos uma volta breve pelos
websites dos principais operadores comerciais em Angola.
A Maxi, há 21 anos presente no mercado, tem os cartões de cliente Maxi Desconto e Maxi Gold. O site refere que “o
cartão Maxi Desconto passou a possibilitar ao cliente acumular descontos sempre
que o apresentar no momento de compra.”
Já o do Kero, aberto em 2010, é “pré-pago
de fidelização que permite acumular eskebra”. Diz mais: “É fundamental na relação Kero/Cliente, pois
permite beneficiar os nossos clientes mais fieis proporcionando-lhes vantagens
na sua preferência.”
O site do Candandu, aberto em 2015, anuncia que “o cartão Dando Candando permite escolher entre mais de 30 mil produtos
alimentares, brinquedos, moda, decoração, tecnologia, bem-estar e muito mais.”
Na Shoprite, multinacional sul-africana, o cartão permite um depósito
entre os 500 e os 200 mil Kwanzas, mas sem promessa de bónus nem oferta de
nada. Um pouco à semelhança, na província de Benguela, da já falida Sodispal,
sucedânea da Catermar.
Para o académico português José Rousseau, numa
reportagem do PUBLICO há três anos, “Estes cartões podem facultar ao retalhista
informação directa e fidedigna que mais nenhuma outra ferramenta poderá dar.”
Ou seja, “em troca de descontos, acumulação de pontos, ou eventos exclusivos,
conseguem obter a informação mais valiosa de todas, determinante para aumentar
vendas.”
Numa linguagem mais simples. Como se já não bastassem as câmaras de
vigilância, toda a vez que usar cartão, você estará a ser submetido (sem saber)
a um inquérito sobre o quanto gasta, com o que gasta, em que dia, e por aí vai.
Nada mais é pessoal e íntimo.
Ora, não nos cabendo o papel de julgar, a preocupação é apenas
de foro ético. Quem irá monitorar a confidencialidade e o uso adequado da informação
recolhida? Terá o cliente, ao aderir ao cartão, noção das posteriores análises
feitas ao seu comportamento? Ainda era só isso. Obrigado.
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