«Nós muitas vezes acusamos “o outro” de nos ter colonizado. Portanto, o
nosso discurso quase sempre faz referência à colonização portuguesa, mas nós
nos esquecemos do “colonialismo” de nós próprios. Hoje há mais repressão aos
curandeiros do que no tempo dos portugueses. Hoje, há mais assimilação da
cultura do “outro” do que no tempo de Portugal. A libertação nacional ou a
libertação espiritual é um processo que deve continuar.» - Paulina Chiziane, escritora
moçambicana ao programa A Páginas Tantas, canal TVM de Macau, disponível no
Youtube
quinta-feira, 31 de julho de 2014
Interessante contraponto de uma escritora moçambicana
Entrevistador (TVM de Macau, programa A Páginas Tantas): “Recusa também, com insistência, o rótulo de romancista. Diz
sobretudo que é uma boa ouvinte e que, a partir das histórias que ouve,
torna-se uma longa contadora de histórias. Porquê a recusa deste estatuto de
romancista quando tem uma obra traduzida pelo mundo todo?”
Paulina Chiziane (escritora moçambicana): “Eu acho que o mundo está habituado a pôr rótulos em todas
as coisas. Nós queremos liberdade, mas as pessoas nos rotulam. E a partir do
momento em que a pessoa é rotulada de alguma coisa, tem que pertencer a esse
gueto. Romance é algo europeu, pelo menos veio com os europeus para o nosso
país, faz parte da academia europeia. Eu sou africana, contacto com o romance,
sim. Agora, se eu aceito ser romancista, eu tenho que cumprir com as normas do
romance, e eu não quero. Eu quero escrever em liberdade aquilo que me dá na
cabeça. Porque se eu me apresento ao mundo como romancista, as pessoas vão
querer cobrar de mim aquilo que são as regras de um bom romance. Estou a fugir
das regras, é só isso.”
quarta-feira, 30 de julho de 2014
Homenagem: Artista plástico Délio Batista lembrado por Isidro Sanene, seu ex-aluno
Isidro Sanene (esq) e Délio Batista, arquivo GP |
Isidro Sanene, artista plástico angolano actualmente na diáspora, 29/07/2014
Trecho
«Presenciava, inconformado, o funeral. A poucos passos do túmulo, um atraente vaso na cabeceira de uma campa de humilde aparência saltou-lhe à vista. Seria natural ou artificial? Agachou-se. Arrancou uma folhinha. O verde húmido entre o polegar e o indicador, ao esmagá-la, respondia: «natural, claro!». A planta, sem lhe dizer há quanto tempo não era irrigada, só mostrou que tem sobrevivido no meio de outras plásticas em vasos cheios de água. E a conversa com as flores não mais parou, o locutor Caçule ficou maluco.»
Gociante Patissa, in «A Última Ouvinte», pág. 25. União Dos Escritores Angolanos, Luanda, 2010terça-feira, 29 de julho de 2014
Diário: JULHO COM CARA DE BAÍA
Faltavam poucas pás para completar a saliência
do túmulo. A família pede, se está cá um colega de serviço, que possa dizer
algumas palavras. Surgiram olhares no vazio, uns à direita, outros à esquerda.
Nada é mais esclarecedor do que o silêncio. O enterro se completa, a família é,
afinal, o que resta quando o resto é tão abstracto como os próprios ideais. Na
semana seguinte, porque muito bons camaradas, estão os camaradas a querer saber
para quando o komba, para o qual havia fundo e disponibilidade humana. Não, nós
não choramos e festejamos a morte ao mesmo tempo, não sabemos fazer isso. Hoje
é terça-feira, Julho até já está a acabar, que se lixe a crónica.
MARCAS DO NAMIBE
Se
deserto
é
inerte
de
conceito
vai
defeito
léxico
na
culpa
das
cores.
Ora
verde
ora
castanho
é
Namibe
d’acordes
ventos
passos
modernos
no
mahini
do
mucubal.
Na
pacata
transição
de
cenários
rios
são
fios
dourados
contornando
serras.
O
que
sussurra
a
marginal
é
jura
de
pé
de
orelha
de
amantes
em
orgasmo
pura
inconfidência
partilhar.
Qual
sinal
em
mármore
quem
por
ele
passar
há-de
regressar.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014. Pág. 26. Nóssomos, Lda. Luanda, Angola / V. N. Cerveira, Portugal.
deserto
é
inerte
de
conceito
vai
defeito
léxico
na
culpa
das
cores.
Ora
verde
ora
castanho
é
Namibe
d’acordes
ventos
passos
modernos
no
mahini
do
mucubal.
Na
pacata
transição
de
cenários
rios
são
fios
dourados
contornando
serras.
O
que
sussurra
a
marginal
é
jura
de
pé
de
orelha
de
amantes
em
orgasmo
pura
inconfidência
partilhar.
Qual
sinal
em
mármore
quem
por
ele
passar
há-de
regressar.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014. Pág. 26. Nóssomos, Lda. Luanda, Angola / V. N. Cerveira, Portugal.
Aviação: Rota Angola-Alemanha com mais um voo semanal a partir de Setembro
A companhia alemã Lufthansa, que opera com aeronaves do tipo Airbus
A340-300, tem agendada para a segunda quinzena de Setembro a entrada em
vigor da sua nova programação, segundo uma nota daquela empresa chegada ao
blogue Angodebates por e-mail e assinada pela assessora de imprensa em
Luanda, Margarida Pereira-Müller.
O voo LH561 partirá de Luanda às 20h00 de segunda e sexta-feira,
com previsão de chegada às 7h30 do dia seguinte. Já à terça-feira, a partida
dá-se às 23h30 e a chegada às 9h30. Os voos de regresso são às segundas,
quintas e domingo, com partida de Frankfurt às 22h05 e chegada às 05h30.
Além dos três voos semanais da Lufthansa, acrescenta a nota da
companhia alemã que liga Angola à Alemanha desde Abril de 2008, a Brussels
Airlines, parceira da Lufthansa, oferece igualmente três voos semanais de
Luanda para a capital belga, com a modalidade de transbordo.
segunda-feira, 28 de julho de 2014
Ditos
"A única ambição literária que eu tenho é ler literatura." - Ricardo Pereira Araújo, humorista português
Um ano sem Délio Batista
No mês em que se assinala um ano desde que o pintor Délio
Batista faleceu, volto a partilhar a relevância que ele teve na minha
trajectória. Quando em 2008 precisei, por recomendação da editora, de um quadro
para capa do "Consulado do Vazio", o livro de poemas com que me estreei, e após fracasso com outros
artistas, Cláudio Silva (Pepino, do Hotel Luso) apresentou-me a Délio Batista
(1947 - 2013), um artista plástico de curriculum vastíssimo. Eram nove e tal da
manhã. E por volta das 11h00, o kota Délio já me havia cedido "De Pernas
Cruzadas", com que me enamorei dentre o seu acervo. Tudo a custo zero. De
tal sorte que o tive como um "padrinho", carinho que de resto era
retribuído. Tive o privilégio de ser a pessoa que mais o fotografou nos últimos
anos de sua passagem pelo mundo, quase sempre com a finalidade de elaborar
folhetos para exposições em perspectiva. Obrigado, tio Délio, pelo seu
monumental exemplo de solidariedade artística.
Citação
"Eci cakala osimbu, polonambi pali uloño
volombangulo. Kaliye, volupale, omãlã vainda ponenle, vakaimba ovikanda.
Cisapeliwa ka vacilete, pwãi cimwe ndaño eci calya omunu ka vaci."
(Tentativa de tradução do
Umbundu: No nosso tempo, antigamente, colhia-se sabedoria nas conversas de um
óbito. Hoje, nas cidades, os mais novos isolam-se para jogar cartas (sueca),
não seguem o que se conversa, às vezes mal chegam a saber a causa da morte) -
Alfredo Gociante, tio meu materno
domingo, 27 de julho de 2014
DE VOLTA AO LONGE (duas noites em Benguela souberam, como sempre, a pouquinho)
"Os que odeiam a cidade de Luanda são
muitos, e têm razão. Os que a amam não são poucos nem estão errados. Aqueles a
quem Luanda não aquece nem arrefece são vários, e estão igualmente certos. É
que a capital é um eterno modelo de contrastes, assim entende Man’Toy. Ele,
inclusive, não pensou duas vezes quando, por coincidência, saiu a carta de
condução e surgiu o primeiro emprego, o de motorista funerário."
(Parágrafo que abre
a narrativa no livro "Não Tem Pernas o Tempo", pág. 17. União dos
Escritores Angolanos, Luanda,2013)
sábado, 26 de julho de 2014
Retratos
Pelos becos do bairro benguelense que cada vez
mais se vê tentado a desistir do sonho alcatroado, o ancião deu um instintivo
salto para escapar, iminente que se fazia o atropelamento por esses triciclos
motorizados com carroçaria, conhecidos como kaleluya. "Omanu vaindela
posi, ene olomoto wuvivolisa", reagiu com repulsa o ancião, a quem
aborrecia menos o risco de atropelamento nos becos do seu próprio bairro do que
aquilo que via na carroçaria: uma moto delop empoeirada, com ares de degradação
por falta de uso, muito provavelmente a caminho de ser descartada. "As
pessoas andam a pé, e vocês entregam as motorizadas ao apodrecimento".
sexta-feira, 25 de julho de 2014
Diário: LÁ SE FOI O TÍTULO
Na primeira semana dessa vivência em serviço
por Luanda, acendeu-se no meu forno criativo a ideia de uma obra inspirada no
engarrafamento, que é das coisas da capital a que não me acostumarei jamais. O
título até já anda(va) definido,
CIDADE DAS SIRENES, que fica a dever-se aos constantes apelos estridentes de
ambulâncias ou de batedores motoqueiros para as entidades protocolares que se
tentam desenvencilhar do caótico trânsito. Se seria conto, novela, romance ou
poesia, estava ainda por amadurecer a ideia. Por via das dúvidas, ao pesquisar
na Net, eis que me apercebi que o título era já algo explorado. Há até uma
música no youtube, ainda que de outro contexto. Portanto,
seja qual for o que vier a escrever, não poderá chamar-se CIDADE DAS SIRENES.
Ecos
“In lobby, you convince
someone by the power of argument; and in corruption, you convince someone by
the power of money.” (O lobby consiste em convencer alguém pela
força do argumento; e a corrupção consiste em convencer alguém pela força do
dinheiro) - de um ex-polícia russo ao canal Russia Today.
Citação
“propaganda, which is by definition,
misinformation" (a propaganda, que é por definição, desinformação) - de um
cidadão ao canal Russia Today.
ALMAS DE PORCELANA
ALMAS DE PORCELANA
Do forno ao desejo
simétricas
almas
de porcelana
É a linha
exterior
que revela
mais que qualquer
configuração
no centro
dos azulejos
Um em si
não cabe
de quadrado
tão pequeno
Daí galgar
de costas para o chão
onde renasce
em forma de mulher
fecundos cacos de gume
e
verniz.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014. Pág. 28. Nóssomos, Lda. Luanda, Angola / V. N. Cerveira, Portugal.
Do forno ao desejo
simétricas
almas
de porcelana
É a linha
exterior
que revela
mais que qualquer
configuração
no centro
dos azulejos
Um em si
não cabe
de quadrado
tão pequeno
Daí galgar
de costas para o chão
onde renasce
em forma de mulher
fecundos cacos de gume
e
verniz.
Gociante Patissa, in «Guardanapo de Papel», 2014. Pág. 28. Nóssomos, Lda. Luanda, Angola / V. N. Cerveira, Portugal.
capa do livro / book front page |
quinta-feira, 24 de julho de 2014
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Diário: FALTA DE COMPARÊNCIA
Passei pela FILDA (Feira Internacional de
Luanda), o que a par de bom alivia-stress ainda permite voltarmos para a casa
com uma montanha de brindes publicitários dos expositores. A minha nota negativa
vai para a ausência - na área de stands reservada à comunicação social - das
Edições Novembro, em especial o Jornal de Angola e o Jornal Cultura. Este
último, do qual sou colaborador, pode ter perdido uma nada desprezível
oportunidade de se dar a conhecer, considerando que há sempre quem pouco ou
nada saiba do nosso veículo cultural de periodicidade quinzenal. No good!
terça-feira, 22 de julho de 2014
O meu livro de poesia GUARDANAPO DE PAPEL, editado pela NósSomos, já pode ser comprado online por 5 Euros
O meu livro de poesia GUARDANAPO DE PAPEL, editado pela NósSomos, já pode ser comprado online por 5 Euros: LIVRARIA LETRA LIVRE
domingo, 20 de julho de 2014
Acaba de sair mais um ensaio sobre tradição Oral Umbundu. Leia no JORNAL CULTURA nº 61, de 21 de Jul a 3 de Ago, pág. 9. Oratura: ACEITAMOS «OKUPOKIWA» EM DIAS DE CARÊNCIA?
Em outubro de
2005, visitei zonas recônditas no Sambo, comuna do município da Cikala
Colohanga, no Huambo. Fiz parte do grupo de pesquisadores a grupos focais ao
serviço da inglesa «Save the Children». Os alvos eram crianças órfãs e
vulneráveis na Ombala de Ciyaya, capital tradicional de cinco aldeolas de
refugiados provenientes da Zâmbia, cerca de oito quilómetros da comuna de
Samboto. A povoação ressentia-se do fim da assistência do Programa Alimentar
Mundial, agência humanitária da ONU.
Mesmo que o código
de conduta da «Save» não proibisse gratificações de ordem material daqueles
aldeões que ensaiavam a readaptação, finda a guerra que um dia os afugentou, o
quadro crítico de penúria dizia bem que nada tinham para oferecer. Para se ter
ideia, ainda aos nove anos, várias crianças andavam na produção de carvão
vegetal para sustentar pais e avós, muitos dos quais dependentes de aguardente
artesanal.
A recolha de
dados ficou concluída com êxito em uma semana, conforme o plano. O que,
entretanto, não esteve previsto foi a tensa conversa com o Soba grande da
Ombala na hora da despedida. Fazia questão de nos regalar com duas galinhas,
dois quilos de feijão e alguma batata-doce. E agora, o que havíamos de fazer?
Receber, ou não?
Uma comissão
reuniu-se no cantinho, tendo como interlocutora a mais-velha do grupo.
Primeiro, era-nos enorme a empatia pelo sofrimento, não fazendo grande sentido
despenderem do já tão pouco. Segundo, o código de conduta proibia-nos, pois não
estávamos ali em visita, mas a trabalhar sob pagamento. O Soba, que sabia ao
mesmo tempo ser cordato mas intransigente, considerou de improcedente a nossa
visão. Não é «nosso», sublinhava, terminar uma visita sem «okupokiwa»,
símbolo de hospitalidade!
Como o leitor terá
já percebido, cá estamos com mais um estudo, outra vivência para abordarmos
aspectos da tradição oral do grupo etnolinguístico Ovimbundu. O verbo «okupoka»
(regalar) ou «okupokiwa» (ser regalado) refere-se a bens alimentares
para a boa hospitalidade, genericamente servidos como refeição, donde se
destacam a «ocisangwa» (bebida feita à base de farinha ou rolão de
milho, conhecida pelo seu aportuguesado quissângua) e a galinha. A norma do bom
acolhimento assenta no adágio de que «ukombe elende; ndopo yaco lipita» (o visitante
é nuvem; passa logo).
Quanto às regras
de confecção, é certo que cada grupo entre os Bantu do território de Angola tem
particularidades próprias. No essencial, a galinha é guisada e servida com
todas as partes que a integram, reservando-se ao visitante
a primazia de abrir a mesa e escolher
das porções que bem entender. Não devem faltar o coração, as tripas, as coxas,
as patas, as asas, a moela e por fim o rabinho. Dado o risco de o visitante levar à risca o direito que lhe cabe,
e daí apossar-se da tigela inteira, outras iguarias não tão especiais
complementam a ementa para os anfitriões, tais como o feijão e as verduras. Daí
que esta praxe exija dos anfitriões uma preparação das crianças, por não ser
propriamente frequente para consumo o abate de animais de criação.
Julgo não estar
muito longe da verdade se afirmar que os Ovimbundu levam muito mesmo a mal
qualquer gesto passível de ser interpretado como desprezo ou colocar alguém na
condição de mendigo. É óbvio que nem tudo é linear. A vida na cidade é cara,
aliás bem eloquente é o aforismo: «ohombo yilya opapelo, omunu olya olombongo» (cabrito come papel, pessoa come
dinheiro). Tal não é, porém, a herança ancestral de povo camponês, criador de
gado e caçador, como dá a entender a máxima «casupa oco catenlã» (se sobrar, é
porque satisfez), ou ainda «nda cipwa, cipwe;
ocipa ha nanga ko» (se gastar, que gaste; pele de animal
não é tecido de algodão).
Tão sagrada é a
boa hospitalidade que, ainda hoje, é quase uma questão de arte o papel de bom
visitante lá onde os anfitriões estejam conglomerados por laços familiares ou
de forte afinidade. Como se desenvencilharia o caro leitor se cinco lares, na
razão de uma galinha por cada, lhe fizessem chegar à mesa o prato? Ora, o
segredo está em comer um bocado de cada lar. De outro modo, fica a mágoa de
quem vir a comida rejeitada.
Regressemos,
pois, ao dilema do Soba grande de uma aldeia de refugiados em extrema carência
mas que exigia que aceitássemos a oferta de bom hospitaleiro. Ora, entre a
ética positiva de base ocidental e a costumeira africana, onde os anciãos são
por vocação uma entidade, tivemos de arranjar um meio-termo. Não era prudente
afrontar uma autoridade tradicional, quando se iria caminhar cerca de dez
quilómetros em mata cerrada. Foi então que juntamos o que sobrou da nossa
logística, se bem me lembro uma lata de leite, grade de gasosa, uns cinco
quilos arroz, massa, óleo alimentar, sal, sabão, peixe seco, entre outros, que
não ficaria por menos dez mil kwanzas.
Para terminar a
reflexão de hoje, diríamos que «okupoka» é um gesto simbólico de boa
hospitalidade, geralmente ligado a géneros alimentares, que tanto podem ser
consumidos durante a estadia, ou levados como lembrança.
Gociante Patissa,
Luanda, 12 Julho 2014
Além da forma das sementes
Todas as palavras de um ngoma são
lamentos da
civilização. Tudo o que
pronuncio é um
continente sobre
a memória dos ngomas
mas cada língua é uma nação de conversas
fortalece a raça do espírito o poema da
plebe
e este povo-irmão dissemina na minha
memória o continente erguido da semente
João Joao Tala,
in "O Gasto da Semente", 2000, pág. 19. Instituto Nacional das
Indústrias Culturais, Luanda. Menção Honrosa do Prémio Literário Sagrada
Esperança Edição 2000
sábado, 19 de julho de 2014
A convite do escritor Joao Tala, regressei a Catete para visitar a vila e degustar cacusso grelhado com mandioca, batata doce, farinha musseque e feijão de óleo de palma, o que fez do meu sábado um dia muito ganho. Voltei com quatro livros do confrade, muita cultura geral e vislumbre da paisagem. Na foto: GP, JT e Zé Maria, o homem que tratou o volante por tu. Valeu!
À mesa de bar
"Meu marido, eu lhe falei num sai com o
carro, depois vou levar no parque p'ra vender. Ele disse, está bem. Uma gaja
volta do trabalho, abro o portão, olho assim, o carro num está. À tardinha está
a me ligar, ah, me receberam o carro nos batuqueiros. Assim vou fazer como,
cruzo os braços? Eu disse, vem, você mesmo é meu marido. Vamos dormir, amanhã é
direitinho ao banco. Um zerinho, num quero só conversa. Porque isso é
negligência. Quem disse que ele num tinha dinheiro? Até a minha família queria
se meter. Eu disse, vocês sabem quanto custa uma hilux? Vou perder 50 mil
dólares na brincadeira?!"
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Diário: VIVA O PP
Quando um dia eu der festa de aniversário,
ofereçam-me de presente, por favor, muito PowerPoint. Isso mesmo. É que eu
adoro imenso o PowerPoint, adoro ainda mais o seu cúmplice chamado
retro-projector ou Data show. Não é verdade que sem eles qualquer transmissão
de conhecimentos é impossível e impensável? Até já nem me consigo lembrar dos
workshops que várias vezes conduzimos durante década de mobilização social e
desenvolvimento comunitário, onde - inutilmente, como hoje se vê - havia
preocupação com metodologias participativas e introduzir dinâmica. Produtivo
mesmo é ser expert, ligar o PowerPoint, ler redundantemente, de preferência com
algum requinte, o que está a ser projectado. Isso, sim, é um grande avanço para
a humanidade. Viva o PowerPoint!
quinta-feira, 17 de julho de 2014
O meu livro de poesia GUARDANAPO DE PAPEL, editado pela NósSomos, já pode ser comprado online por 5 Euros: LIVRARIA LETRA LIVRE
O meu livro de poesia GUARDANAPO DE PAPEL já pode ser comprado online através da livraria LETRA LIVRE, cujo link é este http://www.letralivre.com/catalogo/detalhes_produto.php?id=87892
quarta-feira, 16 de julho de 2014
Sociologia metropolitana
"O que vi ontem no Mártires?!... Fica já
pequena, não... uma mulher como eu, grande, de collants que está nua, aquilo
até os carros podem bater. Perguntei na mãe que está a vender ginguba e banana:
mãe, aqui vocês é assim? Ela me disse: 'filha, aqui você ainda num tás a ver
nada, aparece sexta-feira, até vais chorar! Eu, me chamem só de zairense,
langa, mas ando mesmo com meu vestido. Até as minhas filhas me chamam zairense,
mas não consigo andar escandalosa, não dá!" (de uma senhora de meia idade,
oriunda do Soyo)
terça-feira, 15 de julho de 2014
Falando sério
"Pessoas que não riem não são pessoas
sérias" (campanha de um grupo cultural português)
Conceito e prática
Desportivismo é levar do treinador uma chapada
do ombro, ouvir um 'estás a gozar comigo, cara...?!', baixar a cabeça e
continuar o jogo treino. Chegaria a essa conclusão quem de passagem espreitasse
os juniores do ASA em futebol às 10h de hoje.
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Oratura: O CÂNTICO DE KAPALANDANDA E A DÚVIDA DA MINHA ADOLESCÊNCIA
É
frequente ouvir-se a referência ao “tempo de caprandanda” (grafia errada, pois
não temos “R” em Umbundu e o “C” tem pronúncia diferente de “K”). Quando foi e
o que houve?
A
minha adolescência foi marcada por um quadro complexo no Lobito, onde a
residência se confundia com dependências das administrações comunais da
Equimina e Kalahanga, uma alguns anos depois da outra. Como as deslocações de
pessoas e bens eram mediante as guias de marcha, “trabalhei” também como
dactilógrafo do meu pai, na sua condição de Comissário Comunal, mas sobretudo
como pombo-correio da correspondência familiar entre Lobito, Catumbela e
Benguela, na maioria destes casos até… a pé.
A
exposição à propaganda despertou cedo o meu interesse de observador da
política. Evidentemente, havia familiares que (às escondidas) não alinhavam com
o Mpla. Estamos a falar entre 1988 e 1991. Calhava encontrar este ou aquele a
ouvir a Vorgan, rádio da Unita, com o volume baixinho. Foi assim que certo dia retive
um trecho dolente do cancioneiro Umbundu num gingle: “Kapalandanda walila / walilila ofeka yaye/ kapalandanda walila/
walilila ofeka yaye” (Kapalandanda chorou / chorou pela sua Terra/
Kapalandanda chorou / oh/ chorou pela sua Terra). Mas quem foi e chorou porquê?
GP
NOTA
DO BLOGUE OMBEMBWA: Segue-se, com pequena adaptação, o contributo de Carlos
Duarte, in «Jornal o Chá», da Chá de Caxinde, Nº 10 - 2ª série, Abril/Maio 2014:
“Kapalandanda era sobrinho do Soba Kulembe, da Catumbela. Ia ser
Soba. Agiu de 1874-1886. Adolescente, ganhou fama por
ter morto sozinho um leopardo que andava a comer as cabras (…) Ainda jovem, inconformado
com a passagem e estadia de caravanas de (…) comércio, levando panos e sal para
o Huambo – Bailundos – e trazendo borracha, cera, mel e marfim – sem pagamento,
pediu uma audiência ao Soba, seu tio, e aos sekulus, onde tentou convencê-los a
que fosse cobrada uma taxa – «Onepa» - a essas caravanas. O Soba, acomodado e
com medo da reação dos colonos, não concordou. Kapalandanda então reuniu um grupo de
guerreiros e foi para o mato, armar emboscadas e assaltar as caravanas, cujo
produto, confiscado, era em parte distribuído pelos kimbos do sobado.
domingo, 13 de julho de 2014
Citação
"A fama tornou-se um bem moral neste país.
Ser famoso é a virtude da coisa" (argumento irónico de um personagem de
filme americano a passar neste momento na TV Zimbo)
Denúncia do jornal A CAPITAL: POR 100 MIL KWANZAS COMPRA-SE NACIONALIDADE ANGOLANA
Papi ou simplesmente, Simão é um cidadão congolês que deixou os
seus vizinhos espantados quando exibiu o seu documento. Há pouco menos de dois
meses a residir no nosso país, apresentou um bilhete de identidade angolano que
lhe confere o estatuto de cidadão nacional. Quando questionado sobre a forma
como conseguiu adquirir aquela identidade em tão pouco tempo, a resposta foi
peremptória: “business”, entenda--se, negócio.
sábado, 12 de julho de 2014
sexta-feira, 11 de julho de 2014
Com o meu sobrinho de 5 anos
"Tio, no 11 tem bandidos?"
"Sim, Ataíde. Tens medo de ir lá?"
"Não tenho, eu lhes dou uma surra!"
"Ah, é?"
"Quando eles chegam, eu lhes dou um soco da perna..."
"Vais fazer o quê?!"
"Lhe dou um soco da perna e começam a gritar."
"Mas tu ainda és uma criança."
"Sim, tio, sou criança mas já treino."
"Ah, afinal treinas?"
"Ó tio, toda a criança que estuda, assim também já treina."
"Sim, Ataíde. Tens medo de ir lá?"
"Não tenho, eu lhes dou uma surra!"
"Ah, é?"
"Quando eles chegam, eu lhes dou um soco da perna..."
"Vais fazer o quê?!"
"Lhe dou um soco da perna e começam a gritar."
"Mas tu ainda és uma criança."
"Sim, tio, sou criança mas já treino."
"Ah, afinal treinas?"
"Ó tio, toda a criança que estuda, assim também já treina."
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Diário
Prometi trazer hoje uma crónica, bem sei. Mas
quando se é recolhido às seis da manhã e devolvido pouco antes das sete da
noite, sendo três horas deste longo dia de trabalho despendidas no atolado
trânsito, só posso fazer minhas as palavras do motorista: "Esse horário de
sair essa hora cansa o corpo". Não foi desta!
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Entrevista à escritora portuguesa Lídia Jorge, que fala do seu percurso literário e sua vivência ligada à África
Tive contacto com a senhora em Israel, durante
a 26ª edição da Feira do Livro de Jerusalém, onde Angola, Brasil e Portugal partilharam o mesmo stand em
Fevereiro de 2013. Na segunda angolana, a delegação da União Dos Escritores Angolanos esteve
constituída por Frederico Ningi, E. Bonavena e Gociante Patissa, co-autores da antologia de contos
"Balada dos Homens que Sonham", organizada por António Quino e
traduzida para hebraico.
terça-feira, 8 de julho de 2014
Leituras que ficam
Li há poucos anos num dos semanários publicados
em Luanda uma tirada singular em jeito de homenagem à alma de um antigo
governador do Banco Nacional de Angola, salvo erro. Dizia a crónica que,
imediatamente depois de apresentar a sua carta de demissão, aquele gestor veio
a ser chamado para se justificar, afinal não é bem todos os dias que alguém
coloca à disposição um tão prestigiado cargo, ainda mais nos primeiros anos do pós-independente. E aí,
cedida a palavra, o homem teria dito: "Chefe, se estamos numa festa a
beber uns copos e, já embriagados, o conviva mais próximo aponta para o chão ao
mijar e me saltam para as calças manchas, pronto... ali, vou ter de sacudir e
me ajeitar. Mas a partir do momento em que o conviva se põe a mijar
directamente para as minhas calças, o que tenho a fazer é ir para a casa."
Dizia a crónica que o Chefe teria largado um inesperado sorriso, percebido a
situação e procedido em conformidade.
Apoiado!, diria eu hahaha
segunda-feira, 7 de julho de 2014
Diário: AINDA JULHO, LOOKING IN REVERSE
Entretanto, já três anos se tinham passado
sobre o pó. Estar dentro é sempre a forma menos eficiente de perceber o tamanho
da casa, a verdade idem. Já homem, o adolescente cruza algumas vezes em
partilhas de saber, nesse contínuo exercício de crescer com a pátria, com o
camarada chefe. Em tom paternalista, gaba ao microfone de abertura de certame.
O teu pai foi um grande camarada nosso.
Ora, vindo de quem assinou precisamente o despacho que elevara o ido à altura
do emocional tombo, devia significar muita coisa. Quem julga é Deus, dirá o
cliché. Andava magoado pelo afastamento do comité provincial do seu partido,
não podendo responder pelos efeitos colaterais e respectivos sacrificados
subordinados. Hoje é segunda, caramba, a mangonha do weekend vem mesmo a
calhar. Que se lixe a crónica.
domingo, 6 de julho de 2014
sábado, 5 de julho de 2014
Diário: JULHO
Vencidos setenta e poucos quilómetros de
acidentado troço em pé, de autocarro, o adolescente reporta ao gabinete do
camarada financeiro. O teu pai? Não sei se o encontro com vida. Está em coma.
Olha, houve um aumento pequeno, mas vais levar como tem sido. Este bocado fica
para mim. Impotente, o adolescente engole em seco e assina no folho por um
montante que não viu. Era cacimbo, talvez a pior época do ano para se perceber o que camarada devia querer
dizer. Em casa, estava consumado. O destinatário fizera-se surdo a tudo, era o
culminar de uma passagem na terra. Hepatite tinha sido o pico. Pôr-me num
tractor a recolher cães vadios, depois de tudo o que fiz e perdi por este país?
Prefiro ir cultivar! A opção entretanto pecou por não levar em conta a lei dos
ciúmes: não há lugar para a enxada no chão onde as minas madrugam. Oitava
classe, muitos Lénines e Engels, alheio à utilitária sociedade. Só somos quando
explorados. Somam-se os copos para desmentir a selectiva amnésia dos ideais.
Ups! Sábado é dia de bíblico descanso, que se lixe a crónica.
BAD NEWS
O curso semi-presencial de
pós-graduação/mestrado em ciências da comunicação na CESPU em Benguela tem as mesmas
hipóteses de arrancar que teria um avião de chegar a casa do piloto.
Condicionado a um mínimo de 40 candidatos para formar turma, talvez nem se tenha chegado a 10 inscritos. Qualquer coisa
me diz que ir para gestão de recursos humanos, como alternativa, não vai
valorar os vários anos de dedicação e alguma experiência no universo da
comunicabilidade. Pronto, haja milagres hahaha
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Diário: E SE JUNTÁSSEMOS DIVULGAÇÃO CULTURAL À HONESTIDADE?
Venho notando com satisfação o cada vez mais crescente
interesse pela partilha de sabedoria popular nas línguas nacionais de origem
africana. É de louvar, principalmente quando se trata de murais de gente mais
nova, se tivermos em conta a conotação de que a maior tendência nas redes
sociais recai para futilidades. Só me deixa aborrecido notar que quanto à língua Umbundu, não poucas vezes, algumas
almas mais não fazem do que ir copiar dizeres aos meus blogue www.ombembwa.blogspot.com e mural do
facebook, para colarem em seus murais ao pé da letra. Na minha ingenuidade,
acredito que a sabedoria popular é património imaterial colectivo, de qualquer
um que por ele tenha a mínima sensibilidade, mas que a tradução é de cunho
pessoal. E essa preguiça só pode multiplicar eventuais erros do tradutor
"imitado", até porque a Internet não pesquisa, não avalia, não
escreve e... não erra. Divulgar a nossa língua e cultura, sim, mas com o mínimo
esforço de honestidade intelectual.
Gociante Patissa,
3 Julho 2014Citação
"Há garinas mesmo com juízo. A minha
namorada, tas a ver?, lhe espetei seis mil kwanzas. Hoje, é a rei das
vendedoras na pracinha dos congolenses. É a mãe de casa."
quarta-feira, 2 de julho de 2014
provérbio mexicano
"La casa no se reclina sobre la tierra, si
no sobre una mujer" - A casa não se apoia na terra,
mas sim numa mulher
terça-feira, 1 de julho de 2014
Só um pequeno favor
Quando for para trocar segredinhos, gabar
competência académica, ou o que seja, na via pública, não o façam em inglês. Há
sempre algum infeliz que perceba. Não devia, mas há