terça-feira, 4 de julho de 2017

A NOVA GERAÇÃO DE LOCUTORES TEM O VÍCIO DA IMITAÇÃO - Dinho Carlos | Grande entrevista (parte2)

As cerca de duas décadas no exercício da profissão conferem ao operador de som Dinho Carlos uma certa autoridade para avaliar o sector. Nesta entrevista, aquele quadro sénior da Rádio Morena Comercial, que cobre o litoral da província de Benguela nas frequências de 96.0 e 97.5 FM, relativiza o estatuto de líder de audiência atribuído à estatal Rádio Benguela e diz não temer a concorrência da Rádio Catumbela, que a qualquer momento iniciará a emissão de programas. Quanto à Rádio Ecclesia, considera que já devia abrir, até.


Blog Angola, Debates & Ideias (Angodebates): Qual é o seu nome de registo? Acho que em Benguela ninguém se interessa com o seu nome de registo. Você é o Dinho Carlos, e ponto final! (risos)

Dinho Carlos (DC): (risos) É meio-complexo. É mais por causa do inglês que vem à frente do meu nome. Owen Ademiro da Fonseca Carlos.

Angodebates: O Dinho, para quem não sabe, é de uma família com tradição em rádio. O falecido pai, que para além da rádio foi actor – espero não estar a pisar em memórias tristes, mas é uma referência –, e irmão de Celso Roberto. Como é que a rádio entra na sua vida? Por influência destes? Como é que você se posiciona na rádio, como sendo um continuador dos mais velhos ou é um caso isolado?

DC: É uma pergunta pertinente. Na verdade, para dizer desde já que falar do meu pai não é uma memória triste, porque o meu pai nunca mostrou esse lado. Sempre foi uma pessoa alegre, tanto na rádio quanto na televisão. Então, falar dele, para mim é uma alegria. Agora, a questão de rádio, no princípio, sim, é como estar a receber o legado dos mais velhos. Eu trabalhei com os meus dois irmãos, que é o Celso Roberto, depois o Schultz, eu ficava no meio a receber as instruções. Mas devagar eles foram saindo e eu fui ficando, a minha responsabilidade foi aumentando, até que depois eles me deixaram. Eu tive de me readaptar. Sozinho, tinha que andar…

Angodebates: Na época do analógico ainda?

DC: Sim, na época do analógico… Mas hoje já não. Hoje eu faço a minha parte. A parte deles já foi, claro. Recebi com muito agrado todas as instruções que me foram dando. Peguei o legado, estou a fazer agora o meu espaço.

Angodebates: Há alguma pessoa em rádio que você veja como modelo a seguir?

DC: Bom, sinceramente, eh pá… na locução, sim. Na locução eu vejo duas pessoas, até, que eu não consigo dissociá-las, por causa da forma natural [com] que eles fazem a rádio. São pessoas com quem eu trabalhei, que é o senhor Cabral Sande e o senhor Zé Manel. Bem, não posso mencionar os outros radialistas das outras províncias porque cá em Benguela a gente os ouve muito pouco. Senão teria enumerado. Mas não consigo dissociar o Sande e o Zé Manel por essas duas especificidades, que é a forma natural [com] que eles fazem rádio e por causa da entrega, o lado profissional. Então na locução eu me revejo nessas duas pessoas.

Angodebates: Nos últimos dez anos, há quem diga que Benguela tem feito poucos locutores. Essa afirmação é verdadeira? Se é, tem que ver com a pouca abertura, ou as pessoas depois não ficam e vão à procura de profissões que pagam eventualmente mais?

DC: Essa parte até eu sou suspeito. (risos) A questão não é que não se fazem locutores, fazem-se. Só que as pessoas que vêm para fazer locução já não são aquilo que elas queriam ser. Porque acabam sempre por se idealizar em alguém. Logo, acabam por matar a própria criação. Já não se cria. A pessoa vai para ser criada e quando a gente dá oportunidade, já não é afinal uma pessoa que se queria criar…

Angodebates: Já vem com vícios?

Gociante Patissa (esq.) e Dinho Carlos
DC: Sim. Um vício de imitação. Logo, acaba por ser uma cópia de quem já existe. Então não fica bem verdade dizer que hoje a gente cria locutores, não. Hoje a gente ouve rádio, só mudam os nomes dos locutores. Se não imita o Afonso Quintas, o Aldemiro Cussivila, então imita o homem da Rádio Cinco. No fundo, a dicção – conforme se diz, a ‘vibe’ – é quase a mesma. Há muita igualdade na forma de se fazer locução. Mas não é tudo, não é? Há sempre um ou outro que vai saindo, mas na sua generalidade, hoje não se cria como tal. Mas não é por falta de oportunidade, tem-se dado oportunidade. A Rádio Morena tem servido de escola de muitos outros locutores, por isso é que disse no princípio que sou suspeito a falar.

Angodebates: Vocês já foram campeões de audiência. Hoje, visivelmente, e é um pouco chato ter que dizer isso mas pensamos que a rádio Benguela está a liderar, depois é que vocês talvez surgem. Há esse sonho antiquado de a Rádio Ecclesia abrir, a Rádio Catumbela abrir. Como é que você encara a concorrência? Acha que vai ser saudável, não vai?

DC: A concorrência é sempre boa…

Angodebates: Mas os quadros são poucos no mercado. Não haverá depois desfalque de umas rádios para outras? Ou acha que isso é inevitável no mercado do emprego?

DC: Por acaso é inevitável. Porque todo o concorrente quer sempre um nome. Portanto, onde puder buscar um nome que lhe convém para trabalhar, para concorrer, se puder, faz-se. Quanto à questão da concorrência, nós estamos. (risos) É muito discutível e relativo. Cada um ao seu momento e à sua hora. Os ouvintes vão-se dividindo como podem. É muito discutível. Aceitamos de facto que podemos ter uma quebra ou outra, mas não é por falta de capacidade humana. Outras situações divergem-se por essa falta de dinâmica, mas não há nada a temer na questão da concorrência. Que venha a Rádio Catumbela; melhor ainda, porque isto vai fazer com que a gente melhore o que está mal e demos maior dinâmica ao que já está posto. Que venha a Rádio Ecclesia – até já devia. Estamos aqui.

Angodebates: Você trabalhou com uma pessoa incontornável da sonoplastia, ou da engenharia de som, que é o mais-velho Mendes Filipe. De que maneira é que ele influenciou, ou não, a sua trajectória?

DC: O senhor Mendes Filipe não era só uma pessoa, conforme você denominou; era o mestre. A gente chamava-lhe de engenheiro. Era mágico radiofónico. Aprendemos muito. Falar dele, não iríamos terminar hoje. Muito do que sei hoje, que também não consigo nem praticar porque a questão técnica hoje é muito evoluída, mas temos tudo o que ele nos ensinou está na cabeça.

Angodebates: Obrigado.
Reportagem: Gociante Patissa | Benguela, 02 Julho 2017


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