A história da minha vida tem nos agradecimentos a maior fatia. Esta semana reacendeu a memória da Sra. Fern Teodoro, com algum sentimento paternalista de perda à mistura. Fiquei a saber que deixou Angola há dois anos. A canadiana de ascendência portuguesa é dos milhares de amparos que vou tendo na luta pela sobrevivência e nas veredas da afirmação profissional. A World Learning, liderada por Fern, desenvolveu um projecto na área do reforço de capacidades das organizações da sociedade civil, com acções formativas e de mentoria, focando na governação e no planeamento estratégico.
Aparentemente, nada mora de extraordinário no relato de uma expatriada que ao cabo de duas décadas em Angola retorna ao seu país, mas não é bem assim. Pequena na estatura e grande no poder de influência e visão, no que concerne ao fortalecimento da sociedade civil, Fern representou desde 1996 a ONG americana World Learning, sub-recipiente da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Em termos mais simples, não podendo o governo americano financiar directamente as ONGs angolanas, fazia-o por intermédio de uma Organização vocacionada no sector.
Gabo a Fern pela sua invejável habilidade em esquivar lentes e holofotes. Não se acha uma simples notícia com o seu rosto (e o expectável rasgar de sorrisos bem à ocidental). Nem mesmo o detective Google foi a tempo de lhe achar a peugada. Isto, para quem movimentou praticamente o país todo a financiar projectos de desenvolvimento comunitário, direitos humanos e combate à malária, à parte a proximidade que tinha com alguns dos directores de jornais mais influentes de Luanda, faz da Fern um caso singular.
Os nossos caminhos viriam a cruzar depois de dar corpo à AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade), que fundamos no ano de 1999, cujo órgão executivo liderei do embrião até à consolidação, isto em 2005, para depois fomentar a rotatividade de mandatos. Na verdade, a definição de rumo de crescimento do que veio a ser a AJS fica a dever-se muito à Okutiuka, na pessoa do seu líder, o engenheiro José Patrocínio “Zétó”, o também mentor do então projecto Omunga, que trabalhava na causa da criança vulnerável, precursora da Associação nos termos que se lhe conhece hoje.
A parceria com a Omunga, na Rede Municipal da Criança de Rua do Lobito, levaria à constituição da “Coligação Ensino Gratuito, Já!”, que implementou a campanha de advocação para exigir do Ministério da Educação o cumprimento da Lei de Bases do Sistema de Educação, que estabelecia a gratuitidade do ensino primário, o que compreendia a merenda escolar e a não cobrança de propinas nem o pagamento das folhas de prova. Nesta altura, estamos em 2001, já a Okutiuka era beneficiária dos financiamentos da USAID através da World Learning, que experimentava a estratégia de reforçar a acção de intervenção social financiando coligações e consórcios. Tal como a da educação, houve também uma coligação alicerçada na Lei de Terras, que interveio nas províncias da Huila e Luanda.
No campo mais pessoal, a Fern acolheria uma pessoa em estágio e que conviveu connosco em Benguela. Por esta pessoa fui apresentado à americana Nancy Gottlieb, a professora e dona da escola de inglês, onde concluí o sexto nível. Viria a ser com empurrão dela que em 2010 recebi convite do Departamento de Estado para o intercâmbio de um mês nos EUA, intitulado International Visitors Leadership Program. Enfim, a auto-aprendizagem e os contactos temperaram a ironia de o meu emprego actual (11 anos nada apaixonantes mas estáveis) derivar de ter conhecido o Zétó, a Fern e a Nancy.
Nem tudo na sociedade civil são rosas, mas prefiro ater-me ao tesouro desta aura mais ingénua, como das vezes que flagramos a boss financiadora Fern a afagar, com ternura de menina na escola, os loiros cabelos ou a desenhar e colorir flores no bloco de notas para, talvez, atenuar a tensão das reuniões de monitoria e avaliação de projectos. Thanks, Fern!
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Catumbela, 2 Maio 2018
Aparentemente, nada mora de extraordinário no relato de uma expatriada que ao cabo de duas décadas em Angola retorna ao seu país, mas não é bem assim. Pequena na estatura e grande no poder de influência e visão, no que concerne ao fortalecimento da sociedade civil, Fern representou desde 1996 a ONG americana World Learning, sub-recipiente da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional). Em termos mais simples, não podendo o governo americano financiar directamente as ONGs angolanas, fazia-o por intermédio de uma Organização vocacionada no sector.
Gabo a Fern pela sua invejável habilidade em esquivar lentes e holofotes. Não se acha uma simples notícia com o seu rosto (e o expectável rasgar de sorrisos bem à ocidental). Nem mesmo o detective Google foi a tempo de lhe achar a peugada. Isto, para quem movimentou praticamente o país todo a financiar projectos de desenvolvimento comunitário, direitos humanos e combate à malária, à parte a proximidade que tinha com alguns dos directores de jornais mais influentes de Luanda, faz da Fern um caso singular.
Os nossos caminhos viriam a cruzar depois de dar corpo à AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade), que fundamos no ano de 1999, cujo órgão executivo liderei do embrião até à consolidação, isto em 2005, para depois fomentar a rotatividade de mandatos. Na verdade, a definição de rumo de crescimento do que veio a ser a AJS fica a dever-se muito à Okutiuka, na pessoa do seu líder, o engenheiro José Patrocínio “Zétó”, o também mentor do então projecto Omunga, que trabalhava na causa da criança vulnerável, precursora da Associação nos termos que se lhe conhece hoje.
A parceria com a Omunga, na Rede Municipal da Criança de Rua do Lobito, levaria à constituição da “Coligação Ensino Gratuito, Já!”, que implementou a campanha de advocação para exigir do Ministério da Educação o cumprimento da Lei de Bases do Sistema de Educação, que estabelecia a gratuitidade do ensino primário, o que compreendia a merenda escolar e a não cobrança de propinas nem o pagamento das folhas de prova. Nesta altura, estamos em 2001, já a Okutiuka era beneficiária dos financiamentos da USAID através da World Learning, que experimentava a estratégia de reforçar a acção de intervenção social financiando coligações e consórcios. Tal como a da educação, houve também uma coligação alicerçada na Lei de Terras, que interveio nas províncias da Huila e Luanda.
No campo mais pessoal, a Fern acolheria uma pessoa em estágio e que conviveu connosco em Benguela. Por esta pessoa fui apresentado à americana Nancy Gottlieb, a professora e dona da escola de inglês, onde concluí o sexto nível. Viria a ser com empurrão dela que em 2010 recebi convite do Departamento de Estado para o intercâmbio de um mês nos EUA, intitulado International Visitors Leadership Program. Enfim, a auto-aprendizagem e os contactos temperaram a ironia de o meu emprego actual (11 anos nada apaixonantes mas estáveis) derivar de ter conhecido o Zétó, a Fern e a Nancy.
Nem tudo na sociedade civil são rosas, mas prefiro ater-me ao tesouro desta aura mais ingénua, como das vezes que flagramos a boss financiadora Fern a afagar, com ternura de menina na escola, os loiros cabelos ou a desenhar e colorir flores no bloco de notas para, talvez, atenuar a tensão das reuniões de monitoria e avaliação de projectos. Thanks, Fern!
www.angodebates.blogspot.com | Gociante Patissa | Catumbela, 2 Maio 2018
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