(*) António
Fonseca | Programa Antologia, Rádio Nacional de Angola | 27.04.2019
Muito já se falou sobre a questão das línguas nacionais
e, a ela associada, sobre a questão da toponímia e da identidade nacional. Como
o tema não está esgotado, aqui está, pois, o Antologia para trazer subsídios ao
debate que se impõe em torno da questão. Para tal, importará talvez elencar os
diversos aspectos que se levantam, de modo a que, sobre cada um deles, possamos
ir emitindo o nosso ponto de vista e talvez contribuir para que se faça luz
sobre a questão.
1 – Quanto à questão de definir o que são ou quais são as
línguas nacionais, no caso angolano, dissemos no último programa que, por
exclusão de partes, as mesmas só podem ser as línguas gentílicas das
comunidades socioculturais que habitam o território angolano, independentemente
da sua territorialidade ou de serem transfronteiriças. Para nos posicionarmos
ante a questão, partimos do Decreto Nº 77, de 9 de Dezembro de 1921, do Alto-comissário
e Governador de Angola, José Mendes Ribeiro Norton de Matos, que estabeleceu o
que passo a citar:
Artº 2º - Não é permitido ensinar nas escolas das missões
línguas indígenas.
Artº 3º - O uso da língua indígena só é permitido em linguagem falada nas catequeses e, como auxiliar, no período do ensino elementar da língua portuguesa. & 1º - É vedado na catequese das missões, nas suas escolas e em qualquer relação com os indígenas, o emprego das línguas indígenas ou de outra linguagem que não seja a portuguesa (...)
Artº 3º - O uso da língua indígena só é permitido em linguagem falada nas catequeses e, como auxiliar, no período do ensino elementar da língua portuguesa. & 1º - É vedado na catequese das missões, nas suas escolas e em qualquer relação com os indígenas, o emprego das línguas indígenas ou de outra linguagem que não seja a portuguesa (...)
Portanto, chegados aqui, com alguma razoabilidade, somos
forçados a afirmar que o próprio Alto-comissário e Governador de Angola, José
Mendes Ribeiro Norton de Matos, foi quem, por oposição entre as línguas
indígenas e a língua portuguesa, definiu já em 1921 que as línguas indígenas
são as línguas nacionais de Angola.
2 – Quanto à questão da Toponímia e Identidade Nacional,
são dois aspectos que andam muito ligados. A questão que amiúde se coloca é a
de se não deveriam ser mantidos os antigos nomes de localidades, de ruas e de
avenidas e mesmo se as estátuas do período colonial não deveriam voltar a
ocupar o seu antigo lugar. As opiniões dividem-se e verificamos que se vai
impondo uma certa tendência de fazer ressurgir tais nomes. Ora, todos sabemos
que a toponímia, os nomes de ruas e lugares, não são dados por mero acaso. São
dados para exaltar um feito ou uma figura. Por esta ordem de razão, os heróis e
feitos heróicos do colonizador não são os heróis nem os feitos heróicos do
colonizado. Por outro lado, a toponímia visa cimentar valores e caucionar uma
identidade. Por esta ordem de razão, de igual modo, a perspectiva do colonizado
não pode ser a perspectiva do colonizador.
3 – No pós-independência a alteração dos nomes foi vista
como “uma forma de marcar a vitória pela a independência e como afirmação da
identidade africana dos angolanos independentes, há muito oprimida
institucionalmente pelo colonialismo. Este era também um dos objectivos de
movimentos como “Vamos Descobrir Angola” onde participaram figuras como Viriato
da Cruz, António Jacinto e Luandino Vieira”[1] e, de um modo geral, dos
grandes poetas da geração da Mensagem.
Perguntarmo-nos pois se faria sentido voltar a chamar
Cidade de Salazar à Cidade de Ndalatando, ou se faria sentido voltar a chamar
Cidade de Carmona à Cidade do Uíge? Cremos que não, pois estaríamos a
homenagear aqueles que tanto dano causaram ao nosso povo e que nem na sua
respectiva pátria merecem tal homenagem. Já agora, pergunto-me por que razão a
Cidade do Namibe voltou a ser chamada de Cidade de Moçamedes. Será que se quis
homenagear o tráfico negreiro, ou a reposição de tal nome terá sido apenas
fruto da ignorância? Como dizia o escritor Pepetela, chamar Moçamedes ao Namibe
equivale a chamar Salazar a Ndalatando ou Carmona ao Uige[2].
Para quem queira ouvir e portanto reflectir sobre a
manutenção do nome de Moçamedes para a cidade do Namibe, importa dizer que o
Barão de Moçamedes, em cuja honra foi no tempo colonial dado o seu nome àquela
cidade, foi uma das principais figuras do tráfico de escravos em Angola. Senão
vejamos:
a)
Barão de Mossâmedes
(ou barão de Moçâmedes) foi um título de juro e herdade criado por carta régia
de 13 de Agosto de 1779 da rainha D. Maria I a favor de José de Almeida e
Vasconcelos, um militar e governador-geral de Angola. A propósito de Moçâmedes,
pode ler-se no artigo Namibe, Cecil Rhodes, descolonização e o Barão de
Moçâmedes, publicado na página ANGONOMICS[3].
b)
“O nome Moçâmedes é
uma homenagem ao antigo governador-geral de Angola, José de Almeida e
Vasconcelos Soveral e Carvalho, o Barão de Moçâmedes (ou Mossâmedes). Quando
ordenou a exploração de terras a sul de Benguela em 1785, o Barão despachou o
tenente-coronel Luís Cândido Cordeiro Pinheiro Furtado e o sargento-mor
Gregório José Mendes e quando chegou à Angra do Negro – o nome pelo qual os
portugueses conheciam a zona do porto do Namibe por ser um local de embarcação
de escravos – rebaptizou o local como Porto de Moçâmedes em homenagem a José de
Almeida e Vasconcelos.
José de Almeida e Vasconcelos, que antes de cumprir a
missão em Angola foi um capitão-mor de sucesso na capitania de Goiás no Brasil,
para onde foi enviado pelo Marquês de Pombal, chegou a Angola em 1784 e tinha
entre as suas prioridades retomar o controlo metropolitano do comércio de
escravos e das receitas aduaneiras inerentes ao comércio de pessoas que estava
a ser dominado por comerciantes baseados no Brasil.
Durante o governo de José de Almeida e Vasconcelos, o
Barão de Moçamedes, entre 1784 e 1790, o tráfico de escravos atingiu níveis
recorde na colónia de Angola, como escreveu Joseph Calder Miller. Assim, retomar
o nome de Moçâmedes é efectivamente homenagear um servidor diligente do
colonialismo, sendo amplamente considerado como um servidor público de
qualidade pelos serviços prestados para o império português; a causa que serviu
jogou em muitos aspectos contra a causa dos povos de Angola.
Com o regresso ao nome colonial, Moçâmedes, passa-se a
homenagear uma pessoa ligada à administração colonial em pleno período de
vigência do comércio transatlântico de escravos, a principal actividade
comercial e principal fonte de receitas para administração colonial em Angola.”
Pelas questões apresentadas acima, fica a ideia que a
decisão de passar o nome da cidade do Namibe para Moçâmedes foi baseada em
informação frágil uma vez que representa efectivamente uma homenagem a um homem
cujas acções, por iniciativa própria ou por inerência das funções que
desempenhava, o desqualificam para qualquer tipo de homenagem toponímica na
Angola de hoje. Portanto, parece-nos ser esta uma questão para reanalisar...
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Biografia
António Antunes Fonseca nasceu no Ambriz em 1956.
Licenciado em Economia pela Universidade Agostinho Neto, é diplomado em Estudos
superiores especializados de políticas culturais e acção artística
Internacional pela faculdade de Direito e ciências políticas da Universidade de
Bourgogne, França.
É o actual PCA do Memorial Dr. Agostinho
Neto, em Luanda. Dirigiu a Empresa Nacional de Discos e de Publicações desde
1982 e já dirigiu o Instituto do Livro e do Disco de 1983 a 1994. Iniciou a
actividade jornalística na Emissora Católica de Angola, ingressado
posteriormente na Rádio Nacional de Angola, onde desde 1978, realiza e
apresenta o programa Antologia.
Membro da União dos Escritores Angolanos
(UEA), foi co-fundador da Brigada Jovem de Literatura e da Associação
Angolana dos amigos do livro. Publicou Raízes, Sobre os Kikongos de Angola,
Poemas de Raíz e Voz, e Crónicas dum Tempo de Silêncio. Figura em algumas
antologias e possui colaboração dispersa em alguns jornais e revistas
luandenses.
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