(Um senhor, cinquenta e muitos anos, de elegantes casaco e aspecto, sotaque a oscilar entre o
Norte e o Sudoeste, emblema institucional na lapela, chama por via de gesto por
um desconhecido que lia o jornal Nova Gazeta em pé, à entrada do Terminal de
Partidas num aeroporto angolano, a quem entrega um luxuoso telefone, digital e
do tamanho de um envelope A5:)
"Pode-me tirar uma foto com os meus filhos?"
"Sim. Um momento, deixa-me só poisar o jornal."
"Mas não vou te pagar."
"Isso que acabou de dizer é um insulto, mas vou tirar mesmo
assim."
"Eu disse que me pedir para lhes tirar uma foto e dizer que não me
vai pagar era um insulto. Há pessoas que não são compráveis. E o que disse,
para mim, é um insulto."
"Mas há cidades onde a gente tem que pagar por tudo."
"Pois, mas há que reparar a reacção da pessoa a quem pede
favor."
"O que é um insulto? Defina-me insulto."
"Agora está a sofismar. Não sou eu que lhe vou ensinar o que é um
insulto."
"O senhor não gosta de debater?"
"Gosto, quando não é sobre algo óbvio."
"Enquanto não me definir insulto, não lhe vou pedir
desculpas."
"Não faz mal. Se lhe faz feliz não pedir desculpas, então não
peça. Mas mantenho que o que disse é um insulto."
(A filha, senhora que beira os quarenta anos, intercede:)
"Pronto, nós pedimos desculpas. É que há lugares onde temos que
dizer já que não vamos pagar isso ou aquilo. Bem, em Benguela, já vimos que
não é assim."
"Mas eu continuo a achar que não houve insulto."
"Para mim, as suas palavras representam um insulto. Fica assim.
Agora tenho que ir ao escritório".
Gociante Patissa, 10 Fev 2014
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Que cena! é o choque de culturas!
Ou apenas um erro de se julgar pela aparência.
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