quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Crónica: DIVAGANDO SOBRE A FIGURA DO EDITOR

A partir do momento em que se desperta em nós o interesse pelo jornalismo, passa a existir a figura do editor, aquele ser da hierarquia técnica que mais se identifica com o crivo. Daí que, por vezes, eu veja um pingo de redundância no título de editor-chefe, não havendo editor-subordinado. Pronto, terminologias são terminologias.

E veio mesmo a ser com certa desilusão que voltei a ouvir, durante o curso intensivo – ou básico – de jornalismo e técnicas de redacção, no ano de 2005, pelo formador de telejornalismo, no caso Leopoldo Muhongo, que, no contexto de televisão, editor é genericamente a pessoa faz a montagem das imagens. Tão pouco!

Não abrindo mão do “erro da primeira impressão”, concebo o editor como a figura que cuida do alinhamento noticioso (rádio e jornal). Em alguns casos, suscita frustrações de um repórter, quando corta, rectifica ou decide mesmo anular determinada matéria (pondo o entrevistador em dívida moral para com a fonte) ou, ainda, quando o “chefe” indica outra voz off (em televisão) para narrar certa matéria, dispensando o autor desta. O editor é soberano, diz o dogma jornalístico. Nesta acepção, parece que o editor é um dispositivo electrónico, um não humano e, em consequência, não subjectivo.

Aí entra o rol de complexidades que caracteriza as relações humanas. A par de escolher o que é publicável, segundo a linha editorial e o intangível “interesse público”, é ainda o editor quem faz os arranjos (ou “desminagem”, na gíria jornalística angolana, para textos de principiantes e/ou com graves debilidades no uso da língua). Ora, esse papel pressupõe que o editor tem aptidão superior aos demais (ou pelo menos à maioria). Será isso uma verdade? Visto de outro modo, será que o patrão leva isso em conta? Para as falhas do redactor-repórter está a “fiscalização” do editor. E quem “caçará” as falhas do editor, nos casos em que ele tem também matéria na banca?

Na mais comum das vezes, o repórter entrega a matéria ao editor, só tomando contacto com as “alterações de laboratório” quando o trabalho está já publicado, goste ou não. Não há tempo a perder nas redacções, dirá o editor para justificar o unilateralismo. Se o repórter se inquieta pelas “mexidas” (muitas vezes, com razão), arrisca-se a ser rotulado pela falta de humildade, para não falar de processos disciplinares por insubordinação. É certo que o editor não devia ser visto com latente antagonismo, costumeiro no exercício do poder, que é sempre de uns sobre outros. Que bons editores existem, existem.

Mas com que bases um editor define o certo e o errado? Cultura geral apenas? Pela legitimidade de ser o primeiro depositário das litigâncias? Não seria humildade também consultar os subordinados onde a “falha” não fosse tão evidente? Qual seria a saída?

Não tendo para já as respostas, julgo haver um detalhe a não ignorar: sem desprimor para o espírito de equipa, também não é menos verdade que o público não domina os bastidores e atribui a quem assinou um trabalho seus eventuais erros e incoerências.

Gociante Patissa, Benguela19 Fevereiro 2014
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