Visitei
há uma semana o sítio onde passei a maior parte da minha vida (de 1987 a 2008),
o bairro da Santa Cruz, no município do Lobito, contas feitas 21 anos a fio.
Na
verdade, vou lá com frequência visitar a família, embora prefira não
contabilizar tais vezes, já que acontecem de forma restrita, como é de imaginar.
As idas de formato mais alargado, mais social, ocorrem, via de regra e
lamentavelmente, quando me chegam notícias da morte de algum conhecido por lá,
e com isso o dever de solidariedade. Esta última visita não fugiu à regra. O
bairro desvirtua-se com o tempo: muita gente nova, construções e obstruções. Há
gente do meu tempo que não via há mais de um ano.
E
foi com um certo desconforto que reparei a deferência com que me tratavam. Com
boa intenção, é certo. Aliás, sempre fui tratado com algum carinho naquele bairro, não
apenas pelo carisma da minha família, mas essencialmente uma recompensa por ter
sonhado e liderado a equipa que materializou a AJS (Associação Juvenil para a
Solidariedade), ONG angolana fundada em 1999. Ainda assim, bateu em mim uma
forte vontade de me proteger de mim mesmo quando o perfil de
"escritor" suplanta a memória do cidadão.
O
habitual em óbitos é nos encostarmos a pessoas da nossa turma, nosso tempo,
mergulhar naquelas conversas homogéneas. Desta vez, para me pouparem da poeira,
do sol (que até não incomodava), fui convidado a ficar numa sombra "mais
confortável", isolando-me (mesmo que não o dissessem) de eventuais
conversas banais de um ou outro jovem inconveniente e talvez sem escolaridade.
Sim,
porque agora não sou apenas aquela alma que o bairro deu oportunidades para com
ele crescer; porque agora vou tendo espaço de relevo na televisão, nos jornais,
na rádio, inclusive de alcance nacional. Imagino já o que viria a seguir, caso tempo
houvesse para comer e beber, um excessivo (a meu gosto) cuidado em “protocolar
o escritor”.
Cedi,
vi-me obrigado a ceder. Negar seria garantidamente uma afronta, estrondosa deselegância,
para com o um amigo com quem andei na mesma escola (7.ª e 8.ª classe), que
muitas vezes me deu boleia na sua bicicleta e me permitiu jogar no seu
"game".
Um
pouco pela falta de tempo (ocupação profissional mais a exigente tarefa de ler
e escrever para consolidar a carreira) e outro pouco por causa de algumas
lições amargas bem apreendidas nesta vida, tenho optado por uma postura mais
introspectiva, mais caseira, diria até menos comunicativa. Mas no essencial sou
eu, procuro manter-me autêntico, produto das minhas vivências, da militância cultural
e do legado familiar.
O
que fiz esta noite (antes que tal barreira venha a dar cabo do que eu preciso para
tesouro, nomeadamente as minhas memórias e o direito de pertencer ao meu meio
de ontem), foi escolher dezenas de fotografias a rolo para as poder digitalizar. Quero
ao menos guardar esse alegre registo de menino. Eu preciso disso! É uma
estranha vontade de nos protegermos de nós mesmos, dos efeitos colaterais em
nossas conquistas e realizações.
Gociante
Patissa, Benguela, 11 Julho 2015
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