Papi ou simplesmente, Simão é um cidadão congolês que deixou os
seus vizinhos espantados quando exibiu o seu documento. Há pouco menos de dois
meses a residir no nosso país, apresentou um bilhete de identidade angolano que
lhe confere o estatuto de cidadão nacional. Quando questionado sobre a forma
como conseguiu adquirir aquela identidade em tão pouco tempo, a resposta foi
peremptória: “business”, entenda--se, negócio.
Um cidadão estrangeiro que queira documentos legais, emitidos
pelas conservatórias, lojas de registos ou pela identificação civil, deve
cumprir a seguinte regra: estar acompanhado de uma pessoa que já tenha tratado algum
documento na rede ou ser enviada por uma pessoa conhecida no sistema.
Numa das lojas de registos de Luanda, instalada no Sistema
Integrado de Atendimento ao Cliente, (SIAC), procuramos um técnico de identificação
a quem perguntamos quanto devíamos pagar pelo registo de três cidadãos congoleses
que chegaram ao país há uma semana. Depois de algumas perguntas para saber quem
éramos de facto, lá veio a resposta: “100 mil kwanzas”, portanto, o valor para
tratar toda a documentação, desde a cédula ao bilhete de identidade. “Mas, se
quiserem batimento, tratem primeiro a cédula e, depois, facilito o bilhete”, um
batimento que fica em 40 mil kwanzas com 45 dias de espera para ter tudo
pronto.
Não ficamos por aqui. Fomos a outra identificação de Luanda onde
encontramos um outro técnico. Diferente de lá, aqui o preço é bem mais alto,
tudo, porque o homem do negócio tem que recorrer a outros serviços para
concluir a documentação. “Primeiro tenho que saber como eles falam para não dar
bandeira. Se for tiro directo, é mais caro, e isso só se faz nas casas de
registos”, explicou este facilitador para quem, tiro directo significa fazer os
registos num só local, como nas Lojas de Registos ou no SIAC.
“300 mil kwanzas por pessoa a obtençãoda documentação toda. O registo
de adultos é mais caro, porém, para evitar problemas e fazermos com rapidez,
vamos procurar um registo antigo de mais ou menos 20 anos, que passa a ser teu”,
explicou o nosso interlocutor, acrescentando que, se por acaso o interessado
tiver algum problema com a Justiça “é só dizer que foste para o Congo há muito tempo”.
Perguntamos se podia baixar mais o preço, mas respondeu que não podia, porque
teria que subornar muita gente.
“Tenho que dar uma massa a outros colegas, para além do
conservador, para não estragar”, confirmou. Ao pé de nós esteve um cidadão, aparentemente
estrangeiro, que já tinha passado pelo mesmo processo e só foi buscar a sua
documentação. A ele perguntamos se não seríamos aldrabados. Respondeu que não. “Recebi
o meu bilhete em casa”, tranquilizou, mas admite que alguns dos facilitadores
mentem e fogem com o dinheiro. “Aí não temos como reclamar”, adiantou, ao
aconselhar que o mais importante é conhecer a pessoa certa, aquela que, quando
o bilhete sai, telefona para ir à busca.
Em Luanda, no município do Cazenga, rua dos Comandos, situa-se o famoso
Pau Grande, a mais antiga zona famosa por albergar redes vocacionadas para a
falsificação de documentos de identidade pessoal. A procura de clientela está
mais aberta, tanto é que os jovens executantes do negócio, em vigília
permanente, acenam para as pessoas que passam, perguntando se pretendem tratar
alguma documentação.
O A Capital obteve o terminal telefónico de um dos falsificadores
com quem trocou algumas impressões acerca do negócio. O jovem explicou que a
actividade está mais fraca em relação aos tempos idos. “Estamos com pouca
clientela. As pessoas agora querem documentos originais e fazem negócio com os
trabalhadores das conservatórias”, facto que, segundo ele, os obriga a mudar de
estratégia, negociando com pessoas em várias identificações. no Pau Grande, uma cédula
individual custa quatro mil kwanzas, o mesmo preço do acento de nascimento. Por
um bilhete de identidade cobram-se oito mil kwanzas, com a possibilidade de ser
entregue na hora.
“Facilitam-nos em alguns serviços”, explicou. “Quando alguém trata
aqui uma cédula ou acento, nos pede um bilhete original, activamos os nossos amigos
nas identificações e tratamos”, um processo para o qual, de acordo com o nosso
entrevistado, cobram, normalmente, 30 mil kwanzas.
In Jornal A CAPITAL, edição 605, Luanda, 12 de Julho de 2014,pág. 16
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