sábado, 18 de julho de 2015

Diário | Uma igreja cada vez mais distante do seu papel?

Nascido num lar evangélico, não havia outra escolha senão frequentar a escola bíblica dominical como herança, que para além das aulas doutrinais compreendia o grupo coral e algum teatro/presépio na época de Natal. É certo que houve momentos em que a sobrevivência da educação religiosa ficou ameaçada, muito por conta das aulas de lavagem cerebral socialista/comunista que o pai absorvia na escola provincial do partido (1987-1991). Aos poucos fui deixando de acreditar na coerência dos homens que representam Deus (ultimamente quase que indústria da fé apenas). Não me cabendo o direito de julgar, deixei a porta entre-aberta, na esperança de que mais tarde ou mais cedo a igreja reencontraria o seu papel. As minhas dúvidas crescem a cada dia com a mediatização das realizações sociais da instituição vocacionada na moral e no fortalecimento da fé. Por exemplo, (a) ao ver a foto do bispo "reformado" de Benguela e a pompa com que "abençoou" a nossa compatriota na altura recém-eleita miss universo, fiquei a me questionar que relevância um concurso de miss teria para a instituição que aquela entidade representa. (b) Há dias, ao passar pelo mercado, vi um cartaz de uma igreja que anunciava a sua morada ao lado da "chapa da Cuca". Seria uma armadilha para captar almas viciadas no álcool? (c) Ontem, li algures que a igreja Universal reclamava falta de apoios do governo, no argumento de que outras - disso sabia a IURD - têm recebido mais. Fiquei também a saber que a rede comercial "Alimenta Angola", com lojas em expansão pelo país, pertence àquela "multinacional" de origem brasileira. Encaixa-se no ideal cristão? (d) Na feira industrial do ano passado, no estádio de Ombaka, abordei uma simpática voluntária portuguesa da ONG Leigos para o Desenvolvimento, ligada à igreja católica, até que ponto numa realidade como a nossa "ficava bem" receber financiamento da cervejeira Soba Catumbela (o que inclui obviamente dar visibilidade à sua marca) quando se trabalha com jovens nas comunidades com grande risco de vícios. (e) Falaram-me da moda em certa igreja evangélica de concursos de passagem de modelo em actividades de senhoras e, porque não, bons números de dança, com o nosso vibrante abanar de nádegas, o ku-duro, no espaço sagrado. A lista é longa. Não defendendo o maniqueísmo como tal, começo a ficar preocupado se estas pazes entre Deus e César não incubam uma guerra no futuro. Se calhar, século 21 é isso mesmo.
Gociante Patissa, Benguela 18.07.15
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