Falando
da violência doméstica, um flagrante. Havia uma senhora e meia mais dois
seguranças, duas metralhadoras também. Falavam ora umbundu, ora português. Na
verdade, não falavam. Desabafava ela, ouviam os seguranças do banco. Uma da
tarde, sol é sol, só suor, que hoje o dia foi de ar condicionado no máximo.
A mulher
poisava a bacia de haveres vendáveis, entregue à fadiga de quem serpenteou as artérias da cidade com frutas nada apelativas à cabeça. Devia ter uns vinte e
oito anos, que pareciam inflacionados numa escala de mais quinze, dada a
condição indisfarçável da sua situação social. Padecia de gravidez. Menos mal,
que isso tem cura. Pior do que isso era a pobreza entranhada na derme. Sim, já
alguém o disse, a pobreza, ou miséria (a sua versão mais sofisticada), tem o poder de envelhecer as pessoas.
Não no sentido saudável de agigantar o saber, lamentavelmente, mas um
envelhecer na impotência e na fatalidade de nos auto-definirmos pertencentes à
camada baixa.
Camada
baixa é um irónico conceito de auto-exclusão, a partir do momento em que,
inconscientemente, a pessoa aceita o status (tão negado no discurso) de cidadão
de segunda. É o kupapata que, tentando ganhar o pão, leva com as investidas do
polícia, o mesmo polícia que entretanto perde autoridade perante o menino-homem
bonito que levanta a moto e faz acrobacias no recinto da escola primária.
Cidadão
de segunda é qualquer um que entra na cela sem lhe passar pela cabeça que
existe algo chamado advogado. Ao cidadão de segunda falta escolaridade
consistente, trabalho bem remunerado, falta também a consciência de direitos,
porque os deveres, estes, tem é de sobra. A fatalidade está em aceitar o círculo
vicioso como legado, senão mesmo destino, e a mobilidade social de outrem como
questão de sorte, uma sorte no entanto a milhas de alcance. Depois é perder o
já pouco provento alimentando o poço sem fundo na teologia da prosperidade do
charlatão pastor, que entra, feito broca, numa mente já habituada a só cumprir,
nunca questionar.
Continuando.
De cartão entre os dedos, prontos a sacar, as pessoas chegavam ao local público
por sinal mas por alguns instantes feito de tertúlia íntima. Só que depois
acabavam por se retirar, já desiludidas, os aparelhos não tinham dinheiro para
ninguém. Dirija-se, mais é, ao próximo caixa (mais é já é o que a máquina não
fala textualmente, mas deixa nas entrelinhas).
O meu
marido é mesmo assim, aquilo não sei se tipo tem nojo de grávida ou o quê... -
conta a mulher, para a expectativa abelhuda dos dois ouvintes armados por fora,
ternos por dentro - Você fica mesmo ali deitada, filho alheio, ele já não é
ele. A pessoa ainda no começo incomodava, mas tcha!... Agora sabes ele faz
como? Ele como sabe mesmo já que não gosto quando o homem está bêbado andar a
me segurar, agora ele, como é esperto, passa mesmo tooooodo o diaaaa na rua, já
só chega em casa bem bêbado.
Gociante Patissa | Aeroporto Internacional da Catumbela, 11.12.2018 | www.angodebates.blogspot.com
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