segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Opinião | Vale mesmo a pena ter um cartão de loja?

O senhor já tem o cartão da nossa loja? Abordou-me certa funcionária de uma cadeia de hipermercados na Namíbia. A pergunta soava-me familiar. Respondi que não, que estava ali em gozo de férias e não faria, pois, sentido despenderem custos para um cartão que não seria usado. Dona de um subtil poder de persuasão, a moça convenceu-me, ainda assim, a tratar um. São as tais decisões induzidas num cada vez mais frenético e ardiloso marketing globalizado.

Você não sai de casa com a intenção inequívoca de tratar um cartão de loja. Ouvimos falar dele no convívio social ou, na maioria dos casos, por aquele profissional de boa aparência e verbo, devidamente treinado para o papel. Descontos, bónus, acumulação de pontos. Todos falam de benefícios. E da desvantagem? Será que as lojas se tornaram instituições de caridade, deixaram de perseguir o lucro?

Façamos um pouco de contas. Você já parou para pensar que o cartão de fidelidade (dado aparentemente de graça) é feito tão-só do mesmo material que o cartão multicaixa (obtido mediante desconto de quase mil Kwanzas pela entidade bancária)? Você já pensou que o seu cartão de loja é feito do mesmo material usado na produção de passes de identificação em muitos estabelecimentos? Já agora, quanto é que você ou a entidade patronal paga pela impressão do cartão mesmo? Dou o meu exemplo a contas largas. A emissão normal do passe de acesso custa ao meu patrão anualmente dez mil Kwanzas (ao câmbio de USD 100). A perda implica uma penalização de 40 mil Kwanzas (USD 400).

Alguma vez a loja lhe cobrou pela emissão (normal ou segunda via) do cartão? A resposta é, certamente, NÃO! E já que estamos em maré de generosidades, que tal converter o valor do custo de produção do cartão em bens de consumo? Seria interessante saber quantos consumidores angolanos aderiram aos cartões de fidelidade. Mas, como já é sabido, no campo das estatísticas temos ainda um longo trabalho a fazer. Façamos ao menos uma volta breve pelos websites dos principais operadores comerciais em Angola.

A Maxi, há 21 anos presente no mercado, tem os cartões de cliente Maxi Desconto e Maxi Gold. O site refere que “o cartão Maxi Desconto passou a possibilitar ao cliente acumular descontos sempre que o apresentar no momento de compra.”

Já o do Kero, aberto em 2010, é “pré-pago de fidelização que permite acumular eskebra”. Diz mais: “É fundamental na relação Kero/Cliente, pois permite beneficiar os nossos clientes mais fieis proporcionando-lhes vantagens na sua preferência.”

O site do Candandu, aberto em 2015, anuncia que “o cartão Dando Candando permite escolher entre mais de 30 mil produtos alimentares, brinquedos, moda, decoração, tecnologia, bem-estar e muito mais.”

Na Shoprite, multinacional sul-africana, o cartão permite um depósito entre os 500 e os 200 mil Kwanzas, mas sem promessa de bónus nem oferta de nada. Um pouco à semelhança, na província de Benguela, da já falida Sodispal, sucedânea da Catermar.

Para o académico português  José Rousseau, numa reportagem do PUBLICO há três anos, “Estes cartões podem facultar ao retalhista informação directa e fidedigna que mais nenhuma outra ferramenta poderá dar.” Ou seja, “em troca de descontos, acumulação de pontos, ou eventos exclusivos, conseguem obter a informação mais valiosa de todas, determinante para aumentar vendas.”

Numa linguagem mais simples. Como se já não bastassem as câmaras de vigilância, toda a vez que usar cartão, você estará a ser submetido (sem saber) a um inquérito sobre o quanto gasta, com o que gasta, em que dia, e por aí vai. Nada mais é pessoal e íntimo.

Ora, não nos cabendo o papel de julgar, a preocupação é apenas de foro ético. Quem irá monitorar a confidencialidade e o uso adequado da informação recolhida? Terá o cliente, ao aderir ao cartão, noção das posteriores análises feitas ao seu comportamento? Ainda era só isso. Obrigado.

Gociante Patissa | Benguela, 4 Dezembro 2017 | www.angodebates.blogspot.com
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