Conheces
o bairro Camama? Pergunta-me o mano excelência morador de lá, já digo o nome
dele, vamos ter calma, mas é claro que conheço! Só não sei é como lá chegar. Não
é então onde mora o escritor João Tala?! Só um ponto: vendo bem, conheço mesmo ou
não?
Aliás,
na nossa família somos mesmo assim, provincianos muito precisos quanto à
geografia urbana. O meu avô Kalonga, ervanário e mulherengo de boa memória, quem
melhor dominava a capital, não precisava de conhecer mais do que o Porto Pesqueiro.
Ou será que visitar clientes ali e rasgar o mercado informal do Roque Santeiro,
em vida o maior talvez de África, não era Luanda? Uma vez indaguei se ele não
costumava perder-se na infinita cidade, ao que rebateu sem pestanejar, põe uma
coisa na cabeça, meu neto. Antes de as pessoas começarem a frequentar Luanda,
eu já lá ia!
À
hora combinada apanhei o primeiro candongueiro de três. Estava claro na minha
cabeça que Camama, musseque do único amigo meu escritor, médico e militar
malanjino, era o maior! Ultimamente até já conta com o morador chamado Estupendo.
Que coisa maravilhosa! A recomendação era Golfo-2 para depois apanhar Camama. Foi
o que fiz. Apanhei um Hiace assim a dar para o podre, mas aceitável. Afinal,
verdade seja dita, está para ser fabricado o automóvel que não tem arranhões
nas vias de Luanda. Aí o cobrador foi gritando GOLFO-2 DE CEM!, mas cobrava 150
kwanzas por cabeça. A mim nada incomodava, na verdade, porque o destino era
Camama, e Camama é o maior.
Eu,
mô wi, minhas irmãs até me abusam, cada uma já se chamou lá um puto. Talos pais
num ajudam, mas pronto. Só que eu não quero fazer mais que já passo o dia na
via é stress, chego na casa mais é stress. Quando o documento sair, olho assim,
a carta tá mbora na mão, mando vir um bebé. PÕE JÁ O PÉ, XÉ, MANA!!! Assim por
causa do teu cem, o Azar (polícia de trânsito) vai-me tirar mil kwanzas? Não
faz mais mbora banga, moça! Faleceu a velha do meu tiôte deputado. É só teu tio
mas nunca te deu nada. Ya, eu sei mas um gajo só vai no óbito já para não te
apontarem o dedo. Senão são puros tios mas coração lhes fugiu. Num é o teu tio
que brincou com champanhe de 90 mil kwanzas, né? Xe!!!
A
corrida nunca mais termina, as pessoas vão entrando e saindo, o sol é brasa, sauna
rolante. Às tantas passamos pelo Hospital Sanatório, salta à vista a imponência
da nova Direcção de Viação e Trânsito, o Instituto/Templo Tocoísta, tudo enorme.
O cobrador grita CUCA! Eu, calmo no meu assento, só penso em Camama. Acredito que
a qualquer momento será anunciada chegada ao terminal do Golfo-2. Ao longe começo
a ver a Filda.
No
Palanca pede boleia um jovem albino de barba preta, corpo atlético, na casa dos
26 anos. O cobrador vinca a testa mas aceita como quem teme condenação pública.
Pede dinheiro aos passageiros. Não gosto da ideia de relacionar albinismo com
mendicidade. Vaidoso, expressa-se bem, alguma escolaridade, potencial para o
trabalho e a independência. Incomoda-me vê-lo sem chapéu, tão nocivos que são os
raios ultravioletas para limitados em melanina. O que tens a ver com isso?! Recrimino-me
ao mesmo tempo.
O
jovem pede para ficar no Simão Toco, o cobrador não evita a gargalhada. Simão
Toco, tens que voltar no Golfo-2. Estava perdido. Não era o único. Eu também. Com
ar insuspeito, minto que cheguei ao destino. Há que dar meia-volta e pedir dicas
para retomar o itinerário, ainda hoje. Camama e o mano Carlos Maneco me esperam.
Gociante
Patissa | Luanda/Benguela, 25/26-02-2019 | www.angodebates.blogspot.com
Crédito
da imagem: lillinka006
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