Abrir
livros é coisa de gente sabida ou que quer saber, porque o resto os mantém
fechados, escondidos em estantes e outros colocam o selo da inutilidade sobre
qualquer que seja o sítio que tenha um livro. Soube disso depois de uma viagem
até à pequena cidade de Ndalatando, aonde levei comigo os meus companheiros
Ondjaki, Manuel Rui e o senhor Hélder Simbad, e, enquanto as quatro rodas da
lata mais velha que nos carregava beijavam a raridade de asfalto que aparecia,
desfilava os vários olhar sobre a paisagem na exterior idade. A natureza é
mesmo uma mulher nua – faz-nos pensar que devemos tocá-la além dos limites das
mãos, se os olhos não forem capazes de nos levar à tão prazerosa dança das
possibilidades. Entrementes, tinha o meu amigo Ondjaki no seu “Quantas madrugadas tem a noite” aberto, como as fronteiras de um país
e, no meio, passeavam intercalados os meus dedos médio e polegar com a mesma
frequência que chuva em Abril. As montanhas circundadas pelo capim verde, as
aldeias com ares da modernidade que lhes acolheu e a cor da tarde que o sol
causava, pela porta dos meus luandenses olhos, entravam as razões de sensações
raras e sentidas só… aliás, nunca antes sentidas.
Quando
voltava a passear sobre as letras do rebento de Ondjaki, sentia que
desperdiçava uma outra boa leitura: a desordem no que chamamos de estrada
também me parecia mais quente, e a suavidade no tocar dos pés ao chão dos
transeuntes lá fora tinha a particularidade da gaivota-rapineira. Já imagino se
fosse poeta, ia rascunhar um verso do tamanho do Lucala!
Esta
não era a primeira nem a segunda vez que viajava para Kwanza Norte, mas sabia a
diferença todas as vezes que levantava a cabeça e abraçava o exterior daquele
carro. E, como se diz que uma viagem começa aquando da sua programação,
quisemos materializá-la, colocamo-nos fora e buscamos o contacto directo com
aquela terra – o Golungo era-nos mais alto que o Moco do Huambo e foi daquelas
alturas que vimos as, também, suas reservas florestais e foi mais tarde que em
passeio nas verdejantes margens, refrescantes como as salivas do vento, pisamos
as suas praias, já no Dondo. Nestas horas, o meu amor pelos livros repousava
tranquilo, lia de capa em capa as muitas linhas naturais e esfolheava cada
paisagem qual leitor jovem num bibliótafo e, sem ter que molhar o dedo na
língua, escorregava-me às páginas daquele belo natural. Compreendi por que um
dia concordei com Mia Couto, “a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo.
Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o
chão, lemos o mundo, lemos a vida.” Não será hoje que voltarei à leitura de
sempre, ao barro do Cazenga e, ou ao betão armado de Luanda. E enquanto estiver
aqui, meus amigos Ondjaki, Manuel Rui e Hélder Simbad ou terão de me acompanhar
às vidas destas leituras ou, fechados, terão de esperar a quentura luandense;
porque ler está além de percorrer com as vistas um conjunto de palavras!
Estou
aqui em Kambambe a pensar em abrir o livro, como sugeriu a cantora… mas como, se
há mil e uma outras poesias abertas depois do aro da janela?! Às vezes, não
guardamos um livro por não gostar de ler ou por preguiça, é que existem muitos
outros livros abertos bem às nossas vistas. Temos sempre uma leitura pendente!
SOBRE O AUTOR
Kaz Mufuma, nasceu em
Luanda, no município do Cazenga, onde vive. É estudante de Engenharia Química
na Faculdade de Engenharia da Universidade Agostinho Neto; professor de Química
do 2° ciclo; Editor de imagens e Designer gráfico. Participou na Colectânea de
textos poéticos (Roteiro das Artes Internacional; Angola-Galiza) "Sementes
da Língua" (2016).
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Às vezes, não guardamos um livro por não gostar de ler ou por preguiça, é que existem muitos outros livros abertos bem às nossas vistas. Temos sempre uma leitura pendente!
SENSACIONAL!
O jogo com que joga as palavras é simplesmente wauuu... parabéns caro mecânico e você sim é pesado profissional;
Saudações de Mkanambi
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