Nada fácil é a vida de repórter. A mulher, graças
a Deus!, tinha o necessário para a polivalência. Redacção, dicção, domínio da
língua. Tinha também – melhor dizer tem e terá – um rosto de cinema. Para estar
imune à erosão do tempo, agendada em forma de rugas e flacidez, a menina
cuidara de emoldurar fotografias da fase mais bonita de sua existência, a qual
congelou ao vigésimo aniversário. Como que predestinada à profissão, teve a
natureza o cuidado de apetrechar a sua fisionomia com volumes chamativos lá
onde o estímulo másculo espera ver no sexo oposto, de quando a quando uma valência.
Que o jornalismo – no sentido clássico de actividade de recolha, tratamento e
divulgação da informação – não é aquele bolo recheado que nos pintam os manuais
e as difusões, isso, só muito mais tarde – talvez tarde demais – ela provaria
quando, ao cabo de milhares de portas batidas, conseguiu atracar a bordo de um
bilhetinho na Redacção. Na típica vaidade de caloira olhou à volta para escrutinar
o valor dos anfitriões pelo preço de suas vestes. Sorriu de triunfo comparativo.
Era tudo a roçar o mal-amanhado, pelo que seriam serviçais de passagem, deduziu,
jornalistas é que não. Viu-lhe crescer a expectativa de primeiro dia de
funções, mas manteve-se quieta. Roía os dentes de ansiedade, sem tirar os olhos
da porta, porta pela qual entrariam as estrelas da voz. As horas iam sendo
engolidas pelo frenesim, e ninguém lhe dirigia palavra. Não fez drama, até
porque ela estava à espera dos jornalistas. Já lhe faziam confusão o recado tonitruante
do estômago e o matraquear da máquina de dactilografar. De repente, a sala
explodiu numa salva prolongada de palmas. O susto foi inevitável. Esteja calma,
é praxe cá da Redacção quando o noticiário central termina, esclareceu-lhe um
moço alto, hálito de tinto, tão magro, tão magro que parecia algo propositado…
para estar em forma a voz. Fala pausada, boca humana, articulação de máquina. Nessa
altura, a novata olhava para o relógio. 12h25. Chegara às 9h30. Desculpa não
lhe prestar atenção, é da azáfama para fechar. Eu sou o Editor Chefe,
apresentou-se o guardião do templo. Teve de esfregar os olhos para se certificar
de que as belas, brilhantes e simpáticas vozes moravam no mesmo corpo que aqueles
semblantes carrancudos, feições disformes e lábios avermelhados de anos etílicos
em garganta talhada à cascata. Foi-lhe logo atribuída uma jornalista sénior,
sua tutora. A província não deixa de acontecer na falta de escola técnico-profissional.
O Lead é o parágrafo de ataque. Uma boa notícia abre com conclusão. Grata,
chefe. O quê é o assunto; o quando já sabes; onde também tenho de te explicar? Espero
bem que não. Quem é o sujeito que é objecto da notícia. Como e porquê são facultativos.
Convém anotar, está bem? Não sou rica em tempo. Sim, chefe. Tens de ter bloco
de contactos, já sabes quão poucos nesta cidade falam com propriedade. Só fala
quem possui propriedades, chefe? Não, minha linda! Fala quem tem conhecimento
de causa. E tens de fazer uso do sentido de persuasão, percebes, mulher? Foi o dia
mais longo de sua vida. Mais graça tinha a tutora morando nas ondas hertzianas.
E décadas trouxeram o direito de varrer o seu whiskey de afinar garganta com os
demais. Evoluíra para sénior. Acima do erro, isto é… até ver. Um olhar pela
pauta, evento oficial à tangente. Um pouco facto, um pouco opinião, outro pouco
realização. Não há som. Sentido de persuasão, percebes, mulher? É a chefe a retinir
na memória. No começo o engenheiro relucta, mas acaba no papo. Sem anonimatos. Balanço,
números, vantagens. Ela não questiona o significado do nome, é irrelevante diante
do capital de prestígio no sotaque estrangeiro. Regressa à rádio, parte o
registo conforme o Lead, microfone no ar, reportagem caprichada. Sobe o indicativo
de fecho, cai o processo disciplinar. Problema? Falo Pinto era o nome da fonte.
Gociante Patissa | Benguela, 15 Julho 2017 | www.angodebates.blogspot.com
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