Foto de autor desconhecido |
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder... O poder não sai de uns certos grupos como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, num rumor de risos.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no poder, esses homens são,
segundo a opinião e os dizeres de todos os outros que lá não estão — os corruptos, os esbanjadores da fazenda, a ruína do país!
Os outros, os que
não estão no poder, são, segundo sua própria opinião e os seus jornais — os verdadeiros liberais, os
salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do País.
Mas,
coisa notável! — os cinco que estão no poder fazem
tudo o que podem para continuar a ser os esbanjadores
da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não
estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de ser o mais
depressa que puderem — os verdadeiros liberais, e os interesses do país!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros, os verdadeiros liberais, entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país; entanto que os que caíram do poder se resignam, cheios de fel e de tédio — a vir a ser os verdadeiros liberais, e os interesses do país.
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros, os verdadeiros liberais, entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país; entanto que os que caíram do poder se resignam, cheios de fel e de tédio — a vir a ser os verdadeiros liberais, e os interesses do país.
Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze
indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da fazenda e ruína do país...
Não há nenhum que não tenha sido demitido, ou obrigado a pedir a demissão,
pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis...
Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas — pela imprensa, pela palavra dos
oradores, pelas incriminações da opinião, pela afirmativa constitucional do
poder moderador...
E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o
País, neste caminho em que ele vai, feliz, abundante, rico, forte, coroado de
rosas, e num chouto tão triunfante!
Daqui provém também este caso singular:
Um
homem tanto é célebre, tanto mais consagrado, quantas mais vezes tem sido
ministro — isto é, quantas mais vezes tem
mostrado a sua incapacidade nos negócios, sendo esbanjador da fazenda, ruína do país, etc.
Assim, o Sr. Carlos Bento foi a primeira vez ministro
da Fazenda. Teve a sua demissão, e não foi naturalmente pelos serviços que estava fazendo à sua pátria, pelo engrandecimento que estava dando à receita pública, etc... Se caiu foi porque naturalmente a opinião, a imprensa, os partidos coligados, o poder moderador, o julgaram menos conveniente para administrar a riqueza nacional. E o Sr. Carlos Bento saiu do poder com importância.
da Fazenda. Teve a sua demissão, e não foi naturalmente pelos serviços que estava fazendo à sua pátria, pelo engrandecimento que estava dando à receita pública, etc... Se caiu foi porque naturalmente a opinião, a imprensa, os partidos coligados, o poder moderador, o julgaram menos conveniente para administrar a riqueza nacional. E o Sr. Carlos Bento saiu do poder com importância.
Por
isto foi ministro da Fazenda uma segunda vez. Mostrou de novo a sua
incapacidade — pelo menos o julgou, por essa
ocasião, o poder moderador, impondo-lhe a sua demissão. E a importância do Sr.
Carlos Bento cresceu!
Por consequência foi terceira vez ministro. Caiu; devemos portanto ainda supor
que naturalmente deu provas de não ser competente para estar na direcção dos
negócios. E a sua importância aumentou, prodigiosamente!
É novamente ministro: se tiver a fortuna de ser derrubado do poder, e convencido pela opinião de uma incapacidade absoluta, será elevado a um título, dar-se-lhe-ão embaixadas, entrará permanentemente no Almanach da Gotha...
Ora tudo isto nos faz pensar
—
que quanto mais um homem prova a sua incapacidade, tanto mais apto se torna
para governar o seu país!
E, portanto, logicamente, o chefe do Estado tem de proceder da maneira seguinte
na apreciação dos homens:
O caloiro Eleutério, dando outro passo largo, fica reprovado no 1º ano da
Faculdade de Direito. O poder moderador exulta, e quer a todo o transe ter com
ele umas falas sérias.
De modo que, se um homem se pudesse apresentar ao chefe de Estado com os seguintes documentos:
Espírito de tal modo bronco que nunca pôde aprender a somar;
Reprovações sucessivas em todas as matérias de todos os cursos.
O
chefe do Estado tomá-lo-ia pela mão, e bradaria, sufocado em júbilo:
-
Tu Marcellus eris! Tu serás, para todo o sempre, Presidente do Conselho!
Eça
de Queiroz, do livro As Farpas, Junho de 1871, in «A Palavra e a
Diferença», 1986, pág. 175-6. Porto Editora. Portugal)
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