Aos 28
anos escreveu: “A escravatura é lógica e legítima; um zulu (negro da África do
Sul) ou um landim (moçambicano) não representa coisa alguma de útil neste
mundo. Civilizá-lo, quer religiosamente, quer de outra forma qualquer, é
querer-lhe dar aquilo que ele não pode ter.
Luzia Moniz, in Jornal de Angola, 10 de Fevereiro, 2019 (imagem Angop)
O
legítimo é obrigá-lo, visto que não é gente, a servir aos fins da civilização.
Escravizá-lo é que é lógico. O degenerado conceito igualitário, com que o cristianismo
envenenou os nossos conceitos sociais, prejudicou, porém, esta lógica atitude”.
Em
1917, aos 29 anos continua: “A escravatura é a lei da vida, e não há outra lei,
porque esta tem que cumprir-se, sem revolta possível. Uns nascem escravos, e a
outros a escravidão é dada.”
Aos 40
anos consolida a sua ideologia racista, escrevendo: “Ninguém ainda provou que a
abolição da escravatura fosse um bem social”. E ainda: “Quem nos diz que a
escravatura não seja uma lei natural da vida das sociedades sãs”?
Fernando
Pessoa, dono desse ignóbil pensamento, é a figura escolhida pela CPLP para
patrono de um projecto de intercâmbio universitário no Espaço de Língua
Portuguesa. Essa iniciativa, cópia do programa europeu Erasmus, visa a
educação, formação e mobilidade de jovens do espaço de língua portuguesa,
oferecendo-lhes oportunidades de estudo, aquisição de experiência e
voluntariado por um período curto num dos países da CPLP à sua escolha. Que
Portugal, país onde a mentalidade esclavagista fascista ainda é dominante,
tenha escolhido promover, branquear essa figura sinistra não me espanta. Agora,
o que verdadeiramente me deixa perplexa é a aceitação pelos países africanos,
as vítimas da escravatura.
Se foi
para a isso que Portugal fez a guerra para assumir o secretariado executivo da
CPLP, tudo indica que a coisa começa mal.
Denunciei
isso mesmo, esta quarta-feira, na Assembleia da República de Portugal, durante
a cerimónia de abertura do ano da CPLP para a Juventude, onde estavam deputados
portugueses, governantes dos Estados da CPLP, jovens, activistas, intelectuais
e académicos afro-descendentes, brasileiros, portugueses e africanos.
Não sei
se Pessoa é ou não bom poeta. Isso pouco interessa para o caso. A minha
inquietação é o uso da CPLP para branquear o pensamento de um acérrimo
defensor do mais hediondo crime contra a Humanidade: a escravatura.
Atribuir
o seu nome a um projecto que envolve jovens, descendentes dos escravizados,
configura um insulto fascista.
Na AR
alguém, para tentar justificar o injustificável, alegou que as convicções
esclavagistas fascistas de Pessoa reflectem o pensamento da sua época,
ignorando que, por exemplo, Eça de Queirós, contemporâneo de Pessoa, era contra
a Escravatura e que, quando Pessoa escreve tais alarvidades, já a escravatura
tinha sido abolida oficialmente. Outros diziam que precisamos de olhar para o
futuro, esquecendo o passado. Como se Pessoa fosse futuro. Pessoa representa o
que é preciso combater hoje para defender o futuro. Como construir um futuro
salutar sem olhar para os erros do passado?
E se
nos cingirmos apenas ao “pensamento da época”, qualquer dia temos o nome de
outro colonialista-fascista António de Oliveira Salazar atribuído ao Conselho
de Finanças da CPLP, com o argumento de que “tinha as contas em ordem” e de que
foi “fascista à época”.
Se se pretende criar uma comunidade envolvendo as populações e não se limitando
aos políticos, mais ou menos distraídos, é imperativo que o nome de Fernando
Pessoa não figure em projectos comuns. Em sua substituição, sugeri Mário Pinto
de Andrade, académico, um dos mais brilhantes intelectuais do espaço de língua
portuguesa. Angolano que iniciou o seu percurso académico em Angola, passando
por Portugal antes de ser ministro da Informação e Cultura na Guiné Bissau, que
teve passaporte cabo-verdiano e deu aulas em Moçambique.
Espera-se dos países africanos membros que revertam essa situação, opondo-se ao
nome de Fernando Pessoa, mesmo que com esse digno gesto se crie um novo
irritante. Os irmãos de Cabo verde, que neste momento presidem a CPLP, têm uma
responsabilidade acrescida nesta questão. Se Portugal olha para a CPLP como um
instrumento de dominação dos outros, cabe-nos a nós, africanos, impedir que
isso aconteça.
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Que Luzia Moniz afirme, cito Não sei se Pessoa é ou não bom poeta. Isso pouco interessa para o caso., diz quanto necessita de ser dito.
Recomendo vivamente a Luzia Moniz que emigre para os Estados Unidos da América onde, estou certo, se sentirá menos descriminada.
Bem-vindo, caro Álvaro Aragão Athayde. Creio que compreendo o que você quis dizer. Quanto à sua sugestão, parece reforçar muito bem a postura de achar que "o mal do outro é sempre maior do que aquele que causamos". Nenhuma discriminação é virtuosa, seja de que natureza for. volte sempre. Um abraço.
Gociante Patissa
Experimente visitar Lisboa e Nova Iorque, a antiga Nova Amesterdão, que, não sei se sabe, caro Gociante Patissa, foi fundada em 1625 pela Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, companhia essa que então dominava, e continuou dominando por muitos anos, o Tráfico Negreiro no Oceano Atlântico. Depois conversamos.
Artigo sobre este tema: “Racista e esclavagista? Especialistas contestam acusações a Pessoa”. João Céu e Silva. Diário de Notícias, 13 de Fevereiro. às 18:19. Em: https://www.dn.pt/cultura/interior/especialistas-contestam-acusacoes-ao-poeta-10573830.html.
Outro artigo sobre este tema: “Polémica na CPLP. Será que as frases de Fernando Pessoa são mesmo racistas?”. Rita Cipriano. Observador, 13 de Fevereiro. às 22:19. Em: https://observador.pt/2019/02/13/polemica-na-cplp-sera-que-as-frases-de-fernando-pessoa-sao-mesmo-racistas/.
Um terceiro artigo sobre A Nova Corrida a África, a questão de fundo subjacente a esta manobra de propaganda política: “A Nova Corrida a África”. Andreia Roque Venâncio. Revista de Ciências Militares, Vol. II, Nº 2, novembro 2014, pág. 363-373. Em: https://www.ium.pt/cisdi/revista/Artigos/Artigo_59.pdf.
Isso é não entender absolutamente nada de Pessoa que, além dos 3 heterónimos e do semi-heterónimo mais conhecido, teve uma multidão de muitos outros com os queis tentou escrever aquilo a que ele chamava o «drama em gente».
Essas frases encontram-se em fragmentos dispersos e nunca publicados, existentes na célebre arca e eram para ser atribuídos a António Mora, um neo-pagão filósofo e que defendia essas aberrações que, depois, seriam debatidas e argumentadas por outros heterónimos ou personagens litaerárias no tal «drama em gente». Fernando Pessoa não teve tempo para concretizar exactamente o que queria mas nunca publicou esses fragmentos e, pelo contrário, em várias ocasiões da sua vida se revoltou contra a escravatura e contra o próprio colonialismo.Quando as pessoas começarem a entender que o que escreveu Ricardo Reis, por exemplo, nada tem a ver com o pensamento de Álvaro de Campos e nenhum dos dois pensa como Pessoa, o próprio, e isso é igual com as outras personalidades que foi criando, terão, finalmente, compreendido Fernando Pessoa. Deixo-vos aqui o link para quem entende e explica isto muito melhor do que eu. https://www.facebook.com/teresa.ritalopes/posts/1507903969346878
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