domingo, 13 de julho de 2014

Denúncia do jornal A CAPITAL: POR 100 MIL KWANZAS COMPRA-SE NACIONALIDADE ANGOLANA

Papi ou simplesmente, Simão é um cidadão congolês que deixou os seus vizinhos espantados quando exibiu o seu documento. Há pouco menos de dois meses a residir no nosso país, apresentou um bilhete de identidade angolano que lhe confere o estatuto de cidadão nacional. Quando questionado sobre a forma como conseguiu adquirir aquela identidade em tão pouco tempo, a resposta foi peremptória: “business”, entenda--se, negócio.


Um cidadão estrangeiro que queira documentos legais, emitidos pelas conservatórias, lojas de registos ou pela identificação civil, deve cumprir a seguinte regra: estar acompanhado de uma pessoa que já tenha tratado algum documento na rede ou ser enviada por uma pessoa conhecida no sistema.

Numa das lojas de registos de Luanda, instalada no Sistema Integrado de Atendimento ao Cliente, (SIAC), procuramos um técnico de identificação a quem perguntamos quanto devíamos pagar pelo registo de três cidadãos congoleses que chegaram ao país há uma semana. Depois de algumas perguntas para saber quem éramos de facto, lá veio a resposta: “100 mil kwanzas”, portanto, o valor para tratar toda a documentação, desde a cédula ao bilhete de identidade. “Mas, se quiserem batimento, tratem primeiro a cédula e, depois, facilito o bilhete”, um batimento que fica em 40 mil kwanzas com 45 dias de espera para ter tudo pronto.

Não ficamos por aqui. Fomos a outra identificação de Luanda onde encontramos um outro técnico. Diferente de lá, aqui o preço é bem mais alto, tudo, porque o homem do negócio tem que recorrer a outros serviços para concluir a documentação. “Primeiro tenho que saber como eles falam para não dar bandeira. Se for tiro directo, é mais caro, e isso só se faz nas casas de registos”, explicou este facilitador para quem, tiro directo significa fazer os registos num só local, como nas Lojas de Registos ou no SIAC.

“300 mil kwanzas por pessoa a obtençãoda documentação toda. O registo de adultos é mais caro, porém, para evitar problemas e fazermos com rapidez, vamos procurar um registo antigo de mais ou menos 20 anos, que passa a ser teu”, explicou o nosso interlocutor, acrescentando que, se por acaso o interessado tiver algum problema com a Justiça “é só dizer que foste para o Congo há muito tempo”. Perguntamos se podia baixar mais o preço, mas respondeu que não podia, porque teria que subornar muita gente.

“Tenho que dar uma massa a outros colegas, para além do conservador, para não estragar”, confirmou. Ao pé de nós esteve um cidadão, aparentemente estrangeiro, que já tinha passado pelo mesmo processo e só foi buscar a sua documentação. A ele perguntamos se não seríamos aldrabados. Respondeu que não. “Recebi o meu bilhete em casa”, tranquilizou, mas admite que alguns dos facilitadores mentem e fogem com o dinheiro. “Aí não temos como reclamar”, adiantou, ao aconselhar que o mais importante é conhecer a pessoa certa, aquela que, quando o bilhete sai, telefona para ir à busca.

Em Luanda, no município do Cazenga, rua dos Comandos, situa-se o famoso Pau Grande, a mais antiga zona famosa por albergar redes vocacionadas para a falsificação de documentos de identidade pessoal. A procura de clientela está mais aberta, tanto é que os jovens executantes do negócio, em vigília permanente, acenam para as pessoas que passam, perguntando se pretendem tratar alguma documentação.

O A Capital obteve o terminal telefónico de um dos falsificadores com quem trocou algumas impressões acerca do negócio. O jovem explicou que a actividade está mais fraca em relação aos tempos idos. “Estamos com pouca clientela. As pessoas agora querem documentos originais e fazem negócio com os trabalhadores das conservatórias”, facto que, segundo ele, os obriga a mudar de estratégia, negociando com pessoas em várias identificações. no Pau Grande, uma cédula individual custa quatro mil kwanzas, o mesmo preço do acento de nascimento. Por um bilhete de identidade cobram-se oito mil kwanzas, com a possibilidade de ser entregue na hora.

“Facilitam-nos em alguns serviços”, explicou. “Quando alguém trata aqui uma cédula ou acento, nos pede um bilhete original, activamos os nossos amigos nas identificações e tratamos”, um processo para o qual, de acordo com o nosso entrevistado, cobram, normalmente, 30 mil kwanzas.

In Jornal A CAPITAL, edição 605, Luanda, 12 de Julho de 2014,pág. 16
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