sábado, 17 de março de 2018

Crónica | A boa música ao vivo para o vazio

Quem em Benguela vai ao Restaurante Benamor às noites de sexta-feira vê um cenário do tipo Titanic, aquele retrato do início de naufrágio, cada conviva tentando saltar para o lado mas, ainda assim, a banda seguir tocando boa música. Talvez para uma plateia já só existente na imaginação de militantes culturais das almas que constituem a própria banda.

Há dois talentos que se revezam, o Beto Chopi e o Syrimus Mulaja ou Sirymus MJ. Não são propriamente uma banda. Chopi, músico típico de bar, versátil e dono de uma voz pujante, tanto passeia pelo cancioneiro clássico angolano, como leva a plateia a viajar por lugares latinos diversos da América e Europa. Já Mulaja é um compositor que interpreta temas de sua autoria, aos quais empresta um toque experimental, entre a trova, o kilapanga e o jazz.

O grande receio é que em breve a situação se torne insustentável de vez e os músicos sejam convidados a cancelar as actuações. Os ventos não são favoráveis para quem navega no sector da restauração, sobretudo depois que se instalou a crise económica e financeira que inviabilizou a materialização de grandes investimentos e em consequência afugentou a comunidade de expatriados, maioritariamente portugueses do sector da construção.

O Benamor é dos que mais se identificam com motivos de arte na sua decoração, dando a apreciar (a par da música) obras de pintura e escultura. No outro dia, já passavam das 22 horas, cenário montado, mas o bom da música acústica ao vivo nunca mais iniciava. A justificação oficiosa era de gelar qualquer um que fosse sensível à arte. A sala estava vazia, e nestes casos a gerência não consegue pagar o homem do violão e voz da noite. Agrava a situação o facto de não ser uma cultura do lado de cá deixar aquela gorjeta que lá fora vemos no chapéu do artista.

Estou em crer que não foi aquela uma primeira vez, provavelmente está-se longe de vir a ser a última. No plano ideal, as pessoas deviam frequentar mais o Restaurante Benamor; para isso, o funcionário comum devia ter a situação económica confortável. Ainda no plano ideal, a manifestação cultural devia ter uma presença mais e mais transversal nas instituições e convívios sociais.

Calha de vez em quando o irónico de haver uma enchente, mas são jovens que, de ouvido pouco educado para música consistente, preferem a esplanada onde se deleitam ao som oco da percussão electrizante que atende pelo cliché de música urbana, servida de suas próprias viaturas em decibéis excessivos que a unidade de potência adaptada prevê, regada com cerveja e fino. Ao mesmo tempo, lá dentro, a boa música ao vivo para o vazio.

Share:

0 Deixe o seu comentário:

A Voz do Olho Podcast

[áudio]: Académicos Gociante Patissa e Lubuatu discutem Literatura Oral na Rádio Cultura Angola 2022

TV-ANGODEBATES (novidades 2022)

Puxa Palavra com João Carrascoza e Gociante Patissa (escritores) Brasil e Angola

MAAN - Textualidades com o escritor angolano Gociante Patissa

Gociante Patissa improvisando "Tchiungue", de Joaquim Viola, clássico da língua umbundu

Escritor angolano GOCIANTE PATISSA entrevistado em língua UMBUNDU na TV estatal 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre AUTARQUIAS em língua Umbundu, TPA 2019

Escritor angolano Gociante Patissa sobre O VALOR DO PROVÉRBIO em língua Umbundu, TPA 2019

Lançamento Luanda O HOMEM QUE PLANTAVA AVES, livro contos Gociante Patissa, Embaixada Portugal2019

Voz da América: Angola do oportunismo’’ e riqueza do campo retratadas em livro de contos

Lançamento em Benguela livro O HOMEM QUE PLANTAVA AVES de Gociante Patissa TPA 2018

Vídeo | escritor Gociante Patissa na 2ª FLIPELÓ 2018, Brasil. Entrevista pelo poeta Salgado Maranhão

Vídeo | Sexto Sentido TV Zimbo com o escritor Gociante Patissa, 2015

Vídeo | Gociante Patissa fala Umbundu no final da entrevista à TV Zimbo programa Fair Play 2014

Vídeo | Entrevista no programa Hora Quente, TPA2, com o escritor Gociante Patissa

Vídeo | Lançamento do livro A ÚLTIMA OUVINTE,2010

Vídeo | Gociante Patissa entrevistado pela TPA sobre Consulado do Vazio, 2009

Publicações arquivadas