(I)
“Sim.
Bom dia, quem fala?”
“Falo
com o doutor Escopro, da revista Pirilampo da Moda?”
“Sim,
o próprio. Mas por favor, não sou doutor. Licenciatura é tudo quanto tenho…”
“Ok,
amigo Escopro. Aqui fala Damasceno Miúdo. Tenho um furo, um exclusivo para a
vossa revista. Aquilo, sinceramente, vai disparar a vossa audiência.”
“Aié?
Isso é óptimo. Assaltaram um banco, exoneraram um governador, ou como é?”
“Não.
Quero vos oferecer a cobertura do meu casamento. A nata toda do país vai lá
estar. Sabe, doutor Escopro, aliás editor Escopro, é uma placa giratória para
conhecer gente que presta e, quem sabe, conseguir patrocínios para outros
negócios colaterais seus…”
“Ah,
casamento, né? Vai desculpar, mas temos de racionalizar os parcos meios
técnicos e humanos que temos. Receio que…”
“Ó
homem, quando uma porta abre assim tipo magia na nossa vida, é preciso saber
aproveitar. Quando mais nessa vida é que vossa excelência vai ter o céu ao
vosso alcance? Me fala só: qual é a entidade que queres que eu te apresente?!”
“Eu
como conheço o faro dos jornalistas, adianto já. O mobiliário da festa veio de propósito
da China, os anéis da Rússia, champagne do coração de Paris, o padre a celebrar
a missa vem do Vaticano, o conservador é top, a limousine é um ferrari
importado em série do sheik do Dubai. Helicóptero privado pronto em caso de emergência
médica, papel higiénico de liamba. Salão para adultos, para crianças e um
terceiro para animais de estimação. Ah, a noiva é quem? Vais saber no próprio dia,
é depois de amanhã. Ela chega amanhã do Japão, foi fazer depilação geral, dizem
que lá a virilha volta como nova…”
“Ok.
Negócio fechado. Mas só uma coisa. Em ocasiões deste tipo, há sempre o problema
de os convidados se sentirem incomodados com o nosso trabalho, não sei se é
receio de quê. Já várias vezes fui, eu pessoalmente, chamado a atenção de lado…”
“Deixa
isso comigo, cuidarei de desbastar qualquer obstáculo, doutor Escopro…”
(II)
“Aló,
amigo Escopro, é só para agradecer a estampa. Até chorei. Vocês são
profissionais, ya!… É cada ângulo fotográfico que, sinceramente, posso morrer
amanhã, estou feliz… Por quanto que fica? Porque de graça mesmo é só o ar que respiramos. Diga o preço e eu fecho os olhos...”
“Mano
Miúdo, não agradeça. A revista Pirilampo da Moda persegue o interesse público.”
“Acho
que foi o casamento dos dois últimos séculos, meu caro. Até não se fala em mais
nada, nem na crise, nem na vadiagem dos dólares, que não se lembram de voltar… Meu
irmão, o vosso trabalho na minha vida, palavra de honra, jamais esquecerei.”
(III)
“Aló.
Doutor Damasceno?”
“Sim.
Quem fala?”
“Escopro…”
“Escopro?
Fala da parte de quem?”
“Revista
Pirilampo da Moda. Já não se lembra? Cobri no ano passado o seu casamento…”
“Hã,
e agora quer o quê?!”
“Dentro
da nossa boa colaboração, queríamos dar seguimento nessa fase do divórcio…”
“O
que é que vocês têm a ver com isso?! Vai à merda, ouviu? Hum! Onde é que já se
viu falar do meu divórcio com jornalistas?! Dá para ver que não são
profissionais, pá! O vosso lixo de revista vai se ver com o meu advogado! Não
sabem o que é invadir vida privada?!”
www.angodebates.blogspot.com |
Gociante Patissa | Benguela, 19.07.2017
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