Janeiro
de 2010. A chegada a Washinton, DC começou com pequenos percalços no aeroporto
de Dulles. Na verdade, os percalços tinham começado bem antes, no voo de
ligação em Newark, onde o pessoal de segurança suspeitou pelo tamanho da pasta
de dentes que trazia de Lisboa estar acima do permitido para bagagem de mão. A
presença do protocolo do Departamento de Estado (um senhor simpático de casaco
azul) ajudou a desdramatizar a coisa, pois um mês antes tinha sido abortada
tentativa terrorista de Mutallab, um jovem nigeriano, de pele escura e
desacompanhado, como eu.
Voltando
a Dulles, é um enorme aeroporto com dois pisos para saída, um reservado a
viaturas familiares e outro para serviços de táxi. Fui logo sair trocando as
opções. Perguntando a esse e àquele, lá consegui enfiar-me num táxi. Era
africano o motorista, somali de 25 anos, que dizia estar nos EUA pela via do “green
card” já lá iam dois anos. Pensava buscar a família, à medida que se
estabilizasse. Pediu-me 30 dólares, e eu dei 50, satisfeito pela africanidade
com que me abordou durante meia hora de estrada.
Na
recepção, aguardava por mim um envelope com o mapa da cidade (como se o meu
sentido de orientação fosse grande coisa) e a chave da porta em forma de cartão
multi-caixa. Estavam também os três tradutores (mais guias do que tradutores,
uma vez que dominar a língua inglesa era pressuposto para aquele programa de
intercâmbio). Fiquei triste ao saber que me tinham reservado o quarto número
800. Não tenho a mínima atracção por elevadores, e caminhar oito andares é uma
maçada. Tinha decidido aguentar tais "peregrinações", mas logo desisti
de tamanha casmurrice. E foi nos elevadores que observei multiplicidade de
choques culturais e laboratórios sociológicos.
Ia
saudando em cada entrada para o elevador, como faria aqui, mas à medida que fossem
entrando outras almas, notei que não esboçavam o mínimo gesto de saudação
(salvo
raras excepções). Acomodavam-se e olhavam para o lado. Estranho, pensei. Que
vem a seguir? Essa gente faz monumento ao desconhecido? Como posso encontrar
alguém num lugar tão restrito, como um elevador, e simplesmente “fingir” que não
estou ali? Sim, porque saúdo para dizer que existo, como pessoa, como ser
social. O outro lado faz o mesmo, e celebramos o milagre da vida, por muito
breve que seja um sorriso, um aceno, ou um simples olá.
"I
don't think I should say hello to the people that I don't know” (não acho que
seja obrigação saudar pessoas que não conheço), disse certa vez, no contexto
angolano, alguém de nacionalidade (e cultura) americana. Não lhe prestei grande
atenção cá, como é óbvio. Agora que estava lá, as mesmas palavras tinham
sentido bem diferente.
Mas
depois me repreendi a mim mesmo por essa análise tácita em função da construção
social, do meu sistema de valores, sobre a leitura de uma realidade geográfica
e culturalmente distante. Que será que representa para a sociedade americana
"o desconhecido"? Um ser inerte, uma fonte de medo, uma indiferença
em movimento?
Gociante
Patissa, Benguela 24 Novembro 2012
2 Deixe o seu comentário:
Gostei bastante deste texto, sobretudo do estilo, com aquele humor que você diz fazer falta. Parabéns
Daniel Teixeira
Ps: Vou publicar no Raizonline, desta vez com o seu nome correctamente escrito.
Muito obrigado, caro Daniel Teixeira, tem sido um prazer a divulgação que prestam ao meu trabalho. Um abraço da praia do Lobito hoje.
Enviar um comentário