A poucos dias de completar 21 anos, a costureira Hilária Kalei (HK), caloira no curso universitário de psicologia clínica, é o rosto visível da comissão instaladora da Associação de Mães na Adolescência (AMA), da qual é coordenadora e palestrante. Tornou-se mãe aos 17 anos, o que a forçou a desistir de sonhos, entre os quais a prática de andebol. HK não imaginava que enfrentaria um drama ainda maior, o da anemia falciforme, diagnosticada ao sétimo mês de vida do seu bebé. Foram três penosos anos pelos corredores do hospital de Benguela, várias transfusões de sangue, até que, infelizmente, a batalha foi perdida para a morte. A AMA é um colectivo voluntário que realiza palestras, a par do uso das redes sociais, para sensibilizar contra a gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, bem como lidar com a situação das vítimas de abuso sexual. A reportagem do Blog Angodebates (BA) ouviu a coordenadora para saber mais sobre o projecto.
"As pessoas identificam-se muito com aquilo por que nós passamos"
BA: Como foi que surgiu
a ideia de Associação? Qual foi a vossa motivação?
HK: Uma das meninas
resolveu juntar algumas amigas para um almoço. Até nem todas eram mães. Durante
o convívio, eu saí para buscar o meu filho, porque havia lá outras crianças, e
daí surgiu a ideia. Eu disse: por que é que não continuamos? Sugeri que fosse
AMA (Associação de Mães na Adolescência), e vamos passando as nossas
experiências para as outras meninas que ainda não são mães. Pelo menos vamos
servir como alerta. E para aquelas que já são mães, então encontrar uma maneira
de, de nós, surgir um apoio.
BA: Quantas
pessoas formam a AMA?
HK: Neste momento,
mães dentro da Associação temos 15. E o grupo de apoio, meninas que não têem
filhos mas que também fazem parte, são 46. No total dá por aí umas 61.
BA: Parece um
grupo grande. Como é possível gerir esse grosso?
HK: Nós temos grupo
privado no Facebook, que é fechado, e aí temos dado as informações. Falamos
sobre actividades, cada um expõe aquilo que são as ideias e é muito fácil.
Estamos em comunicação todos os dias.
BA: Há quanto
tempo existem?
HK: A AMA vai fazer
um ano, dia seis de Março. Na verdade, a reunião primeira, como disse do
almoço, foi em Novembro de 2015. Só que daí tínhamos parado e só em 2016, é que
nos voltamos a encontrar e foi também a primeira palestra, no Colégio das
Madres.
BA: Já pensaram em
legalizar vossa iniciativa ou a ideia é manter isso informal?
HK: Sim. Já estamos
até com um processo. Tem um jurista amigo que está a ajudar. A ideia é mesmo
oficializar, legalizar.
BA: Neste momento,
qual é o tipo de actividades que vocês desenvolvem?
HK: O principal são
palestras. Promovemos palestras nas escolas, palestras individuais, né?, onde
tanto faz os alunos, como os amigos e não amigos, todo o mundo pode aparecer.
Normalmente realizamos no anfiteatro do Liceu, no Colégio das Madres, e na
Mediateca (agora também o director disponibilizou o espaço para lá estarmos
quando precisarmos).
BA: Qual é a
periodicidade das actividades?
HK: Para já, o plano
é todos os meses palestras ordinárias mas, às vezes por convite de escolas ou
de outras organizações, depende. Pode ser de duas em duas semanas.
BA: O que é que
pretendem atingir? Qual é a vossa meta, o vosso sonho?
HK: O principal é
ajudar a diminuir o índice elevado de gravidez precoce.
BA: OK. Vocês têm
61 membros, sabem o que querem fazer, já definiram o vosso grupo alvo. Como
funciona a vertente administrativa?
HK: Trabalhamos com o
Comité Miss Benguela, que nos tem cedido espaço para reuniões e tal, porque
ainda não temos um espaço nosso, da Associação.
BA: Uma
curiosidade: porque é que foram buscar apoio ao Comité e não recorreram às
organizações que trabalham de forma mais regular com as comunidades?
HK: Alguém
interessou-se também pelo projecto mas deu-nos o contacto da presidente. Ela
interessou-se, não só como Comité, mas também como membro da nossa Associação.
E o ano passado, a Miss Benguela também trabalhou num projecto connosco, o nome
foi “Menina Mulher”. O Comité ofereceu cursos de culinária, pastelaria,
cabeleireiro, que de alguma maneira ia ajudar as meninas no sustento das
crianças.
BA: O que é que
identificaria como sendo pontos fortes e fracos da AMA?
HK: As pessoas
identificam-se muito com aquilo por que nós passamos. Porque eu até digo: antes
de nós fazermos uma investigação sobre gravidez precoce na internet e tal, as
pessoas gostam daquilo que é verdade. Então, nas nossas palestras, procuramos
sempre buscar o científico e a realidade. No final tem sempre depoimentos das
meninas. Vão dizendo como é que tem sido a vida depois de se tornarem mães na
adolescência.
BA: O Testemunho,
na primeira pessoa, acaba por ser o ponto forte, certo?
HK: Sim! E depois tem
sempre um contacto, ‘ah, olha eu passei
por isso também, preciso que me ajude ali e tal’. O ponto fraco, falando
mesmo dentro da AMA, tem sido um pouco de irresponsabilidade, né?!, da nossa
parte. Talvez é algo que nós pensávamos que seria leve, ou como um passatempo,
e se tornou numa coisa tão séria que eu acho que nem todos estão preparados
para assumir tal responsabilidade, sendo ainda adolescentes.
HK: A mais nova tem
15 anos e a mais velha 25. De princípio, era Associação de Mães Adolescentes,
mas depois mudamos, uma vez que nós não continuamos adolescentes.
"Temos
até meninas que engravidaram mesmo depois de se tornarem membros da AMA e
assistirem às palestras"
BA: Porque é que
ser mãe na adolescência para vocês é um problema?
HK: Porque a
adolescência é talvez a fase mais complicada, da vida humana. A pessoa está a
descobrir coisas, conhecer o mundo, os seus sonhos, e ainda não sabe realmente
quem é. Quando surge uma gravidez, praticamente tu és obrigada a anular certas
coisas. Falando também biologicamente, o corpo de uma adolescente não está
preparado para suportar uma gravidez. Depois, a maioria não volta aos estudos,
tem conflito com os pais, às vezes o pai da criança também é menor de idade,
não trabalha, e gera-se esse conflito.
BA: Se há cada vez
um maior grau de informação, como entender que a gravidez precoce continue a
ser ainda um problema na nossa sociedade? Quais são as causas?
HK: A principal, acho
que é a falta de diálogo dos familiares mais próximos. Porque por mais que nós
tenhamos todas as informações, escapa-nos sempre alguma coisa. E quando não
temos a conversa [de] que nós precisamos em casa, acabamos por ouvir mais da
rua, mais dos amigos. Se bem que às vezes até há quem tenha esse aconselhamento
em casa, os pais são totalmente abertos, mas na mesma acaba tendo este deslize.
BA: A vossa acção
circunscreve-se apenas a Benguela município?
HK: Quando
realizamos palestras cá no centro, tem sido mais Benguela e Lobito. Mas agora
recebemos convite para ir até ao Cubal, em Abril temos uma palestra no Huambo e
antes disso, talvez em Março, será no Sumbe.
BA: Quantos
membros actuam como palestrantes ou prelectores?
HK: No princípio era
só eu, até que tivemos formações, inclusive sobre teatro. Então cada menina foi
desenvolvendo habilidades e hoje já somos mais.
BA: Vocês têem
acesso aos dados estatísticos oficiais daquilo que é a realidade da
problemática de gravidez na adolescência na província de Benguela?
HK: Não, ainda não
temos.
BA: Já tentaram
bater às portas do Ministério da Promoção da Mulher?
HK: Ainda não.
Estamos à espera. Mas já fomos falar com a OMA [Organização da Mulher Angolana,
braço do partido no poder]. E quem nos vai apoiar também é a PROMAICA [liga
feminina da igreja Católica], que agora também tem uma particularidade de
trabalhar com aquelas meninas que se tornaram mães mais cedo.
BA: Quais são as
zonas de Benguela que se consideram mais vulneráveis? Ou acha que a realidade é
uniforme?
HK: Acho que agora
já é uniforme. Se bem que eu tenho dito que nós cá do centro urbano temos todas
as informações possíveis. Internet, os professores falam disso. Mas mesmo
assim, ainda acabamos por cair neste erro, mas eu acho que é sempre o interior,
a periferia, que tem mais casos destes. E outros municípios: Cubal, Ganda, etc.
BA: Vocês têem algum
caso recente de adolescente que vos tenha contactado?
HK: Temos até
meninas que engravidaram depois de se tornarem membros e assistirem às
palestras. No fundo, fica aquela pequena frustração, mas não deixamos de dar
apoio.
BA: Pois, as
mudanças a este nível são difíceis de monitorar. Há a questão da pouca
negociação entre o casal na intimidade. E também como algumas relações se baseiam
em bens materiais, então o “patrocinador” impõe sempre. Concorda?
HK: Sim, é um campo
complicado.
"Eu
já tinha que gerir ser mãe adolescente, e ainda [mais] de uma criança com
cuidados especiais, que não é algo tão fácil"
BA: Vamos agora
olhar para o impacto. Como é que as demais províncias, falou em Huambo e
Kwanza-Sul, se apercebem da vossa acção?
HK: Eu faço sempre
postagens do nosso trabalho. Então, como tenho vários amigos em vários pontos
do país, acaba chamando atenção e surgem convites. Eu quando faço
postagens, dou mesmo testemunho da minha vida pessoal e conto como foi ser mãe.
BA: Pode fazer uma
listagem dos resultados concretos da vossa trajectória?
HK: Como já havia
dito, começamos por fazer isso como algo do coração. Não imaginávamos a
repercussão que está a ter. Mais do que isso, eu sinceramente não sei!… Acho
que é um resultado muito bom e sei que ainda teremos maiores.
BA: No campo das
parcerias, há outras? Alguma ONG, por exemplo?
HK: Temos apoio das
rádios locais e também dos Bismas. ONG ainda nenhuma.
BA: Conte-nos o
que puder da sua experiência de mãe adolescente.
HK: Eu fiquei
grávida aos 16 anos, a fazer 17. Como todos os pais, os meus ficaram
decepcionados, porque eu frequentava o ensino médio (graças a Deus não
interrompi os estudos), mas não deixaram de me apoiar. Eu sempre fui muito
activa no grupo da igreja, treinava também andebol (coisa que a gravidez interrompeu).
Sempre fiz costura, então comecei a usar aquilo que eu sabia fazer para ganhar
algum dinheiro para aquilo que eu iria precisar de comprar. O bebé nasceu bem,
mas quando ele fez sete meses, descobrimos que sofria de anemia falciforme.
Então aí começou uma outra luta. Eu já tinha que gerir ser mãe adolescente, e
ainda [mais] de uma criança com cuidados especiais, que não é algo tão fácil.
Depois então me dividia entre a Associação, a igreja e a criança. Infelizmente,
em 2013, quando eu ia completar 20 anos, internei com a criança, seria já a sua
13.ª transfusão no hospital. Infelizmente eu perdi o meu filho. Depois pensei
assim: se era por ele que eu fazia esse trabalho, praticamente já não faz
sentido ser coordenadora de uma associação de mães, não tendo um filho. Fiquei
totalmente desmoralizada e triste, mas as minhas amigas e meus familiares estiveram
sempre ali para dar força. Infelizmente, depois disso também me separei do pai
da criança. Sozinha por enquanto, mas estou bem.
BA: E o que dizer
da anemia falciforme?
HK: É uma doença
genética. E mesmo nas nossas palestras, procuramos chamar a atenção das outras
pessoas. Nós, jovens, não temos o cuidado de fazer um teste de sangue para ver
ser somos compatíveis.
BA: E o seu lado
de costureira?
HK: Olha, comecei
como brincadeira, mas pelo meu filho e pela Associação, hoje faço as coisas já
profissionalmente mesmo. Acho que a maternidade me fez crescer. Muito mesmo!
Até digo às minhas colegas: nem todas tomam o mesmo caminho, né?, há aquelas
que mesmo sendo mães, suas vidas continuam a mesma coisa. Todas nós aqui
crescemos, mas eu tive que crescer o dobro. Porque eu não era apenas mãe
adolescente, eu era mãe de uma criança com cuidados especiais. Várias foram as
noites que tive de passar no hospital. No princípio, a mãe passava as noites no
hospital, mas depois vi que no dia seguinte ela tinha de sair muito cedo para
ir trabalhar. Como tínhamos a sorte de viver perto do hospital, tive de superar
os meus medos.
BA: Obrigado.
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Hk minha estilista.
Bela matéria...
Força foco e fé a esta guerreira, Deus a guie e guarde, dizer que o que é feito com amor, da sempre certo... Abraço
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