sábado, 30 de março de 2019

Em linhas tortas (08/19)


Com acções isoladas não se promovem hábitos de leitura. Olá! Começo a reflexão breve de hoje nesta rubrica de forma apriorista a respeito do tão propalado desiderato de massificar os hábitos de leitura. O que não falta são boas intenções, felizmente, só que estas acções, para darem frutos, precisam de um olhar holístico. Por exemplo, é frequente, para quem está neste mundo da escrita, receber convites para participar em feiras e/ou oferecer exemplares para tais eventos ou campanhas de doação de livros. São gestos levados a cabo por organizações, algumas informais, outras vinculadas a instituições de ensino, geralmente em datas comemorativas. A lógica parece ser a seguinte: se a pessoa escreve, logo tem exemplares em casa. Ora, tendo exemplares e carecendo de ser lida, a pessoa ganha doando os seus livros. E em parte até faz sentido. Só mesmo em parte, uma ínfima parte. A questão é que o livro funciona um pouco como ocorre - perdoem-me a analogia - naqueles casos em que o homem se queixa de a sua parceira não aceitar/gostar de usar o preservativo nas relações sexuais. Só que depois, vendo bem, a gente questiona se alguma vez o uso da camisinha foi tema de conversa e a resposta é negativa. Ora, então não deveria o artigo ser objecto de conversa permanente? Com o livro é mesma coisa. Se não se fala do livro constantemente, da sua importância e de como instiga a reflexão ou o humor, de nada adianta impingi-lo “à queima-roupa”. Não é por ser dado de presente que se torna mais atractivo. Os hábitos de leitura passam também e fundamentalmente pela promoção da leitura como lazer. O caricato é que muitas destas organizações “solidárias” que solicitam aos autores/escritores livros de oferta não têm, em boa verdade, relação de amizade com o livro nem com a dimensão lúdica do mesmo. E como quase nunca se sentem motivadas a marcar presença em sessões de lançamento e autógrafos, oportunidades públicas e soberanas de manifestar algum apoio moral e aproximação ao autor, também não se percebe que há uma vertente económica no processo de edição do livro. Não se leva em conta que a despesa é do editor, que não conta com incentivos nem do Estado nem do sector empresarial (na ausência da lei do mecenato); que e o escritor só ganha menos de 20% da venda por livro, tendo de pagar do próprio bolso cada exemplar que ofereça ou as deslocações para presenciar feiras. Resumindo: a oferta não devia ser induzida. Ainda era só isso. Obrigado.

Daniel Gociante Patissa | Catumbela, 30.03.2019 | www.angodebates.blogspot.com

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2 Deixe o seu comentário:

Manuel Luis disse...

São os sinais do tempo, com estas novas tecnologias, não me parece que os jovens optem pela leitura de um livro.
Eu cá vou lendo.
Abraço.

Angola Debates e Ideias- G. Patissa disse...

Realmente, caro Manuel Luís.
Forte abraço

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