sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Crónica: A lição do cambista


Sendo já consabida a carência do pós-quadra-festiva, fiz-me ao banco, anteontem, para esgotar o último pouco, muito pouco, da poupança.

De seguida, parei o carro sobre a rotunda do Kulinji, cidade de Benguela, para cambiar as três míseras centenas de dólares para kwanzas. Dez mil e quatrocentos era quanto cada centena valia.

Desfeita a algibeira, pôs-se o kínguila a conferir os kwanzas, pronto mesmo a entregar-mos, sem que tivesse um mínimo contacto sequer com o motivo do câmbio, no caso os dólares. Como sabes que as notas não são falsas? Confrontei o homem, como aliás, inutilmente talvez, sempre faço, na esperança de voltar a ver a velha preocupação do cambista em levantar a cédula para o sol, ou afagá-la entre o indicador e o polegar.

Dava-me mais conforto, receando se calhar ser vítima de milhares de falatórios que nos chegam sobre ardis de cambistas que te forçam a aceitar que tua nota era falsa. Mesmo porque, como disse, as notas eram as últimas, quando do salário de Dezembro e do décimo terceiro já só restam saudades. 


Muito serenamente, o kínguila disse: o kota já costuma trocar aqui, eu já conheço. Mentira!, quase ripostei, pois há já um bom tempinho que meu suor não vale dólares. Como iria trocar o que não tenho? Além do mais, o carro que usei naquele dia é relativamente recente, pouco menos de três meses. Quer dizer, ele tratou-me como trataria qualquer um. Mas então, esses homens vêem excesso de honestidade nos seus clientes? Xiça!

Saí dali com um misto de satisfação e frustração. Bem, isso tudo eu não contaria, não fosse pelo susto de há pouco nas bombas de combustível na Catumbela.

Depois de pedir que me atestassem o depósito, senti por instantes, na escuridão do bolso, que uma das notas de mil kwanzas tinha espessura diferente. E pensei cá comigo: talvez não seja o kínguila o mais propenso a receber notas falsas, mas quem fica com os kwanzas, dado que a distracção é maior, a pensar que ninguém falsificaria notas de menor valor facial. E nessa suspeita, sendo também tais duas notas as últimas, e não havendo nas bombas loiça a lavar, como aconselha a anedota em caso de consumo sem dinheiro em restaurante, só me restou efectuar o pagamento.

Lá o bombeiro embolsou as duas notas de mil kwanzas, nada disse, e muito parvo seria eu se levantasse ali conversa sobre esta ou aquela nota potencialmente não autêntica, não?

Gociante Patissa, Benguela 25 Janeiro 2013
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