As cerca de duas décadas no exercício da profissão
conferem ao operador de som Dinho Carlos uma certa autoridade para avaliar o
sector. Nesta entrevista, aquele quadro sénior da Rádio Morena Comercial, que cobre
o litoral da província de Benguela nas frequências de 96.0 e 97.5 FM, relativiza
o estatuto de líder de audiência atribuído à estatal Rádio Benguela e diz não
temer a concorrência da Rádio Catumbela, que a qualquer momento iniciará a
emissão de programas. Quanto à Rádio Ecclesia, considera que já devia abrir,
até.
Blog Angola, Debates
& Ideias (Angodebates): Qual é o seu nome
de registo? Acho que em Benguela ninguém se interessa com o seu nome de
registo. Você é o Dinho Carlos, e ponto final! (risos)
Dinho Carlos (DC): (risos) É
meio-complexo. É mais por causa do inglês que vem à frente do meu nome. Owen Ademiro
da Fonseca Carlos.
Angodebates: O Dinho, para quem não sabe, é de uma família com tradição em rádio. O falecido pai, que para além da rádio foi actor – espero não estar a
pisar em memórias tristes, mas é uma referência –, e irmão de Celso Roberto.
Como é que a rádio entra na sua vida? Por influência destes? Como é que você se
posiciona na rádio, como sendo um continuador dos mais velhos ou é um caso isolado?
DC: É uma pergunta
pertinente. Na verdade, para dizer desde já que falar do meu pai não é
uma memória triste, porque o meu pai nunca mostrou esse lado. Sempre foi uma
pessoa alegre, tanto na rádio quanto na televisão. Então, falar dele, para mim
é uma alegria. Agora, a questão de rádio, no princípio, sim, é como estar a
receber o legado dos mais velhos. Eu trabalhei com os meus dois irmãos, que é o
Celso Roberto, depois o Schultz, eu ficava no meio a receber as instruções. Mas
devagar eles foram saindo e eu fui ficando, a minha responsabilidade foi
aumentando, até que depois eles me deixaram. Eu tive de me readaptar. Sozinho,
tinha que andar…
Angodebates: Na época do analógico ainda?
DC: Sim, na época do
analógico… Mas hoje já não. Hoje eu faço a minha parte. A parte deles já foi,
claro. Recebi com muito agrado todas as instruções que me foram dando. Peguei o
legado, estou a fazer agora o meu espaço.
Angodebates: Há alguma pessoa em rádio que você veja como modelo a
seguir?
DC: Bom, sinceramente,
eh pá… na locução, sim. Na locução eu vejo duas pessoas, até, que eu não
consigo dissociá-las, por causa da forma natural [com] que eles fazem a rádio. São pessoas
com quem eu trabalhei, que é o senhor Cabral Sande e o senhor Zé Manel. Bem,
não posso mencionar os outros radialistas das outras províncias porque cá em
Benguela a gente os ouve muito pouco. Senão teria enumerado. Mas não consigo dissociar
o Sande e o Zé Manel por essas duas especificidades, que é a forma natural
[com] que eles fazem rádio e por causa da entrega, o lado profissional. Então na
locução eu me revejo nessas duas pessoas.
Angodebates: Nos últimos dez anos, há quem diga que Benguela tem
feito poucos locutores. Essa afirmação é verdadeira? Se é, tem que ver com a
pouca abertura, ou as pessoas depois não ficam e vão à procura de profissões que
pagam eventualmente mais?
DC: Essa parte até eu
sou suspeito. (risos) A questão não é que não se fazem locutores, fazem-se. Só que
as pessoas que vêm para fazer locução já não são aquilo que elas queriam ser. Porque
acabam sempre por se idealizar em alguém. Logo, acabam por matar a própria criação.
Já não se cria. A pessoa vai para ser criada e quando a gente dá oportunidade, já
não é afinal uma pessoa que se queria criar…
Angodebates: Já vem com vícios?
DC: Sim. Um vício de
imitação. Logo, acaba por ser uma cópia de quem já existe. Então não fica bem
verdade dizer que hoje a gente cria locutores, não. Hoje a gente ouve rádio, só
mudam os nomes dos locutores. Se não imita o Afonso Quintas, o Aldemiro
Cussivila, então imita o homem da Rádio Cinco. No fundo, a dicção – conforme se
diz, a ‘vibe’ – é quase a mesma. Há muita
igualdade na forma de se fazer locução. Mas não é tudo, não é? Há sempre um ou
outro que vai saindo, mas na sua generalidade, hoje não se cria como tal. Mas não
é por falta de oportunidade, tem-se dado oportunidade. A Rádio Morena tem
servido de escola de muitos outros locutores, por isso é que disse no princípio
que sou suspeito a falar.
Angodebates: Vocês já foram campeões de audiência. Hoje,
visivelmente, e é um pouco chato ter que dizer isso mas pensamos que a rádio
Benguela está a liderar, depois é que vocês talvez surgem. Há esse sonho
antiquado de a Rádio Ecclesia abrir, a Rádio Catumbela abrir. Como é que você
encara a concorrência? Acha que vai ser saudável, não vai?
DC: A concorrência é
sempre boa…
Angodebates: Mas os quadros são poucos no mercado. Não haverá
depois desfalque de umas rádios para outras? Ou acha que isso é inevitável no
mercado do emprego?
DC: Por acaso é
inevitável. Porque todo o concorrente quer sempre um nome. Portanto, onde puder
buscar um nome que lhe convém para trabalhar, para concorrer, se puder, faz-se.
Quanto à questão da concorrência, nós estamos. (risos) É muito discutível e
relativo. Cada um ao seu momento e à sua hora. Os ouvintes vão-se dividindo
como podem. É muito discutível. Aceitamos de facto que podemos ter uma quebra ou
outra, mas não é por falta de capacidade humana. Outras situações divergem-se
por essa falta de dinâmica, mas não há nada a temer na questão da concorrência.
Que venha a Rádio Catumbela; melhor ainda, porque isto vai fazer com que a
gente melhore o que está mal e demos maior dinâmica ao que já está posto. Que venha
a Rádio Ecclesia – até já devia. Estamos aqui.
Angodebates: Você trabalhou com uma pessoa incontornável da
sonoplastia, ou da engenharia de som, que é o mais-velho Mendes Filipe. De que
maneira é que ele influenciou, ou não, a sua trajectória?
DC: O senhor Mendes
Filipe não era só uma pessoa, conforme você denominou; era o mestre. A gente chamava-lhe
de engenheiro. Era mágico radiofónico. Aprendemos muito. Falar dele, não iríamos terminar hoje. Muito do que sei hoje, que também não consigo nem praticar porque
a questão técnica hoje é muito evoluída, mas temos tudo o que ele nos ensinou está na cabeça.
Angodebates: Obrigado.
Reportagem: Gociante
Patissa | Benguela, 02 Julho 2017
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