Foto ilustrativa apenas. |
Quando perdi, por culpa
da modéstia, a primeira oportunidade de emprego na aviação, não imaginava o que
o destino me pregaria uma década mais tarde.
Em finais da década de
1990, o Isaac, um amigo de adolescência lá do bairro da Santa Cruz, no Lobito,
notificou-me que uma sua tia procurava alguém com o domínio da língua inglesa
para trabalhar na então Base Aérea Operacional da Catumbela, das Forças Armadas
Angolanas. Ele não tinha bem a certeza da função mas como a dado momento falou
em se comunicar com os voos, deduzimos logo que estaria relacionado com a
torre.
Mostrei disposição para
conhecer a senhora, a fim de passar pelos testes, mas cuidei também de
antecipar que, tendo já o meu domínio do inglês, garantidamente, um nível acima
do curso médio, era fruto do auto-didactismo. Não possuía, por exemplo, o
certificado de um CELIESTRE (Centro de Línguas Estrangeiras Revolução), do
renomado Mr. Germano, à época a coqueluche. Este detalhe levaria a
“recrutadora” a descartar-me. Pois ainda bem. Que se lixasse! Acreditei que a
aviação seria distracção no foco da vocação, a comunicação social, sobre a
qual, aliás, nunca tive dúvidas.
Seguiram-se anos de
interromper o segundo ano do ensino médio, em virtude de uma miséria que
obrigava a calçar um par de ténis (dibengo), os dedos a roçar o chão. Nessa
altura gozava já de uma certa visibilidade na qualidade de colaborador de um
programa infanto-juvenil da TPA, pelo que feria ao dobro o bullying. O Eliseu
Mondi Figueiredo entrava em cena com a doação de um ou outro vestuário, ou os
ténis emprestados pelo António Kanganjo, antes de ganhar um par de ténis do
cunhado Justo Cataca.
Não dava mais, tinha de
procurar algum rendimento. Logo inscrevi-me no curso de pedreiro no IED
(Instituto de Estudos para o Desenvolvimento), do engenheiro Marcelino,
financiado pela União Europeia. O subsídio de formando era de 25 dólares, já
superior ao salário de um professor com o ensino médio. Terminado o curso,
sobrevivo aos testes para a Sonamet. Dos quase 300 candidatos, se bem me
lembro, só 38 chegariam à final. Fui o trabalhador número Lob 020, ajudante de
soldador.
Durante os 22 meses que
ali andei, nunca me conformando com a cultura organizacional racista e sectária
dos franceses, idealizei e conduzi o processo de legalização da AJS (Associação
Juvenil para a Solidariedade), que permitiu aperfeiçoar a língua inglesa,
voltar ao microfone e lançar o jornal comunitário “Boletim A Voz do Olho”. Foi
também pela AJS que conheci José Patrocínio, da então Okutiuka e posteriormente
Omunga, por meio de quem interagiria com uma pessoa que me apresentou à
americana Nancy, da escola de inglês. Até que um dia uma empresa que precisava
de alguém com habilidades em comunicabilidade e domínio do inglês recorre à
escola da Nancy…
E pronto, são passados
11 anos desde que num dia como hoje, no ano de 2007, deu-se o vínculo em busca
de uma certa estabilidade. No ano seguinte, por ironia, sucedo nos testes para
posição de destaque na informação da Rádio Mais do Lobito, mas acabei abrindo
mão do que tanto almejava. E cá estou no atendimento ao passageiro em terra,
área não apaixonante de todo. É muito stress, na realidade angolana, onde a desorganização
é lei.
Gabo-me, entretanto, de
ter testemunhado avanços no sector, a destacar o aperto do Instituto Nacional
da Aviação Civil (INAVIC) na certificação das companhias, que levou ao
encerramento de várias e também reduziu os acidentes. Vivi a passagem dos
bilhetes físicos para a era electrónica e a construção do aeroporto
internacional da Catumbela. Se desisti de um dia me formar e trabalhar em
comunicação? Aceito as limitações que a vida impõe, mas nunca me conformo. Esta
crónica assinala o primeiro aniversário na segunda década que coincide com a
mudança na presidência. Ainda era só isso. Obrigado.
Gociante Patissa |
Catumbela | 03.03.2018 www.angodebates.blogspot.com
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