Texto de David Calivala, Lobito, 15.02.2016 |
Quando
eu era miúdo, ia quase sempre ao campo com a minha avó. Primeiro, por gostar de
estar na companhia dela, como gostavam todos os miúdos da minha época, de ficar
com seus avós. Segundo, porque gostava do campo: do cheiro da terra molhada da
rega, de ouvir o chilrear dos pássaros, e acima de tudo da acalmia que o verde
das plantas me proporcionava, e com ele aprofundava mais a minha certeza de que
quando crescesse queria ser engenheiro agrónomo.
Certo
dia, fomos ao campo e ela trazia na sua quinda, entre outras coisas, três paus.
Quando chegamos, ela pediu-me para ajuntar e queimar o capim seco que estava ao
redor dos canteiros de batata. – Mas eu não valho pra mais nada, além de
queimar capim? – pensei eu.
Óvê, queima já o
capim! Quero que vais fazer outra coisa antes de assares as batata que estou a
cavar. – disse a vovó.
Queimei
rápido o capim. Não sei se o fiz com tanta pressa porque minha avó me dissera
que faria outra coisa, e com isso me sentindo afinal valioso, ou se pela promessa
de assar as batatas para o repasto. Só sei que num abrir e fechar de olhos eu
tinha o capim todo ajuntado e a arder.
–
Pega naqueles três pau que estão na bacia e lhes põe de pé nos buraco que
cavei. Mas não lhes põe só muito perto, lhes separa. – disse a vovó.
Não
entendi o porquê daquela ordem, mas também não questionei. Aos mais velhos não
se questiona, cumpre-se. Pois eles sabem o que nos mandam. Assim é o
ensinamento que recebemos dos nossos ancestrais, que aos poucos vai caindo em
descrédito.
Após
espetar os paus nos buracos que avó tinha cavado, anuncio o cumprimento das
ordens há pouco recebidas. – avó, já está.
Agora
assa as batata, porque daqui a pouco o sol já vai começá entrar. – disse a vovó.
Assei
as batatas, comemos e repousamos. A vovó pegou novamente no balde e voltou a regar a pouca plantação
que ficara sem rega antes do comer. Entardeceu e voltamos para casa.
Passado
algum tempo, a vovó leva-me novamente à lavra e o que eu vi parecia milagre: os
paus que eu tinha espetado no chão estavam ramificados e as folhas eram algumas
que usávamos como acompanhante para o funje. Eram folhas de mandioqueira.
Fiquei tão maravilhado que não tirava os olhos daquela plantação. Parece que eu
tinha gerado ou mais do que isso, devolvido vida a alguém, que lindo!
Voltamos
para casa e não pensava mais em outra coisa se não naquelas folhas verdes e
tenrinhas.
Pensei
tanto nelas até que um dia a avó chega e diz:
–
Hoje vamos arrancar a mandioca que semeaste.
Como
assim? Eu não me lembrava ter semeado mandioca alguma, a avó não deve estar a
bater bem da cabeça. Mas pronto, como eu gostava mesmo era de ficar com a avó e
quanto mais não fosse acompanha-la a lavra, lá fomos nós. E postos no local,
vovó regou as mandioqueiras, aguardou alguns minutos e arrancou uma delas. O
tubérculo que compunha as características da raiz não me era alheio. Fiquei
atónito. Acabavam de desmoronar o mundo que eu havia construído. Pela primeira
vez fiquei furioso com a minha avó e desta vez questionei-lhe:
–
Porquê que fez isso vovó? Então arrancas o que eu semeei assim, sem mais nem
menos?
–
É meu, é meu… antão não sou eu que te dei os pau para semear? Não sou eu que
regava sempre? Os bicho que comem as folha não sou eu que andei matá com os
pisticida, aka! Você assim me faz lembrar aqueles pai que só nasci e depois num
cria o filho. Quando o filho cresce e vira homem grande, ele aparece a porque o
teu pai sou eu mesmo. Isso assim é bom?
–
Pronto já, avó…
–
Ham, mas pronto mesmo. Agora arranca este outro para você comeres.
Com
o coração aos solavancos arranquei o segundo pé de mandioqueira e guardei as
mandiocas. Quando a minha avó descobriu que eu as tinha guardado, reagiu como se a minha vida futura dependesse daquelas
mandiocas.
–
Óvê, você não sabes que tens que
comer mandioca crua para as mulheres não te fugirem? A mandioca faz bem nos
homens e você tens que te habituar já. Se não as mulheres toda hora vão te
fugir. Se estás a ver os mais velho ainda ficam com as miúda afinal pensas que
andam comer quê, frango?
– Afinal é assim!? Eu só não queria comer para guardar e me lembrar sempre da
mandioqueira que plantei. Estive a sentir pena da mandioca.
–
Aprende já mesmo assim: na vida, muitas vezes vais ter que estragar o que já
construíste para crescer noutras parte. Se você andar guardar tudo que
trabalhaste, porque tens pena de gastar, são os teus filho e a tua mulher que
vão sofrer. Na vida tem que ser mesmo assim: aquilo que saiu lá no teu suor,
você come já e amanha trabalha outro. Se não vais ficar só como aqueles que se
matam a trabalhar e depois morrem pro causa do talo trabalho e depois só deixa
confusão nos que ficam, pra saber como vão se dividir. Eu mesmo se cheguei até
aqui, é porque não guardo muitas coisas que quando eu morrer já não vou levar,
ouviste?
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Nota do Blog Angodebates: No ano em que completa o 10.º aniversário, o nosso Blog lançou um desafio de crescer junto com os seus leitores, abrindo para o efeito uma oficina para a divulgação de contos, crónicas e poesia de autores com ou sem livros. Como é natural, teremos colaboradores principiantes, pelo que lá onde for necessário, a gestão editorial do Blog fará ou sugerirá arranjo. O que esperamos é no futuro olhar para o primeiro texto de cada colaborador e festejarmos o progresso que for alcançando.
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Bem me recordo dessas estacas de mandioca que espetávamos na chitaca, depois colhíamos as folhas e a mandioca. Uma harmonia perfeita entre a terra e o homem.
Abraço
Boas lembranças, sem dúvida, caro Manuel Luís. O homem está eternamente ligado à terra.
Outro abraço
Grande lição, obrigado Sr. Professor
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