A história das instituições, a partir do
momento em que estas saltam da esfera do sonho para a materialização, legitima
várias perspectivas. E como só podia ser de uma ingenuidade gigante esperar que
exista apenas uma versão de registar a trajectória e o impacto junto da
sociedade, que é em fim último o beneficiário do altruísmo, a história da AJS
(Associação Juvenil para a Solidariedade) é passível de ser colhida pela
perspectiva dos protagonistas, pela das testemunhas, pela dos continuadores.
Ultimamente, passou a contar também a versão das vítimas (aqui um lamentável
fruto de umas e outras escolhas).
Neste apontamento ressalta-se outra
perspectiva muito valiosa que não se encontra em actas de reuniões nem na
glória dos relatórios de projectos implementados. Falo de parceiros
desinteressados que se mantêm anónimos, aqueles que na primeira hora abraçaram
o que para muito boa gente roçava o lunático. Um destes é Sabino Nunda Casaco.
A AJS é faísca do sector da sociedade civil, Organização Não Governamental de
âmbito local, nascida do inconformismo de estudantes do ensino médio (a média
de idade do “núcleo de cérebros” contava-se abaixo dos 21 anos), num quadro
complexo de guerra civil e carência urbana de vária ordem.
Enfim, depois de conhecer a Okutiuka-Acção
para a Vida, coordenada por José Patrocínio, no ano de 2000, através da qual
foram adquiridas habilidades em elaboração e gestão de projectos de
desenvolvimento comunitário, chegou-se a delinear linhas de acção, uma delas
sendo a da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A oportunidade
consistia em "infiltrar-nos" em excursões de jovens (à praia e não
só) para no destino improvisarmos palestras e debates sobre o assunto. Mas
havia depois um entrave chamado falta de material de apoio.
Nessa época, tudo o que a AJS tem é a
determinação de quem vende ideias e crê que mais cedo ou mais tarde apareceria
um financiador para projectos em gaveta. Não havia fundos para adquirir propaganda
e preservativos junto da ADPP-Esperança ou do PSI (as quotas dos membros mal
cobriam as despesas com táxis entre Lobito e Benguela à procura de parcerias).
Eis que “do nada” surgia o paramédico
Sabino Nunda Casaco, da 7.ª Região Militar, e o seu colega Alexandre Camongua,
que durante meses apoiaram o projecto, não só assessorando os palestrantes, mas
também partilhando connosco dentro das suas possibilidades o tão precioso
material informativo e preventivo.
Casaco é um homem de estatura alta, de
fala terna mas é também conhecido pelo punho militar firme. À volta do seu
carisma, rolava o relato de ter administrado uma sonante bofetada a certo jovem
que o teria molestado durante uma festa. Dizia-se que tão valente fora a famosa
bofetada que o destinatário da mesma desmaiou de imediato… e acordou sóbrio. Seria
uma “bofa medicinal”? Morava no bairro da Kalumba. Viria a bater à
porta da AJS por influência do seu amigo Simão Marques,
membro fundador da ONG.
Foi na verdade graças ao impulso do mano
Casaco que ganhou corpo a série de projectos "Viver Contra a SIDA"
(financiados de início pela Oxfam em 2003/4 e introduziu a dinâmica dos
activistas voluntários, dos quais cito o João Nunda, o Ricardo “Amado” Calengue e
a Celma Yaveleka
Tungalavo Canduli). O maior "bolo" viria com o
financiamento do Fundo Global/PNUD e afins, que suportou o Boletim "A Voz
do Olho" e o programa radiofónico semanal "Viver para vencer",
produzido e conduzido por quadros da AJS via Rádio Morena Comercial, através de
pagamento do espaço de antena.
A natureza melindrosa da disciplina
militar fez com que o seu patrocínio tão determinante fosse mantido discreto ao
longo destes quase vinte anos de existência. Obrigado, mano Casaco! Teria de
ser amnésia colossal não lhe ter em conta como um membro honorário.
AJS – “Humildade, Justiça e
Solidariedade” | Benguela, 01 Fevereiro 2017
Daniel Gociante Patissa (membro fundador) www.angodebates.blogspot.com
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