Estive ontem entre 18h30-20h30 ao portão do Hospital Geral de Benguela, fazendo companhia a parentes meus que têm lá dentro alguém internado. Não sendo propriamente horário de visitas, só uma pessoa entrou com o jantar do doente.
As duas horas sugeriram que, mais do que simples portão, é um potencial laboratório de sociologia. À primeira vista, a questão parece residir na arrogância do protector físico, de uma empresa privada cujo emblema não consegui divisar. Mas em instantes se percebe que não é o lugar mais feliz para guarnecer, de tão intenso e estressante na relação com o público, onde a solidariedade, a agressividade e a falta de moral de quem procura os serviços se confundem em certa medida, nada facilitando a organização.
Pelo menos dez viaturas manifestaram intenção de passar o portão, em alguns casos sem motivo aparente, que seria, por exemplo, estar a transportar doente ou ser funcionário do hospital (houve um rapaz inclusive ao volante de uma moto de quatro rodas). Os seis primeiros foram permitidos, quase a contra-gosto, até um senhor de RAv-4 posicionar-se mesmo no acesso, bloqueando a via para a ambulância que deixava as instalações para mais um serviço de urgências. Escusado será dizer que o guarda foi ralhado.
Alguns automobilistas são de uma classe social superior à do guarda, não se coibindo de usar sinal sonoro para impor a sua vontade, o que obviamente contribui para certa impotência do homem perante os excessos e impunidade. Mas se fosse só por aí, diríamos que se trata de uma situação controlada. Como será a relação do guarda com gente menos abastada, com a qual diríamos que mais se identifica?
Chega depois uma mãe com criança em estado grave às costas, a bordo de kupapata (moto-táxi). Só que com ela vêm outras seis motorizadas, na típica solidariedade Bantu, contrastando com o que é sensato nesta circunstância. O guarda deixa passar o kupapata da mãe e criança doente. Outro kupapata do mesmo grupo trespassa com uma menina de não mais de 13 anos, que sinceramente não sabíamos bem que relevância teria lá dentro. O guarda fecha o portão, para o desagrado do pai da criança doente, ele também transportado por kupapata. O que se seguem são agressões verbais de quem se sente no direito de levar para dentro do hospital todo o grupo que o acompanha na hora difícil.
Pouco depois, outra família chega com criança doente, igualmente a bordo de kupapata. A motorizada da mãe é permitida, não a do pai. E lá está o senhor a despejar incisivos disparates sobre o guarda, que também é humano (ex-militar?) e promete retalhar com bofetadas, pontapés e uso de arma de fogo (que não a tinha, até onde deu para ver).
Longe de colocar o guarda hospitalar no centro das virtudes, digo apenas, como quem trabalha no atendimento público, que urge encurtar os turnos naquela posição de permanente rótulo de carrasco. A sugestão é uma renda a cada três horas, e não doze como presumo ocorrer. Só que, como sempre, se eles reclamam, correm o risco de perder o ganha-pão. É como ironizava o outro, o trabalho dignifica (quando não danifica) o homem.
Gociante Patissa, Benguela 22 Fevereiro 2013
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