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OUVIR O ÁUDIO
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Blog Angola,
Debates & Ideias (Angodebates): A
Katiliana é uma daqueles talentos que entram em nossas vidas num contexto de
apelo à união para apoio. Porque para muitos de nós, a Katiliana surge na “Operação
Triunfo”. Penso que já andará farta de falar disso, mas gostaria um bocadinho que
contasse, assim em termos de retrospectiva, como é que foi a experiência.
Katiliana: Muito antes da “Operação
Triunfo” eu já tinha… Praticamente eu lancei-me no “Rádio Pió”. Exacto. Foi
basicamente, em 1989-90, em que na altura nós vivíamos no bairro do Kassenda. E
dali para aquela zoa do 1.º de Maio, onde se destacava a Rádio Nacional (RNA),
não havia vagas de creches. Então, os meus pais colocaram-me a mim e a minha irmã na
creche da RNA. E posteriormente, a senhora Maria Luísa Fançony, uma das
mentoras do projecto “Rádio Pió”, teve a amabilidade de o relançar novamente. Eu
fui uma das crianças [contempladas] naquela altura(…)
Angodebates: Deduzo
que é natural de Luanda.
Katiliana: Sim, sou. Sou de
Luanda mesmo.
Katiliana: E entretanto, logo
tive várias actividades, desde a dança ao teatro. O canto não digo muito, mas
mais o teatro e a dança. E obviamente como já tinha muitos artistas antecedentes
a mim, neste caso o Mamborrô, o Lucas de Brito (que agora é Maya Cool), o
Ângelo Boss também…
Angodebates: E a
Isidora Campos?
Katiliana: Também, mas
trabalhei mais com estes. Tive a possibilidade de trabalhar com eles, principalmente com o Maya Cool.
Depois, foi aí que surgiu a “Operação Triunfo”. Foi assim, digamos, um pontapé,
mas muito antes da “Operação Triunfo” eu também tinha participado nos “Ídolos”,
mas era em castings, para ser apurada. Pronto, e infelizmente fui eliminada. Fiquei
entre os 50 melhores…
Angodebates: O que
não era nada puco (risos).
Katiliana: Exactamente.
Porque
só por dia de audições, eram por aí 3 mil pessoas. Então, estar entre os 50
melhores, nos “Ídolos”, já era muito
bom.
Angodebates: A sua
vivência na diáspora é contabilizada em quantos anos?
Katiliana: Eu cresci
praticamente em Portugal. Os meus pais, em 1997-98, decidiram emigrar porque
também na altura o país não estava em condições. Na altura tinha para aí os meus
13 quase para 14 anos.
Angodebates: Adaptou-se
facilmente?
Katiliana: Não, não! Não foi
fácil.
Angodebates: Principais
dificuldades quais foram?
Katiliana: Racismo! O racismo
foi assim algo que eu… Eu nunca soube o significado da palavra racismo, até estar
num território europeu.
Angodebates: Ainda,
sobretudo na realidade europeia/Portugal, há muita gente a relativizar e a
sofismar. Quando a Katiliana se refere ao racismo, quer contar algum episódio
concreto que é para se ter a certeza?
Katiliana: Bem!… Eu tenho
muitas memórias mas é mais na questão da escola, não é? Porque eu fiquei
durante três anos a ser a única negra da escola. Não tinha ninguém de raça
negra.
Angodebates: Isto
em si punha pressão sobre si?
Katiliana: Também. Porque eu
muitas das vezes ficava no intervalo sozinha. Às vezes as minhas colegas vinham
ter comigo mas havia aqueles grupinhos da escola, que gostavam muito de se
meter e diziam: ‘ah, vai-te embora! Este país não é teu. Olha, aqui está escuro’
(risos)
Angodebates: Era
um ambiente que podemos caracterizá-lo como bullying, não é?
Katiliana: É, mas era um
bullying mais racial, não é? Porque não era muito na questão da característica,
por exemplo ser gorda ou ser magra. Era mesmo o tom de pele que ali frisava mais.
Então eu tive muitas recordações mesmo assim muito más, principalmente ainda –
não sei se posso contar esta…
Angodebates: À
vontade.
Katiliana: Inclusive tive uma
que foi assim mesmo muito triste, que eu até já não quis voltar à escola, que
foi o facto de me terem cuspido na cabeça. Cuspiram-me na cabeça. Estava no
intervalo, os rapazes estavam no piso de cima e veio a porcaria na minha cabeça.
Ah, ‘fizemos isso porque tu és preta’ (risos).
Angodebates: Tiveram
ainda a ousadia de se identificar?
Katiliana: Sim. Não tinham
problemas. Para eles aquilo era muito “normal”, porque até então, finais dos
anos 90, o racismo em Portugal era muuuito presente. Estava muito presente
sobre as pessoas, mesma não só a nível dos angolanos, como também os moçambicanos.
Os da Guiné então, pior.
Katiliana: Eu acho que de
princípio não era muito a ostentação mas sim o facto de ser o negro emigrante, não
é? Que chegava lá, ia para as obras, porque era assim. E na questão da mulher, era a questão das limpezas. Trabalhar na limpeza, no restaurante. Nós,
neste caso angolanos, angolanas, não é?, tive esta experiência com a minha irmã
mais velha e com a minha mãe. Elas tinham que dizer nós somos formadas. Então o
que é que sabemos fazer de melhor? Cozinha. Cozinhar. Então aquilo ela uma
exploração mas não a nível da ostentação, porque até então não era o tal
suposto reconhecimento que os angolanos na altura tinham.
Angodebates: A
Katiliana é de uma família de quantos irmãos?
Katiliana: Da parte do meu
pai eu tenho dois irmãos. Da parte da minha mãe também tenho dois irmãos. Ou
seja, os meus pais antes de se juntarem, já tinham relacionamentos anteriores. E
quando se juntaram, veio eu, a minha irmã que está em Pais e mais uma que
faleceu. Assim de pai e mãe só somos duas.
Angodebates: No
meio de tantas dificuldades, já agora para encerrar este tema da adaptação, de
onde é que buscava forças para não desistir?
Katiliana: Eu acho que era a persistência. É. Era muita persistência de ‘não, olha eu vivo aqui, eu estou cá’. Portanto, adaptei-me a um novo estilo de vida e então eu tenho que que continuar, não posso desistir. Mas houve momentos ali muito difíceis para mim. Foram mesmo muito complicados.
Katiliana: Eu acho que era a persistência. É. Era muita persistência de ‘não, olha eu vivo aqui, eu estou cá’. Portanto, adaptei-me a um novo estilo de vida e então eu tenho que que continuar, não posso desistir. Mas houve momentos ali muito difíceis para mim. Foram mesmo muito complicados.
(continua)
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