Por Cristina
Galhardo Amado (Benguela 12 Julho 2013)
Neste livro, o autor, Gociante Patissa,
traz-nos catorze textos, apresentados na contracapa como sendo “contos”. Esta
tipologia está, sem dúvida, presente em alguns textos, embora vários destes se
enquadrem muito mais no sub-género crónica literária. É neste último,
sobremaneira, que se notam pontadas de linguagem que se aproxima da
jornalística, em apontamentos que auxiliam o leitor (se desnecessariamente ou não, cabe a vós também julgar) a se situar.
Em parte significativa dos
textos, o tal “auxílio” ao leitor cede lugar ao enigmático, ao que fica
pairando no ar, que vai além da eventual falta de habilidade do leitor,
nomeadamente por não dominar a semiótica que permite interpretar não somente
literatura, mas tudo na vida. Talvez seja a influência sugerida pelo próprio
autor (narrador também, no presente exemplo) no texto “Velho Batalha e a
Bicicleta que Não Sabia Correr”, dessa cultura em cuja linguagem “quase tudo é
por atalhos, servido na bandeja da metáfora, do fragmentado, da inferência”
(p.91). O autor transporta, desta forma, para seus textos essa característica
das máximas Umbundu, que têm por norma não oferecer interpretação imediata,
fácil ou única ao interlocutor.
No âmbito das que, para mim,
se aproximam mais de crónicas, destaco, pelo impacto emocional, “Sapalo e a
Avenida do Quase”. Sapalo personifica os tantos que, quem como eu caminha,
encontramos nas ruas, perdidos em suas deambulações, nas avenidas “do quase, do
sonho por rápidas melhoras, da dor” (p. 84). Em certos momentos, no seguimento
do que foi dito acerca do pendor enigmático da narrativa, é endereçado ao
leitor um claro convite à interpretação, como sucede particularmente n’”O
Calendário da Viúva”, em que o agente se debate com o que classifica como
conversa desconexa de Saluquinha, curiosa personagem. Como sugeriu António Lobo
Antunes, quem somos nós para dizer que outros são loucos?
Ainda numa tipologia similar,
“A Estrela que Não Voltei a Ter” é particularmente tocante, mesclando a crueza
não restrita à vida humana e a poesia de quem não esquece o que nos foi arrancado
da e na meninice.
Quanto aos que considero
contos propriamente ditos, os convites às reflexões e conclusões do leitor
estão bem presentes, iniciando logo com o texto que abre o conjunto, o belo “A
Minha Mãe é Hortelã”. O conto que dá nome ao livro traz-nos uma personagem que,
pela extensão e complexidade de caracterização, parece pedir (logo ele, que
também foi biografista) uma narrativa mais extensa.
O último texto, “A Árvore que
Dava Leite”, me parece algo desgarrado do conjunto. Sendo um conto de pendor
tradicional (como ocorre com “No Reino dos Rascunhos”), é narrado de forma
completamente distinta dos anteriores, em que é notória a presença e
interferência do narrador, que nos interpela, nos interroga e partilha suas
impressões.
O livro, editado pelo GRECIMA
[programa «Ler Angola». Luanda, 2014], pode ser encontrado no Kero [rede de
mercados]. Boa leitura!
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