terça-feira, 4 de dezembro de 2018

[Oficina literária 31] DIÁLOGO COM AS LÍNGUAS – crónica de Rodino Sapateiro


Hoje acordei ouvindo gritos com cheiro dos quatro pontos do meu país. Eram vozes conhecidas e tinham um nome comum. Cá na banda, os gritos, as lágrimas do vizinho são nossas pelo que movi-me para certificar-me do que realmente se estava a passar. Não podia tanta, mas tanta tristeza! Eram inúmeras filhas deste chão vestindo andrajos em forma de protesto, pois entendiam ser assim que todo mundo as via. 

Com vozes de saudades e repulsa, choravam, chorava, choravam e gritavam num tom uníssono: "Servimos a pátria, revolucionamos e libertamos este país e hoje nos matais, nos chamais anacrónicos. Seus homicidas! Atrasados sois vós! E as vozes vozeavam infinitamente. Diziam-se cansadas de ser mero passatempo e vistas como um descartável jogado ao lixo depois de animar banquetes e outras insignificâncias que  enterrava sua identidade que visa tão-somente definir identidade.

Mas quem eram mesmo aquelas senhoras e de onde vinham? A quem faziam aquelas graves, vergonhosas e até comprometedoras acusações? Eram estas perguntas que todo o mundo no bairro fazia, até elas exibirem um cartaz onde se podia ler: SOMOS AS LÍNGUAS NACIONAIS.

Ninguém as detinha e não obstante serem ignoradas elas gritavam em mais alto a medida que o sol raiava: " VAYONGOLA OKUTUPONDA! OPUTU ELIMI LYACINDELE, WATOPI NDETI!


Quando as tentei indagar, levaram numa visita guiada para as escolas, centros culturais, aos lares, à toponímia aonde tinham sido acantonados para sua ascensão. O estado de abandono era indescritível. É preciso voltar às nossas tradições como quis Manguxi. É preciso dialogar com as nossas línguas. Não deixemos nossas línguas, nossa identidade morrer! É preciso resgatar a consciência que se orgulhe delas para as vermos espalhar seu perfume pelas ruas da cidade.

RODINO SAPATEIRO

SOBRE O AUTOR

Rodino Satelo Ngumbe, natural do Lobito. Professor, licenciado pela UKB, faculdade de Ciências da Educação. Exercita-se, há já alguns anos, escrevendo sobretudo crónicas e poemas.

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