Como
já disse bwé de vezes, a minha trajectória e tudo o que um dia for ou fizer, a
par do inconformismo estrutural e do poder criativo, tem duas bases
determinantes: uma é a educação e legado cultural da minha MÃE, outra é a
língua inglesa.
A
minha relação com o Inglês data de 1993, aos 15 anos. Seguiram-se anos de muita
leitura e exercícios, inicialmente com ajuda do Paulino Sõi (parente por
afinidade), do bairro da Pomba no Lobito, cerca de 10 Km do bairro Santa Cruz,
onde morava eu, ligação que fazia a pé, muitas vezes a fome. O país enfrentava a
penúria alimentar, com o reacender da guerra civil pelo fracasso eleitoral de
1992. Paulino tinha livros, paciência e deixava-me passar horas e horas no seu quarto
a transcrever vocábulos. Ao mesmo tempo, para resgatar o televisor das mãos do
mestre, vendia estátuas de madeira lá de casa a capacetes azúis britânicos da
ONU e assim praticava com falantes nativos.
Uma
curiosidade: o primeiro projecto da AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade),
ONG ainda consolidação, teve o financiamento da Oxfam (aprovado durante o
consulado da holandesa Erika, verba desbloqueada já com Tuca Manuel a
representar aquela agência britânica). Mas foi num domingo de praia em 2003, na ponta da Restinga, que acidentalmente se teve um diálogo descontraído com a Erika, até então
desconhecida. A jovem disse que era representante da Oxfam, que tinha financiamento
para projectos de luta contra ITS e VIH/SIDA e que devíamos concorrer. Os
activistas voluntários teriam conhecido por conta do projecto «Viver Contra a
SIDA» a oportunidade de servir na comunidade de Santa Cruz, Lobito, e Curral e
Alto Chimbwila, na Catumbela.
Voltando
ao Inglês e às traduções, assinalo aqui três momentos marcantes: um foi por contrato
da Handicap em 2006 para intérprete de um jornalista irlandês que veio dar workshop sobre audiência e técnicas de
mobilização mediática (com drama e vinheta) a associações que trabalham na
causa de pessoas com deficiências. Aprendi bastante; o outro foi ao realizar a
fantasia de traduzir do Inglês para Umbundu, dispensando o Português, quando
uma delegação humanitária se reuniu com sobas e autoridades tradicionais no
Cubal. A mais complexa empreitada, no entanto, foi em 2006 a contrato do
Programa Nacional de Reabilitação, a que a foto faz referência.
Os
termos do contrato indicavam quatro dias de tradução/interpretação para o Dr.
Ron, americano, especialista em «hearing
impairment» (deficiência auditiva). Incluíam consultas na Escola do Ensino
Especial, visita a escolas com turmas de integração no Lobito, e aplicação de prótese
auditiva. Cinquenta dólares/dia era o meu preço de base.
Ainda
ao primeiro dia, tive de reclamar: passavam das 14h00 e nada de pausa para o
almoço. O dia de trabalho começava às 08h30. A adaptação ao ambiente da escola em
si era o maior desafio. Muito barulho, dispersão de atenção, para quem vem de
fora. Havia equipamentos técnicos que eu via pela primeira vez. O amigo Jesmim,
técnico sénior da instituição, complementava a comunicação com utentes mudos, pois
o código gestual angolano difere do americano. O semblante estafado, ainda a
meio do contrato, era inevitável. E o americano tocava-me no ombro e repetia num
tom motivador, que soava irónico: «I feel that you like it. You’re good!» (sinto
que gostas disso. És bom!). E aqui termina o quarto texto da série de minhas
memórias sócio-profissionais.
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