(Pérola Negra Contreiiras, via facebook)
domingo, 31 de março de 2019
Ex.ª JLo nosso que vai à Rússia, nós, que preferiríamos não vivenciar na infância a brutalidade da guerra, ao ler que V/Ex.ª leva a proposta de instalar em Angola capacidade de produzir e montar equipamento militar... nos indagamos se, em nome das cicatrizes da história do país da paz ainda por sarar, é pertinente nos metermos na indústria de enlutar.
(arquivo 4) Diário | FALA JÁ: MAS PERDOAS OU NÃO?!
“Ouve, vizinho! Eu vim a bem. Estou aqui para falar contigo, porque, é assim… na igreja, falaram uma coisa que até agora não consigo dormir bom sono.”
“Outra vez, vizinha?! Mas você não me deixa só em paz porquê?”
“É mesmo a paz que me trouxe, homem! Falaram tudo o que não está perdoado na face da Terra, no céu também não. Se eu morrer amanhã, não tenho direito ao paraíso.”
“Isso é problema teu!”
“Problema meu? Disseste quê?! O vizinho está a brincar comigo. Só pode!”
“Não, é engraçado que não estou. As feridas que me ofereceste ainda não curaram. Volta quando eu tirar o gesso e continuamos esta conversa.”
“Esperar mais o quê?! Mas o vizinho não ouviu aquele jovem na televisão, hã, português já não é português na ponta da língua, engravatado, que falou que o limite de vida do angolano é só 46 anos? Com 50 anos nos cornos, você pensa que estamos a comer para crescer mais? Estamos mais é a viver para morrer. Fica já saber!”
“O gesso sai daqui a 45 dias. Nessa altura você aparece e te digo se já estou em condições de falar de perdão, ou não.”
“E se eu cair amanhã aí na rua, atropelada como um cão? Já viste o risco de perder o reino dos céus, só porque o torto do meu vizinho não me quer perdoar? Afinal esta tortice vai-te levar aonde? É por essa coisa de complicar já muito que se lutamos…”
“Desculpa, não lutamos. Com mulher não luto. Foi mais uma agressão histérica tua. E porquê? Por ter dito que não era correcto a vizinha levar para a casa um vaso de flores que todos os vizinhos contribuíram para enfeitar a rua no dia de Natal”.
“Eu só levei porque não tinha árvore de Natal em casa… Aliás, mesmo até desde que plantamos a árvore no vaso, como eu até era a pessoa que mais regava… né?”
“Sim, mas a ideia não era essa. O que é de todos deve ser decidido por todos.”
“Eu também, se tivesse marido que me comprasse árvore de Natal, não ia levar para casa o vaso… mesmo a minha prima, que mora noutro bairro, também construiu quintal e cercou o chafariz do bairro em casa. Como é solteira, ninguém lhe chateou. O vizinho já como é que tem boca comprida, viu que sou mulher, queria se meter comigo. Você pensa que a tal mulherice está espalhada em todo o corpo ou quê? Eu te parto os cornos, ouviu? Agora estás ali com o braço no gesso.”
“Vizinha, agora, se faz favor, vai tomar banho, que eu vou descansar, ya?”
“Mas é preciso ressuscitar Mahatma Gandhi para o vizinho entender? Já naquele tempo ele dizia que o perdão é dos fortes, os fracos não sabem perdoar.”
“Ah, também chegaste a agredir o coitado do Mahatma Gandhi?”
“Eu já falei, vizinho. A bem ou a mal, vais ter que me perdoar. Se for necessário vou lutar outra vez contigo. Daqui é que não saio sem perdão. Fala já: mas perdoas ou não?!”
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa. Benguela, 30.12.15
sábado, 30 de março de 2019
Pastor da IEBA alvejado por crente dentro da igreja
Um cidadão de 26 anos, membro da Igreja
Evangélica Baptista, foi detido pelo Serviço de Investigação Criminal, por
tentativa de homicídio frustrado contra o pastor da referida congregação
religiosa, ocorrido no passado dia 24, no interior do templo, localizado no
bairro do Golfe 1, município do Kilamba Kiaxi, em Luanda.
Texto: Jornal de Angola | Yara Simão | 30.03.2019
O móbil do crime, segundo fonte do Serviço de
Investigação Criminal, tem a ver com o facto de o referido membro ter
solicitado ao pastor autorização para efectuar curas divinas e apresentar aos
fiéis o seu testemunho, o que foi prontamente rejeitado.
Após a rejeição, o indivíduo que se fazia acompanhar de uma pistola de marca Star, sacou de imediato e efectuou dois disparos, tendo alvejado a região da clavícula do braço esquerdo da vítima, de 57 anos, que foi mais tarde evacuada para o Hospital Geral de Luanda, no Kilamba Kiaxi, onde se encontra internado.
Esse indivíduo faz parte de um grupo de 86 marginais apresentados quinta-feira pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), detidos por prática de crimes diversos, numa operação levada a cabo em Luanda, no período de 13 a 27 de Março, no âmbito do combate a crimes violentos.
Nessa operação, foi também detido um elemento
que ostenta a patente de 3º subchefe da Polícia Fiscal, envolvido no crime de
ho-micídio voluntário, por disparo de arma de fogo, com uma pistola do tipo
“Jerico”, em que a vítima foi o cidadão António Francisco João, 43 anos.
Imagem: Guiame
Em linhas tortas (08/19)
Com acções isoladas
não se promovem hábitos de leitura. Olá! Começo a reflexão breve de hoje nesta
rubrica de forma apriorista a respeito do tão propalado desiderato de
massificar os hábitos de leitura. O que não falta são boas intenções, felizmente,
só que estas acções, para darem frutos, precisam de um olhar holístico. Por exemplo,
é frequente, para quem está neste mundo da escrita, receber convites para
participar em feiras e/ou oferecer exemplares para tais eventos ou campanhas de
doação de livros. São gestos levados a cabo por organizações, algumas
informais, outras vinculadas a instituições de ensino, geralmente em datas
comemorativas. A lógica parece ser a seguinte: se a pessoa escreve, logo tem
exemplares em casa. Ora, tendo exemplares e carecendo de ser lida, a pessoa
ganha doando os seus livros. E em parte até faz sentido. Só mesmo em parte, uma
ínfima parte. A questão é que o livro funciona um pouco como ocorre - perdoem-me
a analogia - naqueles casos em que o homem se queixa de a sua parceira não aceitar/gostar
de usar o preservativo nas relações sexuais. Só que depois, vendo bem, a gente
questiona se alguma vez o uso da camisinha foi tema de conversa e a resposta é
negativa. Ora, então não deveria o artigo ser objecto de conversa permanente? Com
o livro é mesma coisa. Se não se fala do livro constantemente, da sua
importância e de como instiga a reflexão ou o humor, de nada adianta impingi-lo
“à queima-roupa”. Não é por ser dado de presente que se torna mais atractivo. Os
hábitos de leitura passam também e fundamentalmente pela promoção da leitura
como lazer. O caricato é que muitas destas organizações “solidárias” que
solicitam aos autores/escritores livros de oferta não têm, em boa verdade, relação
de amizade com o livro nem com a dimensão lúdica do mesmo. E como quase nunca se
sentem motivadas a marcar presença em sessões de lançamento e autógrafos, oportunidades
públicas e soberanas de manifestar algum apoio moral e aproximação ao autor, também
não se percebe que há uma vertente económica no processo de edição do livro.
Não se leva em conta que a despesa é do editor, que não conta com incentivos nem
do Estado nem do sector empresarial (na ausência da lei do mecenato); que e o escritor
só ganha menos de 20% da venda por livro, tendo de pagar do próprio bolso cada exemplar
que ofereça ou as deslocações para presenciar feiras. Resumindo: a oferta não
devia ser induzida. Ainda era só isso. Obrigado.
Daniel Gociante
Patissa | Catumbela, 30.03.2019 | www.angodebates.blogspot.com
sexta-feira, 29 de março de 2019
(arquivo) Diário | Mas lá na sua casa não tem regras?!
"Desculpa, minha senhora. Assim não pode de entrar…”
“Não posso, como?!”
“Do jeito que a senhora está apresentada, é só ler o comunicado da direcção. Por acaso, não mente…”
“MAS ASSIM ESTOU MAL?! ME FALA MESMO, SE CALHAR ESTOU A FICAR CEGA E AINDA NÃO DEI CONTA. ASSIM UMA GAJA ESTÁ MAL?”
“Bem, segundo só a papelada, assim essa blusinha de parto-os-cornos, calções subidos, sinceramente, o comunicado não aprova essa ética…”
“Eu só vou ao ATM, ó senhor segurança!, esse multicaixa que está no corredor, não vou entrar nos escritórios… Nem quero saber da vossa rádio para nada!”
“Mas é isso mesmo! Uma vez que o aviso está na porta desde o ano passado, e as outras pessoas todas já costumam vir aqui e cumprem, então da porta para dentro, do jeito que a senhora está, contraria…”
“Mas esse país também!… Vocês têm de viajar mais, meu senhor! Estão muito atrasados!…”
“Assim atrasado de quê?”
“Em Portugal ainda a pessoa entra nas instituições de fato-de-banho, quase. Aqui é que vão permanecer nestas leis velhas?!”
“Minha senhora, o documento está ali. Lê só, faz favor.”
“NÃO PRECISO DE LER NADA…”
“Então assim não estou a endender. Mas lá na sua casa não tem regras? As visitas não respeitam as tuas regras? Ainda é só isso que quero saber."
“Seja como for…”
“Então… aqui também é a mesma coisa. É só isso, não tem mais nada… Agora, se a senhora, no meu posto, quer me ensinar o contrário, quer só passar por cima da ordem, então não estou aqui a fazer nada!...”
“Mas eu não sou vossa visita… Eu venho aqui por causa do meu dinheiro que preciso de levantar no ATM…”
“Mas o aparelho está dentro de uma instituição. Ou não é isso, senhora? Não sei se está a acompanhar o meu raciocínio…”
“Ouve cá, ó senhor segurança! Eu sou professora. Além de professora, sou uma pessoa formada, sou socióloga. E sei como funcionam as culturas de cada povo. E posso mesmo falar…”
“Eu só estou a cumprir o meu trabalho… Não venho com as ordens da minha esposa de casa… é a ética…”
“Aié? Ética do jeito que estou não posso entrar, né? Você acha que eu não sei que passam a vida a fornicar mulheres nestes gabinetes e a desviar dinheiros? Estão mais é a dar cabo do país, e isso ninguém trava! Agora, uma gaja a vir do ginásio não pode entrar porque - fionko, fionko. Vai à merda, pá!”
“Isso até se a senhora está a discutir comigo, é só já falta de compreensão… Fica mais melhor vir amanhã cedo e refilar na pessoa que autoriza as ordens, o director. Mesmo essa parte de fornicar, como a senhora já é que viu, pode também aumentar na conversa. Eu aqui só cumpro…”
“Eu sei. Mas você mesmo e a pessoa que dá essas ordens precisam de viajar mais, ouviste?! VÃO SE LIXAR, MAIS É…”
“Mas lá na sua casa não tem regras?!"
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Catumbela 20.10.2017 - 29.03.2019
Em linhas tortas (07/19)
Vejo crescerem na última década indicadores preocupantes de um novo perfil de actores sociais: (1) A prática de um activismo oco em bagagem intelectual, assente no puro entusiasmo, na auto-promoção, na teoria da conspiração e no monopólio da verdade absoluta, substituindo a reflexão pela polémica crónica (não poucas vezes imatura e avessa à elevação de se retratar quando se falha ou se falta com a verdade em uma determinada intervenção). Vai caindo em desuso aquela consciência cidadã e pedagógica de expor a mensagem com a devida coerência discursiva e a correcção ortográfica/gramatical, brindando-nos as redes sociais com o poder conferido a todo o cidadão de ser automaticamente emissor/editor. Não faltam comunicadores sem o hábito sequer de (re)ler os seus próprios textos, já para não tocar no quesito "lógica". Parece haver uma espécie de torneio de quem desleixa mais. Só de pensar que no passado os professores chegavam a dar palmadas por erro na ortografia... (2) Por outro lado, despontam estudantes e fazedores de opinião passivos, que agradecem cada informação recebida, do género quem queixar primeiro é que tem rezão (no lugar do instinto de pesquisar a veracidade num google, por exemplo, sendo por isso alvos fáceis e retalhistas de piadas e falsas notícias vendidas como informação séria, já que em muitos casos também o leitor não passa do título da matéria). E perante um problema a debater, a escolha emotiva do lado a defender antecede a construção do argumento. E há quem creia que um palestrante charmoso, bem maquilhado, é a chave para tudo, até para clarificar o óbvio, o provérbio, o aforismo. Enfim...
quinta-feira, 28 de março de 2019
Este anúncio a prometer oportunidade de crédito supostamente do BPC (Banco de Poupança e Crédito) captei-o às 9h00 de 27.03.2019 no poste do portão de serviço do SIAC Benguela. Pela quantidade de erros ortográficos e defeitos de identidade visual, duvido muito que seja realmente um documento do aludido banco, razão pela qual alerto aos possíveis interessados para o risco de cair em ciladas e desafio o Serviço de Investigação Criminal a seguir o trilho. Ainda era só isso. Obrigado
quarta-feira, 27 de março de 2019
Citação
"Há cerca de dez anos um amigo defendia que o problema do país era fundamentalmente de corrupção. Eu retorquia que também era de incompetência, pois o mau funcionamento das instituições favorecia o florescimento da corrupção, embora compreendesse que a recíproca também era verdadeira. Hoje estamos os dois de acordo que a corrupção diminuiu enquanto a incompetência aumentou." (Fernando Pacheco, agrónomo e líder da sociedade civil angolana.
In revista África21, Nº 137, pág. 41, Luanda, Angola - Março 2019
In revista África21, Nº 137, pág. 41, Luanda, Angola - Março 2019
domingo, 24 de março de 2019
Garanto abdicar dos direitos de autor e coloco-me à disposição do Min. da Educação e demais instituições de ensino de línguas nacionais (africanas) para produzir material didáctico/literário para o ensino do Umbundu. Condição inegociável: cuidem de harmonizar a grafia e acabar com a confusão 'católica Vs convencional'. Gociante Patissa
sábado, 23 de março de 2019
sexta-feira, 22 de março de 2019
SOS | Como Angola não aderiu ao novo acordo ortográfico de língua portuguesa, preciso de saber se existe uma norma em uso nos organismos oficiais e gabinetes de comunicação institucional e imprensa, uma vez que o computador tende a forçar a "correção" de pendor abrasileirado. Mantém-se a norma antiga ou se mistura, por ex., "têem/têm", "vêem/vêm"?
PS: Fui às definições do computador, instalei "português (Angola)" mas diz não haver suporte manual para este idioma. Funciona o "português (Portugal)", usando a opção Pré-Acordo Ortográfico. É o que já vinha usando. Obrigado
quinta-feira, 21 de março de 2019
(Arquivo) Humor | MANUAL DE PROCEDIMENTOS DO ASSALTANTE
Certo assaltante, em pleno exercício de funções, pula o muro da residência de missionários na pacata vila da Catumbela, que tinha no seu quintal uma marcenaria com materiais e ferramentas valiosíssimos. A residência não tem guardas, ou porque os celibatários o dispensassem ou porque não tinham condições de o remunerar. Disso andava bem informado o profissional do roubo. A noite é de cacimbo, tudo o que pessoas normais podem querer é aconchegar-se bem fofinhos na mantinha. O gatuno até já faz contas do quanto irá ganhar. Para seu azar, um dos padres, sabe-se lá por que insónias, acorda e flagra o gatuno. Instantes depois, os demais residentes se juntam. O resto é amarrar o gatuno, palmatória preparada e tudo para aplicar um correctivo. "UM PONTO DE ORDEM!", exclama o ladrão, para a surpresa dos donos de casa. "SENHOR PADRE, É ASSIM: PRIMEIRO AINDA NÃO É BATER. ACONSELHEM!"
(Adaptaçao da cena contada pelo Hito Virgílio, amigo de adolescência, no bairro Santa Cruz, Lobito) | www.angodebates.blogspot.com
"Viste o jogo, kota?" "Não." "Qual é o clube do kota?" "Bem, gosto do futebol como factor de socializ..." "Ah, o kota não tem clube?" "Gosto da selecção quando ganha." "No meu caso, o clube é Porto mas sigo o Mourinho e o CR7. Esses me páram. É sério que o kota não tem clube?" "Bem, no futebol é o Petro, no basket é D'Agosto." "Não anda a falar isso, kota!"
quarta-feira, 20 de março de 2019
Aquele meu parente de nome Daniel Gociante Patissa esteve na manhã de hoje no Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela a cumprir a missão de arguente do painel de júri na defesa de monografia de licenciatura de um estudante no curso de Ensino do Português e Línguas Nacionais, opção Umbundu
É a segunda vez que lhe é colocado pela direcção da universidade este tipo de desafio, coincidentemente fazendo equipa com a Dra. Natália Viti no papel de presidente do júri. Foi bom rever as amigas Ana Ukuahamba e Margarida Kangunga, sem falar do mano David Calivala, docente do ramo, assim como o prof Mateus Cavala, que foi tutor do hoje arguente na licenciatura em linguística especialidade de inglês há quase sete anos. Ndapandula
ATT, colegas da OFICINA LITERÁRIA. Traduzindo o ditado bakongo... "Depois de montar, o caçador não deve deixar de visitar a sua armadilha" (nunca se sabe quando cai a presa e há o risco de apodrecer por abandono). Assim, se já reconfirmou o seu e-mail, faça o favor de ir consultando diariamente as entradas. Juntos
segunda-feira, 18 de março de 2019
sábado, 16 de março de 2019
PRÉMIO LITERÁRIO ANTÓNIO JACINTO | Prazo de recepção das obras foi alargado até finais de Maio
Oliver Quiteculo
‘O Cronista’, vencedor da edição 2018
com o livro de contos ‘Mahamba’ |
O Ministério da Cultura,
através do Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas (INICC),
decidiu estender o período de recepção das obras concorrentes ao Prémio
Literário António Jacinto, edição de 2019, até ao próximo dia 30 de Maio.
O prémio literário
constitui uma homenagem ao poeta António Jacinto e é um galardão de revelação para
obras inéditas de autores nacionais que procuram afirmar-se no mercado. O
prémio tem como objectivos primordiais incentivar a criação literária e promover
o surgimento de novos autores no domínio da literatura.
Patrocinado
exclusivamente pelo Banco de Poupança e Crédito (BPC), o concurso anual [instituído em 1993] atribui
ao vencedor de cada edição a quantia de cinco mil dólares norte-americanos em
moeda nacional e a publicação da obra vencedora pelo INIC.
Os concorrentes
devem enviar as obras dentro de um envelope grande, fechado e assinado com
pseudónimo literário, com a identificação completa e uma fotocópia do Bilhete
de Identidade, em envelope pequeno fechado, bem como a obra concorrente, em
três exemplares digitados a dois espaços em folhas A4, encadernadas e assinadas
com o pseudónimo.
A correspondência
deve ser remetida para o endereço: Prémio Literário António Jacinto, Instituto
Nacional das Indústrias Culturais, Caixa Postal 1248, Rua Cirilo da Conceição
Silva n.º 7, 2º andar, Luanda.
Texto: Jornal de Angola, 16.03.2019
Foto: Neovibe
(arquivo) Diário | E O SENHOR É JURISTA?
"Bem, caros convidados, daqui a pouco o nosso debate vai ao ar. Poderemos ter intervenção de ouvintes via telefone."
"Estamos prontos, caro senhor jornalista."
"Ora, a si já conheço e... a si também. Desculpe-me o senhor que vem pela instituição X: no seu caso, como quer o apresente?"
"Vou falar na qualidade de jurista... sem problema nenhum!!!"
"E o senhor é jurista?"
"Bem, eu trabalho na Associação como relações públicas, às vezes estafeta, e auxilio na secretaria com arquivos documentais..."
"E qual é a sua formação?"
"Estou a concluir o Médio, mas ainda dei uma pausa."
"Então o senhor não é jurista mas pode falar na qualidade de jurista?"
"A minha esposa é bacharel em Direito..."
"Pronto, não tem problema, vou-lhe tratar pelo nome."
"Você é que sabe, Ok?
sexta-feira, 15 de março de 2019
(arquivo) Diário | VOCÊS NÃO VÃO ESPANTAR A CAÇA, OU VÃO?
(I)
"Atenção, atenção!!! Assim estamos a passar. A praça é grande, cada um fica já com o dinheiro na mão! Xé!, você aí, ó cidadão! Não estás a ver que a Fiscalização está a passar?"
"Como o caminho não passa na minha testa, ainda achei que não devia ter medo."
"Passa a taxa, rápido!"
"Taxa de quê?"
"O pagamento diário da bancada! Estamos aonde afinal?! Essa merda tem leis ou não?!"
"Acho que o país tem uma história..."
"Meu camarada, o tempo é dinheiro. Já Arranquei a ficha do bloco de facturas. É só pagar e mais nada!"
"Então não estou a ver bem o porquê que lutei. Um gajo entrou na tropa criança, combater sem folga de estudar, desmobilização sai sem emprego. Assim se hoje tenta na venda precária, ainda é perseguido pelo Estado que serviu?"
"Estás a brincar... É a tua última palavra?! Primeiro o camarada cumpre, depois é que reivindica. Nós também são ordens superiores que estamos a cumprir, ouviste, né?. "
"Ainda afinal quero ver esse tal vosso superior, tratar como homens peito a peito (corpo a corpo era já noutro tempo)..."
(II)
"Chefe! Ó chefe! Um ponto ainda..."
"Estás a fazer o quê no gabinete em hora de ponta?!"
"No mercado encontramos um reaccionário. Pede a comparência do chefe."
"Como é que é o gajo, assim corporalmente?"
"Músculos que não tem no corpo tem na boca, ó chefe. Nós até não passamos..."
"E qual é o estado de opinião e comentário dele?"
"Diz que não entende o fundo de dedicar a vida inteira combatente se hoje nem direito de sobreviver lhe resta... Isso é coisa de se falar, ó chefe?!"
"Mas isso que ele disse é grave, é política! E quando ele explana, é com força ou devagar?"
"Com força. O mercado até pára para ouvir."
"Abafa. Técnica de exaustão, ouviu?"
(III)
"Você é o reaccionário, certo? Olha, fomos despachar com o chefe sobre o nosso diferendo..."
"Nosso diferendo?..."
"Ora essa! Se nós, os Fiscais, em pleno gozo dos nossos deveres de zeladoria, somos interrompidos na cobrança da taxa diária..."
"Eu quero falar como homens com o vosso chefe, saber onde cumpriu a vida militar..."
"Não vale a pena, ele é muito ocupado!!! Também já abordamos a tua inquietação..."
"Quando é que o vosso chefe vem aqui?"
"Continuando. Você, só mesmo você, está isentado de tributar a taxa diária de bancada. Mas não penses que é porque refilaste, não. Em toda a parte do mundo há autoridade. Cumpre-se primeiro, reclama-se depois."
"Ó cunhada, vem ouvir! Esta mulher que estão a ver cheia de poeira é cunhada por afinidade, viúva de um companheiro de trincheira. Como é que eu não pago mas ela tem que pagar, quando a história é igual?"
"Por acaso, o chefe não deferiu sobre o caso dela, mas é pacífico. Conta como indigente. Portanto, agora, por favor, vocês não vão espantar a caça, ou vão?"
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa. Benguela, 28 Maio 2016
quinta-feira, 14 de março de 2019
Crónica de Germano Almeida | RACISTAS OU NEM POR ISSO?
Foi nos
inícios dos anos 60 do século passado, certamente por pressão dos movimentos
independentistas e urgente necessidade de provar ao Mundo que éramos todos,
brancos, pretos, amarelos, mulatos e companhia, todos iguais perante a Nação,
que Portugal começou a integrar os naturais das ex-colónias nas tropas da Marinha.
E lembro-me de um navio de guerra português que fundeou no porto da vila de
Sal-Rei donde desembarcaram uma quantidade de jovens negros, bem tratados e
fardados de um branco impecável e imaculado, e que saíram a passear e conhecer as
ruas da vila. Quando passaram pela nossa casa a minha mãe viu-os e chamou-nos,
Venham ver uns pretinhos de guerra a passar! Fomos ver. Eram muitos e
rigorosamente fardados e bonitos, passeando em fila quase militar, sorrindo
para nós, cumprimentando alegres. Depois que ficámos só nós, disse para a minha
mãe, Mas espera, tu também és preta! Não, respondeu sem hesitar, nós somos
cabo-verdianos.
Os cabo-verdianos em geral sempre tiveram alguma dificuldade
em aceitar a sua condição de negro. Há muitos exemplos históricos a comprovar
essa asserção, alguns bem caricatos como o caso de um administrador da ilha do
Maio no século 18, negro como um carvãozinho, mas que se apresentou como branco
a estrangeiros que visitaram a ilha. Pode ter sido o conhecimento dessa
fraqueza nacional que levou Baltazar Lopes, no prefácio a Aventura Crioula de
Manuel Ferreira, a afastar a nossa eventual condição quer de africanos quer de
europeus, para sem mais nos afirmar orgulhosamente cabo-verdianos. E dentro
dessa linha de pensamento, costumo defender, sem qualquer fundamento
científico, é verdade, a existência de mais uma raça, a juntar-se às já
existentes, e que é a raça cabo-verdiana.
Penso que se alguém com capacidade e conhecimento e
vontade, pegasse a sério nesse postulado, bem perfeitamente que sem grande
esforço poderia reencher o novo conceito de mais uma raça no mundo, a
cabo-verdiana, caracterizando-a como tendo sido historicamente composta por
todas as raças e culturas que aqui aportaram e se juntaram e se misturaram e se
multiplicaram e acabaram criando raízes e se espalharam pelas ilhas todas,
todos moldados por uma terra onde tiveram que quebrar pedras para inventar
comida e que manenti manenti não se acanhava de os matar à fome.
Ora aconteceu que na sua intervenção parlamentar durante a
reunião da Assembleia Nacional a deputada por África, eleita nas listas do
PAICV, discutindo a mobilidade e integração na CEDEAO, insurgiu-se contra o
tratamento que considera discriminatório a que viu serem sujeitos os africanos
que pretendem vir para Cabo Verde, com exigências que considera vexatórias, e
concluiu que até se poderia classificar isso tudo como discriminação racial.
Foi um deus-nos-acuda! Imediatamente os deputados
apoiantes da situação e que estavam sentindo o Governo acossado, logo agarraram
o mote e não mais largaram o osso. Racismo não! É grave acusar as pessoas de
racismo, porque o cabo-verdiano, o povo cabo-verdiano, não é racista. Mas o
mais grave é o PAICV, os deputados do PAICV, ouvirem essa afirmação atentatória
da dignidade nacional sem reagir, aceitando de facto uma situação que deixa de
rastros o povo cabo-verdiano…
De modo que a dúvida está lançada, e como não há não que
não contenha um sim, vamos aguardar pelos próximos capítulos a ver se sim ou
não somos racistas ou simplesmente cabo-verdianos.
In revista África21, Nº 137, pág. 58, Luanda, Angola -
Março 2019
quarta-feira, 13 de março de 2019
Livro do mês na Revista África21 | O Homem Que Plantava Aves, De Gociante Patissa: Desfile Alegórico Da Praxis Popular Benguelense | Por José Luís Mendonça
LIVRO DO MÊS | Sugerimos ao
leitor que pegue na obra O Homem que Plantava Aves, de Gociante Patissa, e
comece por ler o último dos contos, Porque é que a Cauda de Lagartixa Cai? Este
destoa do conjunto de estórias. É a voz de um contador de estórias anónimo, que
Gociante talha com o formão da língua portuguesa num produto literário novo.
Por José Luís
Mendonça, in revista África21, Nº 137, pág. 73/74, Luanda, Angola - Março 2019
A seguir, leia-se
A Lenda do Soberano Ndumba. Muito próxima da última estória, pela colagem ao
nativismo, difere dela pelo recurso descritivo que caldeia todo o livro. É o
que lemos neste trecho: “Concebo sipaio como milícia, um espécime rudimentar
criado pela autoridade colonial, mas cujo poder se cingia sobre as comunidades
indígenas, irónico instrumento de repressão de colonizados contra os seus
semelhantes.”
O leitor atento
pode constatar que certos recantos linguísticos trazem reminiscências do
refinamento discursivo de Óscar Ribas. Nessa conformidade, o valor literário
desta colectânea de contos não reside tanto no seu espectro linguístico, senão no
registo fonético e no desfile alegórico da praxis popular benguelense de que se
constrói a narrativa.
O Homem que
Plantava Aves, lançado pela editora Acácias nos dias 14 e 15 de Dezembro nas
cidades de Benguela e do Lobito, reúne 15 contos, de cuja leitura se extrai um
valioso repositório de usos e costumes da região de Benguela. Neste sentido,
esta obra é rica pelo seu pendor etnográfico. Como explica o autor, na nota
introdutória, “Temos em mãos uma colectânea de ficção com esparsas referências
autobiográficas do autor e do espaço de língua e cultura Umbundu, o que implica atravessar uma vez ou outros temas complexos, como as
memórias do tempo de guerra civil, ou as sequelas do pós-conflito, não fugindo
o devaneio literário ao papel de confrontar a humanidade com as suas
contradições.”
Um
aspecto peculiar de O Homem que Plantava Aves é a reunião, num mesmo texto, das
técnicas do jornalismo, da literatura e da resenha histórico-social. Mas, quem
é o homem que plantava aves? Lumbombo (raiz), paralítico à nascença, tal como
Kahito, do griô Wanhanga Xitu, é um prodígio na sua aldeia.
Esta
raiz paralítica produziu mais riqueza na aldeia que boa gente de corpo
saudável. Primeiro, foi a horta. Que atraiu tantas aves, ao ponto de os
vizinhos conjecturarem que Lumbombo passara, de simples domador, a plantador de
aves. Preocupado em “atrair simpatia feminina aprendeu a esculpir pentes.” Até
que, “com as suas poupanças, passou o mestre Lumbombo a investir na criação de
gado. De frágil a prodigioso, cativava beldades e acumulava bens sem sair do
lugar, sem conhecer o caminho da lavra sequer, já que só se podia mover
arrastando-se.” Esta estória deslumbra por essa razão. Uma lição de filosofia se
extrai no final: “Não é com as pernas que corremos, é com o pensamento.”
Gociante Patissa, qual plantador de aves literárias, reúne na sua
lavra vozes longínquas de mais-velhos e as vozes do seu quotidiano benguelense,
numa bela sinfonia de escrita.
É com o pensamento
que Gociante Patissa, o plantador de aves literárias, corre, de estória em
estória, reunindo na sua lavra vozes longínquas de mais-velhos e as vozes do
seu quotidiano, numa bela sinfonia de escrita, onde, por vezes, encontramos trechos
a raiar a textura da crónica, ou pedaços de ficção escritos como quem dança um
som de ngoma mítico, tal é a ordem de sub-esferas culturais e psico-sociais que
se entrechocam nas estórias.
Em Nossa Luta
Vossa Luta, abre-se o pano do palco histórico angolano, tal como Manuel Rui o
abre em Quem me Dera ser Onda. Com uma pitada de sarcasmo ajindungado. Assim lemos:
“Mas há por aí pólvora na via pública a apanhar restos nos contentores, na
birra do trânsito, na estatística da investigação criminal.” O mesmo jindungo
pica num outro conto, A Chefe e os Homens, que faz a apologia da mulher na
política.
A
Comissária Comunal da Equimina, ao tempo do partido único, é alvo do machismo
impenitente que grassa em Angola, principal. A Comissária havia espancado o
responsável de uma loja que tinha batido numa viúva e estava a ser alvo de
inquérito. “Dez dias depois saía o tão temido veredicto Primeiro. Recrutamento da
senhora agredida para os quadros da OMA e Promoção da Mulher. Segundo. Exoneração
do chefe da loja e responsabilização criminal do mesmo. (...) Contudo, este
resultado levou os detractores, que já davam como certa a exoneração da chefe,
a acreditarem ainda mais que a política é suja.”
Depois desta
colherada de caldo de peixe seco, cabe a vez ao leitor de comprar O Homem que
Plantava Aves e saborear o caldeirão real e, ao mesmo tempo, fantasioso, que
nos mostra outra parte de Angola, das vidas que por lá nascem, crescem e desaparecem
e da sua história que, por obra de Patissa, deixam um rasto indelével no livro.
Daniel Gociante
Patissa nasceu
em 1978 no Bocoio, Benguela. Tem licenciatura em Linguística, especialidade de
Inglês, pela Universidade Katyavala Bwila. Membro da União dos Escritores
Angolanos, foi distinguido com o Prémio Provincial de Benguela de Cultura e
Artes 2012, na categoria de Investigação em Ciências Sociais e Humanas, «pelo
seu contributo na divulgação da língua local Umbundu, na perspectiva das tradições
orais, através do conto e novas Tecnologias de Informação e Comunicação». Anima
os blogues www.angodebates.blogspot.com e www.ombembwa.blogspot.com
Ex.ª JLo, boas vindas à banda do seu "colega", digamos sua ex.ª eu. Favor inaugurar o renascer da esperança de conseguir moradia naquele complexo habitacional abandonado à entrada do Bairro da Luz, Lobito. Ah, V/ Ex.ª não sabe, né? Até vou já reivindicar no INAREES do título de PhD em morar nos anexo de quintal, ou não?
(Arquivo) Diário | ENTÃO GOZAS DE IMUNIDADES COMO?
"Ó senhora, eu já falei. Ainda não sou casado, nunca bati uma mulher. Por isso, me cumpre só, ya? Não me obrigues a fazer uso de força, estás a ouvir?!"
"Isso é teu problema, ó mano. E eu é que vou fazer o quê, se as mulheres deste mundo não te aceitam?! Larga mais é o meu negócio, pá! Vá ser homem noutras coisas, entendeste?!"
"Já que não queres entregar a prova da infracção, estás renitente, é só subir na carrinha!..."
"Eu?! Tchaaa!!! Nunca!"
"Estás a te confiar em quê?"
"Nós gozamos de imunidades."
"Ó dona, vá, vamos embora, já falamos muito! Voz de mando! Eu sou autoridade!"
"Oh! Mano, o mano não é fiscal?"
"Ainda perguntas?!"
"Fiscal não é civil? Como mais é que vai ser autoridade?"
"Só falta mesmo pouco, vou-te meter nas algemas. Isso então é desacato!"
"Desacato como?! Te fiz o quê?"
"A senhora estava a fazer pracinha na berma, por cima ainda a estrada é nacional..."
"Não vamos só falar à toa ainda, mano! Uma pessoa sozinha assim já vira pracinha?! Afinal se a outra é zungueira..."
"Não, não! A mim não enganas! Já namorei com uma gaja de Malanje que me ensinou umas quinze palavras de kimbundu. Zungueira significa mulher que circula, ambulante. Não é o caso. Você estava parada..."
"Mano, na vossa família andam, andam, andam, nunca ficam cansados?"
"Por acaso, tens ali o cartão de ambulante para vender essa ginguba torrada, abacate, mandioca e banana?"
"Não."
"Tens alvará de retalhista?"
"Não preciso..."
"Então gozas de imunidades como?"
"Mão então o meu marido não é chefe de departamento?! Alguma vez viste no Prado dele último grito algum selo de taxa de circulação?"
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Catumbela, 17.06.2018
terça-feira, 12 de março de 2019
Ex.ª, se você foi colega na licenciatura e mestrado em sociologia do comentador João P. Nganga e não vem a público defendê-lo, a PGR está a ver. Não vale dizer que o homem tem um capital de raciocínio lógico/crítico maior que o de muitos mestres e PhD (o que é verdade). A questão não é essa, é apenas de compromisso com a verdade académica.
"Amanhã já assim na Bola TV a tal bajulação em Portugal, em Portugal, em Portugal?... Até tem lá um locutor que gosto, mas é que eu, no relato de futebol, gosto mais do Brasil. Me cuia muito da forma que açucaram!... Mesmo eu sempre falo: quando morrer, a pessoa que vai ler a minha biografia vai ter que ser um brasileiro!"
segunda-feira, 11 de março de 2019
Crónica | Uma oração a “o ocaso dos pirilampos”*
Hoje por hoje, quando um bom leitor se depara com
livro de autor desconhecido, é regra que reaja de forma cética e desdenhosa.
Olha para a capa, para a contracapa, para as badanas; mesmo que esta esteja
escrita da forma mais inteligente possível, ainda reage à biografia do autor
com o estoicismo de um médico calejado ante a impaciência de seu jovem
paciente. Tratando-se de obras prefaciadas, também reagirá a esses dados com
indiferença. Já tem noção de como fazem os prefaciadores: muitas vezes são
leitores superficiais e entusiasmados que não têm a sorte de captar o âmago da
matéria que introduzem.
Então o leitor avança e, se for realmente uma obra
de fôlego, ele começará a resfolegar logo nas primeiras palavras que lhe darão
entrada ao enredo. Porque para reconhecer um bom artista basta uma simples
palavra sua, um som, um piscar de olhos. Depois segue-se, da parte do cético
leitor, aquela estranha sensação de autoengano e também alguma autopunição
libertadora; logo após o prazer cresce em cada avanço, em cada página, em cada
secção. Muda-se o quadro, agora é ele que se sente caçoado, rebaixado,
desdenhado, com o orgulho tolhido. Engole em seco, de arrependimento, mas
também e sobretudo pela sorte de estar a degustar uma boa obra literária.
Existe melhor terapia do que essa? Muitas vezes o escritor, primeiro subjugado,
agora pesca o leitor, acolhe-o no seu manto, deixa-o prostrado na seguinte
oração: «eu falo, é o falo!», escreve sorrindo, soltando um peido, «eu vomito
cidades, todas as vossas cidades de novos-ricos e novos-pobres», ousa o
escritor. E o leitor pensa: micção/Mixinge/isso é felação, há muito que eu
andava a desconfiar de que as nossas cidades, e essa vaga de novos-ricos e
novos-pobres que só começaram a aparecer primeiro em 1975 e depois em 2002,
eram xixi e “dejetos fecais”. Mas o leitor não tem como abrir a boca, fica
preso à trama… uma leitura assim é eletrizante. Atua como íman, prende e faz
refém. Ele fica imerso na leitura, é absorvido, absolvido e convidado a adotar
posições kamasutrianas. Só quando
alcança as três ou duas páginas derradeiras, aquelas que desfecham o enredo, é
que se lembra de parar, de forma brusca, porque é chato constatar que se vai
terminar a leitura de um bom livro; e por isso finge, procurando prolongar, por
subterfúgios, o momentum. Numa
atitude de desespero, põe o marcador na página derradeira e devaneia: sopesa o
livro, sente-lhe o cheiro, o tato também, detém-se por mais tempo e com algum
respeito na leitura da biografia e na imagem do autor para lhe perscrutar as feições
e abstrair as emanações da sua personalidade… Um bom leitor não aprecia um
livro antes de saber do que este retrata.
Sempre tive medo de terminar a leitura de um bom
livro; deixa-me uma sensação de desamparo, de traição e de vazio absoluto. Um
bom livro é como o coitado do coito, seu fim nunca foi bem-vindo.
* “O Ocaso dos pirilampos” é título de um livro da autoria de Adriano
Mixinge, escritor angolano; vencedor do prémio Sagrada Esperança. Esse texto
foi inspirado pela leitura daquele livro.