Política
linguística deve ser revista para dar um estatuto as outras línguas nacionais,
reivindica escritor e linguista Gociante Patissa. Para ele, promoveu-se o
português e descurou-se das outras, promovendo a exclusão. E
o seu primeiro prémio, enquanto escritor, deveu-se ao empenho na divulgação do
Umbundo, sua língua materna. A DW África conversou com o escritor angolano
sobre a política linguistíca em Angola.
DW
África: É linguista e o seu primeiro prémio deveu-se ao seu empenho na
divulgação do Umbundo. Alia sempre a sua formação às suas obras?
Alguns livros de Gociante Patissa |
Gociante
Patissa (GP): É inevitável por um lado. Por outro lado, sou um ser
insatisfeito em relação à questão da política linguística em Angola. Penso que
criamos um monstro chamado língua portuguesa e descuramos do resto. E às vezes
compreendo, penso que houve uma necessidade ao longo dessas décadas de
conseguir um equilíbrio enquanto nação, fazendo desse conjunto de nações uma
só, já que por detrás da língua há outros fatores. Mas é altura de repensarmos,
há pessoas que vão nascer, crescer e morrer sem lhes fazer falta a língua
portuguesa. Então, uso as técnicas científicas para ao meu nível promover a
minha língua, o que é difícil porque temos ainda o problema da dualidade de
grafias. Não entendo porque uma língua tem de ter duas grafias diferentes,
vamos falar da colonização e da igreja, mas as línguas são anteriores a
colonização e a igreja. O católico e o protestante falam a mesma coisa, mas
quando chega a hora de codificar codificam diferente. Isso depois tem como
consequência o desencorajamento da produção em línguas nacionais, como é que
vão ler?
DW África: Ainda
sobre a política linguística em Angola, no que se refere a promoção das outras
línguas nacionais o que gostaria de ver melhorado?
GP: Muita
coisa, primeiro é a questão da política do Estado e o Estado tem de
assumir isso, mais do que tem feito até agora. Sei que há um estudo de
harmonização. Em 2012 fui entrevistado por uma jornalista inglesa e soube
através dela que tinha sido encomendado um estudo a um académico africano para
a harmonização ortográfica das línguas de matriz Bantu. Até hoje, volvidos 20
anos, não se sabe pelo menos o ponto de situação. Depois é a maneira como se
olha [para elas], o status secundário
é atribuído as línguas nacionais. O jornalismo, por exemplo, é feito em língua
portuguesa, mas quando se fala em jornalismo em línguas nacionais na verdade
não é jornalismo, é tradução a quente do texto em português e as deturpações
que disso advém. Portanto, é preciso dar as línguas os estatutos que elas
merecem. Tem de se fazer muita coisa, estou a reclamar do Estado porque ele é o
decisor e quem superintende ao nível macro as políticas. Mas depois há também
há questão do cidadão, por exemplo, na rua, eu falo muito bem o umbundo melhor
até que o português, se eu saudar uma varredora de rua [em umbundo] ela me vai
automaticamente responder em português, porque ela interpreta que lhe estou a
desqualificar. Naturalmente há algumas províncias que dão algumas expetativas,
eu gosto de ir ao Huambo, lá há menos complexos do que há em Benguela e em
outras províncias, mas ainda assim não satisfaz. É preciso dar um suporte a
isso. Por dia a televisão tem cerca de meia hora de noticiário em umbundo, o
que é meia hora? É nada.
DW África: No
seu percurso houve também uma passagem pela rádio, aliás, o que também
transportou para a sua escrita. Gosta da forma como se faz rádio em Angola?
GP: Não,
não gosto porque tenho estado a ler muito e leio um autor cubano que se chama
Ignácio Virgil?? que diz que a rádio deve transmitir a vivência da comunidade.
E atualmente penso que o conceito de rádio é um pouco elitista e de exclusão,
faz-se muito o trabalho de estúdio, fala o artista, fala o empresário, fala o
comerciante, fala o governante e às vezes fala o académico, [mas] o cidadão
comum não fala para a rádio, a não ser que tenha saldo para o telefone ou que tenha
cometido um crime e queira prestar contas a sociedade. Eu gostaria de ter uma
rádio mais virada para a integração, para a promoção cultural, uma rádio onde a
pauta informativa não relegasse para o fim do noticiário, por exemplo um evento
cultural. Temos rádios especializadas no desporto, poderíamos pensar em rádios
especializadas na cultura. Já há um jornal, infelizmente é quinzenal e tem uma
circulação bastante complexa e limitada. Gostaria de uma rádio, mas não banal,
que saiba ser o rosto da comunidade.
DW África: Há
no seu país uma restrição considerável no que diz respeito a abertura de
rádios. Com vê isso no contexto do acesso a informação e da liberdade de
imprensa?
GP: Deixei
de fazer jornalismo há alguns anos, então não estou tão inteirado sob o ponto
de vista dos "dossiers" do assunto e é um pouco arriscado tecer
comentários mais profundos quando a gente não está tão familiarizada com os
assuntos mais recentes da área.
Mas eu acho que é complexo, pelos debates que vou acompanhando o quadro que se avizinha não é muito bom porque primeiro mata a figura do freelancer. Doravante fazer jornalismo significa pertencer a uma empresa, isso faz com que a subserviência seja ainda maior, porque se você for minha diretora e eu refilar consigo automaticamente eu deixo de fazer jornalismo. E outra coisa, havia uma esperança de abertura de rádios comunitárias e penso que no atual figurino as rádios ainda não foram contempladas. Então, o que vai acontecer, vamos ter uma relação muito tensa entre o profissional as entidades empregadoras, penso que não é um quadro muito bom. Era bom ouvir o outro lado também, temos estado a ouvir o outro lado das pessoas que são contra o espírito da nova lei, então era bom ouvirmos o outro lado e percebermos os seus fundamentos. Mas penso que o quadro que se avizinha não é de todo próspero.
Mas eu acho que é complexo, pelos debates que vou acompanhando o quadro que se avizinha não é muito bom porque primeiro mata a figura do freelancer. Doravante fazer jornalismo significa pertencer a uma empresa, isso faz com que a subserviência seja ainda maior, porque se você for minha diretora e eu refilar consigo automaticamente eu deixo de fazer jornalismo. E outra coisa, havia uma esperança de abertura de rádios comunitárias e penso que no atual figurino as rádios ainda não foram contempladas. Então, o que vai acontecer, vamos ter uma relação muito tensa entre o profissional as entidades empregadoras, penso que não é um quadro muito bom. Era bom ouvir o outro lado também, temos estado a ouvir o outro lado das pessoas que são contra o espírito da nova lei, então era bom ouvirmos o outro lado e percebermos os seus fundamentos. Mas penso que o quadro que se avizinha não é de todo próspero.
DW África: Tem
um blog ou dois?
GP: Tenho
dois, o Angodebates, que generalista e o Ombembwa, palavra umbundo que
significa paz. Inicialmente [este último] era para ter mais conteúdo de natureza
linguística, mas não tenho tido muito tempo para fazer pesquisa, então é mais
passivo que o Angodebates.
DW África: Os
seus blogues são uma plataforma para o seu mundo literário?
GP: Sim,
mas agora há uma inversão, quando começou o maior número de leitores era
de Portugal, Brasil e só depois de Angola. Depois houve uma inversão, penso que
há duas variáveis: uma é que houve melhorias em Angola no acesso a internet,
não podemos negar isso, e por outro lado penso que passou a haver também maior
interesse para o consumo interno dos blogues. E é interessante porque essa
inversão surge numa altura em que já há o Facebook e outras plataformas que
poderiam distrair. E os meus blogues, tal como o Facebook acabam também por
divulgar a minha obra em quanto escritor, Vou lá colocar fragmentos, há contos
que na verdade evoluem de crónicas, é uma estrada de dois sentidos.
DW África: Homem
de muitas paixões, já vi que não se separa da sua máquina fotográfica. Fale-nos
desse mundo também...
GP: Vivo
profissionalmente numa área que não gosto, acho que nunca gostei e nunca vou
gostar. Respeito e tenho uma atitude profissional, mas se não faço arte eu
expludo. Trabalho há quase dez anos na aviação, não é uma área que me apaixona,
não sou hipócrita e não finjo que me agrada. Tenho bom emprego, mas em termos
de natureza da atividade não é o que gostaria [de fazer]. E isso
empurra-me com cada vez mais energia para aquilo que eu gosto. A minha ligação
com a fotografia tem também a ver com a sobrevivência, quando aos 15 anos
precisei de arranjar emprego para pagar os meus estudos na sétima classe fui
bater a porta a uma casa de fotografia, penso que já havia uma relação. Então
aprendi a fotografar, mas numa perspetiva mais comercial, mas ao longo desses anos
sempre fui fazendo fotografia de autor e nos últimos tempos, com um pouco mais
de recursos, fui evoluindo. Faço umas mais documentais e outras artísticas, é
uma paixão muito grande. Acho que no futuro, na reforma, eu já a andar de
bengala vou dedicar-me só à fotografia.
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