sexta-feira, 8 de março de 2019

Portugal e Angola: Mais colonos do que amigos | Opinião do luso-americano Luís Costa Ribas


A bem-sucedida visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, os afectos, as selfies com o Ti Celito e a aparente bonomia do Presidente João Lourenço, são a superfície. Sob este nível cutâneo, os portugueses continuam a ser, sobretudo, colonos.

Fonte: SIC07.03.2019

É longa e boa a minha relação com Angola. É marcada pelos amigos, muito bons amigos, de décadas; por um interesse profundo por um povo muito bom, amaldiçoado com um governo muito mau que felizmente, com João Loureço, está a melhorar todos os dias; e por dedicação profissional a África, em parte devido ao meu trabalho numa emissora internacional nos Estados Unidos.

Esta relação de proximidade com Angola, e o facto de a maioria dos angolanos que me conhecem me associarem aos Estados Unidos, permite-me ouvir deles avaliações francas sobre Portugal. E Portugal – a Tuga – é a terra dos colonos. Os “pulas” – os portugueses – são amigos de ocasião e convenientes bombos da festa. Estão lá pelo dinheiro, não pela amizade. O mesmo se pode dizer da interesseira amizade angolana com Portugal: apesar das “ameaças” de amizade com Espanha ou França, não há porta europeia como a portuguesa. São assim as relações internacionais. Todas as amizades o são por conveniência.

Repare-se no “irritante”. Independentemente do mérito do caso na justiça portuguesa contra o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, Angola não aceitou – nem nunca aceitaria – a sujeição de quem foi um alto responsável do estado à ex-potência colonial. Não está em causa saber se Vicente era, ou não, corrupto. Provavelmente, é. Aceitar que a justiça portuguesa, mesmo sem as suas tristes e lamentáveis práticas recentes, pudesse sobrepor-se à atroz e incompetente justiça angolana é inaceitável. Como qualquer angolano nos dirá, “a nossa justiça é má, mas é nossa”.

É claro que, para os adversários do regime, recorrer à justiça da ex-colónia é uma faca de dois gumes. Por um lado, mesmo má, é melhor e mais independente do que a angolana. Logo, a probabilidade de se fazer justiça é superior. Mas, por outro, a situação gera um enxovalho e uma humilhação a que muitos angolanos não querem sujeitar o seu país. Apesar de, entre a oposição, suscitar uma boa dose de shadenfreude ver os arrogantes e corruptos dirigentes do MPLA a suar as estopinhas em Lisboa, castigar os nossos às mãos dos estrangeiros, não é sucesso garantido.

No caso de José Eduardo dos Santos e do seu regime, era um mero caso de arrogância, de “como se atrevem”, vindo de um regime com uma noção imperial da presidência. No caso de João Lourenço foi uma necessidade política. Defender Manuel Vicente não era defender Manuel Vicente. Era defender João Lourenço. O novo presidente angolano estava a atiçar muitos marimbondos e fazer frente a Portugal ajudou a proteger o seu flanco interno.

Por um lado, deu uma satisfação aos muitos que, nas elites angolanas, se sentem desconsiderados pelos “pulas” e agastados com a arrogância com que muitos – e não são poucos – comparecem em Luanda. Por outro, Lourenço precisava de estabelecer contrastes firmes com José Eduardo dos Santos. E mesmo que a justiça angolana não seja, ainda, muito melhor – os aperfeiçoamentos necessários estão a anos de distância – o facto de não ser arma contra a oposição constitui, em si mesmo, uma bem-vinda melhoria.

À atitude sobranceira com que Luanda lidou durante anos com Lisboa não é alheia a postura desta, solícita, de chapéu na mão, ou abjecta, de joelhos, como foi o caso de Rui Machete, incitando à humilhação. Até mesmo no caso recente do Bairro Jamaica, aceitando que o Governo português não pediu desculpas a Luanda, alguma coisa foi dita para permitir tal interpretação.

Recentemente, encontrei nos arquivos diplomáticos portugueses um telegrama da embaixada em Luanda, de 1976, dando conta de uma carta do então Ministro das Relações Exteriores, José Eduardo dos Santos, ameaçando expulsar os diplomatas portugueses, se Lisboa continuasse a permitir a presença de apoiantes angolanos da UNITA no português. Não faltam, no historial desta relação, manifestações de nacionalismo defendendo a soberania angolana através de imposições à soberania portuguesa.

As mudanças de José Eduardo dos Santos para João Lourenço retiraram à presidência insolência e sobranceria, humanizaram-na e aproximaram-na dos governados, mas não alteraram o carácter nacionalista do MPLA que se reflecte nas suas relações com Lisboa.

Por muito que precise de Portugal e dos portugueses, e precisa, Luanda olhará sempre para os pulas como colonos, primeiro, e amigos depois.

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