Nesta terceira e última parte da grande entrevista que a cantora Katiliana Kapindiça concedeu ao Blog Angodebates no dia 15 de Maio em Benguela, lançamos uma provocação quanto ao que ela faria caso fosse Ministra da Cultura, aquele sector que é dos mais criticados, sobretudo pelos próprios artistas e fazedores de cultura. A nossa interlocutora reagiu com um suspiro ao inesperado cenário mas não deixou de apontar as vulnerabilidades das políticas culturais de um país soberano há tão-somente 43 anos e sugerir caminhos para quem tem ouvidos para ouvir. Já que é de política que falamos, quisemos saber da “menina” o grau de expectativas da era João Lourenço, que sucede aos 38 anos de presidência de José Eduardo dos Santos. Nesse quesito, a viajada Katiliana, que aponta a corrupção como o maior e pior cancro de Angola, prefere ficar-se apenas pela esperança, pois entende que o optimismo seria uma fasquia muito elevada e passível de desilusões. Entende que o presidente Lourenço tem vontade de estabelecer um novo começo mas não sabe bem por onde começar nem parece ter o apoio da maioria.
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OUVIR O ÁUDIO
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Angodebates: Querendo ou não, essa mudança de presidente está a suscitar outras mudanças e expectativas. A Katiliana vê com olhos de optimista ou acha que vai manter na mesma? Que Angola é que vê nascer? Está a nascer uma nova ou é a mesma?
Katiliana: Não me posso garantir como optimista mas com esperança. Porque eu acho que há uma diferença entre estar optimista e a esperança.
Angodebates: Os indicadores não são suficientes para alimentar o optimismo?
Katiliana: O optimismo é uma coisa que, assim para os religiosos, se compara com a fé. Eu estou optimista e vejo que vai mudar.
Angodebates: A Katiliana não se quer iludir? (risos)
Katiliana: Não! Sinto que esse nosso presidente está com uma forte visão de poder mudar o país. Vê-se que há aquele interesse de ‘eu quero mudar o país!’, não é? Só que é necessário que haja ali uma maioria e não uma minoria que o possa apoiar nos seus pensamentos.
Angodebates: Sobretudo os detentores de capital?
Katiliana: Exctamente. É necessário que tenha apoio de todos, que ele também assim se sente motivado a ter ideias para avançar com o país. E nós sabemos que foram 38 anos de governação do mesmo presidente. Então vai ser mesmo muito difícil porque nós, angolanos, estamos muito habituados com a governação antiga. Mudar isso não vai ser do dia para a noite. É um processo gradual. É essa esperança que eu tenho porque nem mesmo em cinco anos de governação que ele tem, não vai conseguir fazer nada porque há muitas questões que devem ser resolvidas, e ele não sabe também por onde começar. Então ele deve começar num tema, neste caso o tema da corrupção, que eu considero o maior cancro que a nossa sociedade deve ter
Angodebates: Maior e pior.
Katiliana: Maior e pior. Muito complicado. Para se acabar com isso, ainda vão-se levar muitos anos. E a própria mentalidade do angolano também tem de mudar.
Angodebates: Se fosse Ministra da Cultura mudaria o quê?
Katiliana: Ai, meus Deus!!!
Angodebates: Do ponto de vista de políticas de estado. Tem-se visto – estou já a influenciar, não sei se vai concordar comigo. Mas nota-se que a Cultura, como ministério, dá um apoio, me parece, desproporcional em comparação com outras manifestações culturais. Não sei se tem a mesma visão. Parece-me que há muito investimento no carnaval, que no fundo é efémero, só dura um dia.
Katiliana: Exactamente. Eu acho que nós não nos podemos só concentrar em dias ou épocas alusivas a certas datas. Olha, aconteceu o carnaval, e tem que haver investimento. Eu acho que o país é mais do que isso. Há muito talento, o angolano é muito talentoso. E é necessário em primeiro lugar que se criem estruturas para que estas estruturas possam sustentar estas pessoas que têem o talento bruto e possa ser lapidado. Investir na educação cultural artística. Quando eu digo artística não é a dança só.
Angodebates: Em Luanda há um Instituto de Formação Artística, penso.
Katiliana: Um?! Você acabou de falar agora de um. Acha que um é suficiente para nove milhões de pessoas e quiçá para umas províncias saírem daqui para irem para lá? Temos de ter mais escolas, não é? E se nós quisermos seguir um padrão supostamente digno, dito moderno ou geopolítico, nós temos de imitar muitos países europeus, como a França. Quase todos os artistas, Picasso, Da Vinci, tiveram uma formação de base. Cuba, que se calhar não é um dos países de grande poder financeiro, mas a nível de formação o Fidel fez questão de firmar isso para a população. Qualquer pessoa lá pode formar-se.
Angodebates: Com qualidade. É dos maiores legados que um presidente pode deixar.
Katiliana: Exactamente. E eu acho que se não houver um tecido humano que possa gerir aquele prédio, e nós temos imensos prédios que estão a nascer lá para aqueles lados da marginal, mas eu me pergunto: será que temos pessoal formado, angolanos?…
Angodebates: Pois, porque o estrangeiro depois não transfere o conhecimento… compreendo.
Katiliana: Ele vem para ajudar, e nós agradecemos por isso. Vem para contribuir e é muito bom.
Angodebates: Mas tem uma data de validade.
Katiliana: Sim, tem uma data de validade. Ele depois vai, não é? Ele diz, ‘olha, eu já criei as bases mas vocês têem de dar continuidade porque isto é o vosso país.’ Então eu me pergunto: será que aquelas estruturas que estão ali, salas climatizadas, casas de banho que se calhar eu talvez num país desenvolvido ainda não encontrei mas já encontrei aqui em Angola, mas eu me pergunto: será que aquele pessoal está capacitado para isso, está formado para isso? Para que isso exista, é necessário haver um maior investimento na formação. A formação é importante em qualquer parte. Formação e SAÚDE.
Angodebates: Quem fala disso, do seu receio, tem como exemplo mais recente os estádios. Foi um investimento grande que não está a ser nem sustentável…
Katiliana: Está a dizer estádios de quê?
Angodebates: De futebol. Estes enormes estádios que foram construídos. Tanto não estão a ser usados, alguns, como nem beneficiam de manutenção…
Angodebates: CAN [Campeonato Africano das Nações] de 2010.
Katiliana: Exactamente. E não houve mais seguimento para aquilo. Então se é por épocas que aquilo só serve, nós, que não temos… Como é que se chama em Luanda? Largada de touros, não é?
Angodebates: Tourada.
Katiliana: Pois, a Tourada! Se calhar estão à espera de um estrangeiro apostar naquilo e fazer um coliseu. Porque nós não temos salas de espectáculos. Em Luanda nós não temos. Se fores, por exemplo a Lisboa, vais encontrar o Meo Arena, que agora já é o Altice, não é? Mas aquilo tem uma estrutura própria, criada. E nós não temos. Angola é tão riquíssima, e ainda só está concentrada nos petróleos, nos diamantes, os recursos naturais. Eh pá, e ainda por cima quererem investir lá fora. Invistam no país!
FIM
Nota: Aceda à primeira parte da entrevista aqui, para a segunda clicar aqui.
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Nota: Aceda à primeira parte da entrevista aqui, para a segunda clicar aqui.
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