“Pode dizer-se que não há em Angola racismo que envolva
violência massiva e praticamente não existem actos de racismo com violência. O
racismo mais comum pelo mundo é o que pressupõe a supremacia dos mais claros,
como se o dia tivesse supremacia sobre a noite e como se ambos não se
complementassem apenas. Por cá existe este racismo tradicional, que foi herdado
do período colonial. Mas existem também outras manifestações de racismo, que
pressupõem que à supremacia demográfica de uns deva corresponder a sua
hegemonia e o afastamento dos grupos “raciais” menos expressivos.
Um e outro
racismo consideram elevada dose de egoísmo, pois em cada um dos casos se pega
nalgumas das diferenças somáticas perceptíveis para tirar algum benefício. Esta
é a questão fulcral a considerar: tal como sucede com a utilização da
diferenciação étnica, também se utilizam supostas diferenças “raciais” de forma
mais ou menos subtil, para procurar tirar vantagem económica, social ou
política. Temos, pois, de estar atentos a isso
(…)
A esmagadora maioria dos colonizadores e
seus descendentes abandonou Angola, de modo que terão desaparecido muitos dos
focos de racismo tradicional. Os “brancos” que ficaram são maioritariamente
pessoas que estavam contra a colonização, pessoas até que lutaram contra a
colonização, com armas e com canetas na mão. Portanto, o processo de
descolonização em Angola e em Moçambique não fez perpetuar a manutenção do
poder por parte de quem o detinha antes. Essa possibilidade existia, mas
felizmente não ocorreu.”
(…)
Parece-me que estão erradas aquelas
pessoas que consideram “raça” e etnia no mesmo patamar. Uma coisa é a
identidade étnica e outra a “raça”, enquanto construção social que supõe
aquelas diferenças físicas ou somáticas que nos interessam. Por que razão a
tonalidade da pele ou o formato do nariz hão-de ser biologicamente mais
importantes que o formato das orelhas ou o tamanho dos dedos? Mas as “raças”
foram socialmente construídas como foram, de modo que temos de viver com isso.
Agora, mesmo que consideremos a existência de várias raças humanas, não podemos
colocar “raça” e etnia no mesmo patamar. Ambas essas identidades são aprendidas
socialmente, mas enquanto a identidade étnica está presente em nós, com base
nos nossos elementos culturais e na nossa vivência, a verdadeira identidade
racial existe apenas naqueles países onde há racismo institucionalizado. Angola
está fora desse grupo, felizmente."
(In entrevista ao jornal O País, retomada
pelo Club-k)
Nota do blog Angodebates: Parece-me que a intenção do jornal foi boa, mas não deixa
de ser pouco realista abordar o assunto do racismo em Angola não ouvindo
pessoas das mais distintas origens e posições sociais. É como se diz em
Umbundu: "epute lyukwene ka lyukuvala" (Não se sente dor física da
ferida alheia)
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