Uma das
vantagens de fazer parte da lista de contactos de Adão
Filipe é beneficiar da sua multifacetada alma: radialista, jornalista,
locutor, director de rádio, produtor musical, gestor de carreiras, compositor
e director artístico. O efeito colateral mais directo é partilhar as mais
fresquinhas novidades musicais angolanas e não só.
É claro
que nem sempre estamos de acordo, o que só pode ser saudável. Num passado
relativamente recente, fui dos que se simpatizaram com a corrente oposta ao
parasitismo – na ausência de uma palavra mais simpática –, onde talentos da nova geração passaram a concentrar a sua energia no garimpo de sucessos dos anos 70/80
para regravar, correndo-se o risco de não deixarem, estes mesmos jovens, legado
quase nenhum do seu potencial criativo. Já sem falar da deturpação por falta de
domínio das línguas nacionais. Um receio de resto que encontrou na pessoa do
mais-velho Elias Dya Kimwezu o eco mais legítimo, várias vezes vítima de ultrapassagens
pela direita por um mercado algo míope.
O amigo
Adão, na linha do que também defendeu o conceituado Dionísio Rocha, levava a
abordagem para uma leitura universalista, isto é, para a necessidade de se
reorganizar o papel das instituições de defesa dos direitos autorais, uma vez
que em qualquer parte do mundo a interpretação é igualmente uma faceta
importante da arte performativa, pelo que o intérprete não pode ficar refém da
inexistência deste segmento que tem como fim monitorar normas que levem o
criador a embolsar os proventos que lhe são por direito.
Há dias, do
cabaz de novidades fiquei a ouvir uma versão da música de Maya Cool, dos anos
90, que fala da vergonha de alguém que andou por Portugal, supostamente a
estudar, mas estagnou na fantasia de ser parente de ministros e diplomatas. A versão
é de L’Vince. Curiosamente, já o tinha visto no dia anterior, via TPA2, em “covers”.
O rapaz tem a música nas veias, articula bem, brilhou no The Voice Angola. Naquele
jeito conciso das redes sociais, respondi: “reedito o meu receio de algum mau
encaminhamento dos nossos novos artistas que, depois de conhecer os holofotes,
colocam de parte a criação para o caminho fácil da interpretação. O miúdo até
tem potencial, mas por este caminho...”
Para ser
franco, ficou-me uma sensação insossa quanto ao produto final da versão daquele
tema do Maya. L’Vince esteve abaixo do seu record, aqui para usar um cliché
desportivo. E é aí que entra a perspicácia de um Adão que tem uma apurada
sensibilidade, não só do que se produz, mas também dos hábitos de consumo do
seu interlocutor.
Propositado
ou não, instantes depois recebo uma balada da música “inocente” (kizomba original
de Paulo Flores), na voz de Dino Ferraz, jovem de Luanda que também já venceu o
festival da rádio LAC, uma das montras mais sólidas da música angolana. Harmonia,
ritmo, timbre, coros, tudo impecável em quatro sublimes minutos. Só sei que já passam
seis dias, e ainda não tirei o leitor do carro da opção “repeat”. Só dá Dino Ferraz.
Avisem o
kota Paulo Flores, ele não perderia nada com a inclusão daquela versão no novo
disco que eu sei que está a preparar para sair pela LS Republicano. Há realmente
gratas surpresas, mas que tenhamos uma indústria com mais interpretações do que
produção original, aí já não poderão contar com o meu voto. Ainda era só isso.
Obrigado.
0 Deixe o seu comentário:
Enviar um comentário