A
coincidência de datas entre o nascimento e a morte de Esperança Lima Coelho Vilhena “Panchita”
é de inspirar. Veio ao mundo há 89 anos num dia 25 de Março (fim-de-semana) e
precisamente num dia 25 de Março, ontem portanto na cidade de Benguela, congelou
o fôlego (de causas naturais). Imagina-se que tenha apanhado de surpresa
familiares e mais próximos que preparavam o carinhoso bolo e a vela a apagar. Feliz
aniversário, querida, dá lugar ao Adeus, paz à sua alma.
Há
pessoas que marcam a história de emblemáticas cidades e se tornam figuras
públicas pelo simples facto de existirem tal como são, inspiradoras. Uma dessas
pessoas, falando de Benguela, é a beldade esperança Lima Coelho Vilhena “tia Panchita”,
celebrizada pelo poema “Meu Amor da Rua Onze”, de Aires de Almeida Santos (Bié 1921 - Benguela 1992).
O
poema, datado ainda da época colonial, quando ela morava na Rua 11 do Bairro
Benfica, subúrbio, vigora aos dias de hoje, tão intemporal que a Banda
Maravilha o musicou e por esta via vai dando corpo a versões e roupagem bwé.
“Meu
Amor da Rua Onze” acabaria por constituir uma espécie de mistério, porquanto retrata
um fulgurante romance reivindicado como facto consumado e desfeito por
força-maior, o que no entanto a musa não viria a confirmar, repetindo em várias
entrevistas que teriam sido ligados, musa e poeta, por nada mais do que uma
relação de profunda amizade. Consta, como curiosidade adicional, que Aires
teria (também de causas naturais) dado os últimos suspiros ao colo de Panchita.
Não se conhecem, todavia, registos do poeta a dizer de sua justiça quanto
haveria de verdade ou de pura ficção no poema. A este respeito, o que se pode, sem
medo de errar, é afirmar que o poema cumpriu o seu papel enquanto obra de arte,
o de perpetuar a inquietação na mente do leitor.
Para
além de ser tia de um amigo e amiga de vários outros, nunca pessoalmente
cheguei a um dedo de prosa com a “tia Panchita”. O único diálogo que tivemos ela
e eu foi tácito, aquele olhar de anuência para a objectiva da minha máquina
fotográfica, seguido de um já muito rouco “obrigada”, no passado dia 9 de
Janeiro de 2017, quando concedeu o que julgo ter sido a sua última entrevista
ao jornalista e escritor Kajim Ban-Gala. Antes disso, tinha ocasionalmente cruzado
com ela pela cidade meia-dúzia de vezes, nos últimos tempos já acomodada em
cadeira de rodas, rendida ao peso dos anos e da frágil saúde.
Foi-se um dos mais significativos (e raros) símbolos da literatura angolana. Nem tudo está perdido. Como li algures certa vez, "se um escritor se apaixona por ti, então tu jamais morrerás".
Gociante
Patissa, 26.03.2017
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MEU
AMOR DA RUA ONZE
Tantas
juras nós trocámos,
Tantas
promessas fizemos,
Tantos
beijos nos roubámos
Tantos
abraços nós demos.
Meu
amor da Rua Onze,
Já
não quero
Mais
mentir.
Meu
amor da Rua Onze,
Meu
amor da Rua Onze,
Já
não quero
Mais
fingir.
Era
tão grande e tão belo
Nosso
romance de amor
Que
ainda sinto o calor
Das
juras que nós trocámos.
Era
tão bela, tão doce
Nossa
maneira de amar
Que
ainda pairam no ar
As
vezes promessas, que fizemos.
Nossa
maneira de amar
Era
tão doida, tão louca
Qu´inda
me queimam a boca
Os
beijos que nos roubámos.
Tanta
loucura e doidice
Tinha
o nosso amor desfeito
Que
ainda sinto no peito
Os
abraços que nós demos.
E
agora
Tudo
acabou
Terminou
Nosso
romance
Quando
te vejo passar
Com
o teu andar
Senhoril,
Sinto
nascer
E
crescer
Uma
saudade infinita
Do
teu corpo gentil
de
escultura
Cor
de bronze
Meu
amor da Rua Onze.
(Aires
de Almeida Santos)
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