| Banny de Castro |
Muito além da criatividade e da
crítica humorística subjacente, cá para nós, que vivemos próximos da realidade
trazida para esse livro, vale muito a atenção que o Gociante Patissa dedicou não apenas à cultura, mas à própria
história da nossa gente. Claro que, por estar composto de textos literários,
não se deve imputar ao livro algum carácter técnico-histórico.
Mas a literatura, em diversas
circunstâncias, tem tido um papel interventivo muito forte, principalmente no
que tange ao despertar fazedores de outras ciências para assuntos que lhes
teriam passado despercebidos… Esse livro é interessante porque carrega o poder
de instigar e provocar aqueles historiadores preocupados não somente pela cultura,
mas também pela história de Benguela e dos Ovimbundu; aliás, já é conhecido o
engajamento do autor na investigação da nossa tradição oral, o que de uma ou
doutra maneira desemboca no seu interesse pela própria história das nossas
gentes.
Por existirem ainda raros
escritores a fazerem o que ele faz por Benguela, sem o envolvimento dele nessas
questões muita da nossa tradição estaria ameaçada a perder-se sem deixar
resquícios de sua existência, e a posteridade estaria impedida do prazer de conhecer
esses detalhes importantes do seu passado; graças à essa intervenção, a sorte
bate a porta e as pequenas comunidades abrangidas pela pena do Patissa ganham o
privilégio de verem a transmissão de suas idiossincrasias para as cidades e
para o futuro, o que não é algo de somenos importância para as suas vivências e
o seu orgulho.
Para um futuro que se apresenta
hostil à tradição oral, esse contributo, de um escritor que regista episódios
do passado e do presente de uma comunidade que durante bastante tempo viveu apenas
da oralidade, é de extrema importância. Para mim não é o folclore que me
interessa, mas fundamentalmente a historicidade desse povo que não teve a sorte
de fazer registos escritos do seu passado. Como mais novo que sou, aprendi
muito nesse livro. Há textos que me deixaram comovido porque retratam questões
intimamente ligadas ao meu passado, como é o caso da mitologia envolvendo o
substantivo “Ndumba”, nome de meu avô materno.
Os rituais de saudações, os atambos, os cerimoniais de julgamentos, a
“Lenda do Soba Ndumba”, o feminismo e as ousadas políticas de natalidade da
Camarada Vice, e mesmo as cenas da guerra pós-independência, representam não somente
aspectos mitológicos ou tradicionais da nossa gente, mas também suas crenças, suas
esperanças, suas derrotas, suas vitórias, suas descobertas, suas ideias e
aspirações, em suma, são sua história; uma história que tem sido feita e
contada na escuridão e/ou à sombra de mulembas. Que essa história seja
bem-vinda à luz da ciência e das novas tecnologias!
Benguela, 30 de Dezembro de 2018.
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